A história dos judeus de Kiev nos últimos 100 anos é tão difícil e sangrenta quanto a dos séculos anteriores. Ela tem início na esteira da Revolução Russa de 1917 e se estende até hoje. Durante esse período, Kiev foi o centro do judaísmo ucraniano e de suas instituições religiosas e culturais.
É difícil dizer quantos judeus viviam na Ucrânia quando do ataque russo no dia 24 de fevereiro deste ano de 2022. Sergio Della Pergola, demógrafo israelense, estimava em 49 mil judeus, enquanto o Congresso Judaico Europeu avaliava entre 360 mil e 400 mil, dos quais 110 mil viviam em Kiev. Quantos ainda vão estar em Kiev quando a paz voltar à região é uma incógnita...
O nacionalismo ucraniano
Uma das consequências da Revolução Russa de Fevereiro 1917 foi o fortalecimento, na Ucrânia, do movimento nacionalista ucraniano. Criou-se em Kiev um Conselho Nacional (Rada) cujo objetivo era a criação, nesse país, de um Estado burguês. Em janeiro de 1918, após a tomada de poder na Rússia pelos bolcheviques, a Rada proclamou a independência da República Nacional da Ucrânia (RNU). A Rada, órgão supremo da nova República, iniciou uma luta aberta contra o Poder Soviético. Nem todos os ucranianos, no entanto, concordavam com o estabelecimento de um estado burguês e as facções pró-bolcheviques pediram ajuda à Rússia.
Na época, a comunidade judaica de Kiev, composta de 87 mil indivíduos, reestruturou-se sob a liderança de Moisés Nahum Syrkin. Membro do Rada e da intelligentsia russo-judaica, Syrkin era um sionista convicto. Kiev tornou-se centro do judaísmo ucraniano e de instituições culturais. Era grande o número de escritores judeus que viviam na cidade, onde livros e jornais eram publicados pela Liga de Cultura Iídiche, a Yiddish Kultur Lige, fundada em Kiev em 1918.
A luta pela independência ucraniana
A guerra pela independência ucraniana constitui um capítulo importante na história dos judeus de Kiev. Os partidos políticos judaicos das mais diferentes ideologias uniram-se à Rada e muitos judeus juntaram-se às fileiras do movimento nacionalista ucraniano.
Para manter o apoio judaico, os políticos ucranianos comprometeram-se a dar aos judeus igualdade civil plena e autonomia comunitária, criar um Ministério de Assuntos Judaicos, destinar parte da arrecadação tributária para programas educacionais judaicos e declarar o iídiche como um dos idiomas oficiais do Estado. Após a proclamação da independência da República Nacional da Ucrânia, os judeus passaram a ser representados na Rada por 50 delegados. E algumas das promessas se concretizaram, mas todas as concessões foram de curta duração. No início de 1919, os 114.524 judeus de Kiev acreditavam que suas vidas melhorariam...
Quando Symon Petliura, ultranaciolanista e comandante Supremo do Exército Ucraniano entrou em Kiev, a vida dos judeus sofre um forte golpe. O líder da República Popular ucraniana até a sua dissolução era um antissemita convicto. Uma de suas primeiras ações foi prender os membros da unidade judaica de autodefesa, executando 36 deles. Durante seu governo, os pogroms foram uma constante. Ao invés de coibir suas tropas, quando não as incentivava, ele fingia não saber da violência antijudaica cometida por seus soldados. Hoje, na Ucrânia, Petliura é considerado herói nacional. A Guerra de Independência ucraniana de 1918-21 trouxe em seu bojo uma violência sem igual contra a população judaica, mais de 156 mil judeus foram assassinados no país. Todas as facções que lutaram na guerra pela independência ucraniana participaram da matança, mas os nacionalistas ucranianos foram responsáveis por grande parte dos mortos.
Em janeiro de 1919, a Rússia despacha 30 mil homens do Exército Vermelho à Ucrânia para ajudar as facções pró-soviéticas. Em agosto, os russos tomam Kiev. Dois anos mais tarde, após o Exército Vermelho conquistar dois terços do território ucraniano, é criada a República Socialista Soviética da Ucrânia, que passou a ser uma das repúblicas da URSS.
Domínio soviético
Em 1934, Kiev tornou-se a capital da República Socialista Soviética da Ucrânia, a segunda mais poderosa, econômica e politicamente, república da URSS.
A Ucrânia sempre foi vista com desconfiança por Moscou. Os líderes soviéticos sabiam do enraizado nacionalismo ucraniano, e que teriam que enfrentar uma contínua resistência a menos que fizessem concessões à autonomia cultural de seu povo.
No início da década de 1920, o regime soviético adotou uma política chamada korenizatsiya, em sentido literal, “arrancar raízes”. O lema era “nacionalista em sua forma, mas socialista em seu conteúdo”. Os judeus foram incluídos na korenizatsiya, como uma minoria cultural distinta. Essa política acrescentaria mais um conflito aos existentes entre os judeus e os ucranianos. Esse últimos acreditavam que os judeus ucranianos deviam se “assimilar” totalmente à sua cultura.
Acuados pelo nacionalismo ucraniano intrinsecamente antissemita, os judeus optaram por se aproximar dos russos. Essa aproximação e o fato de muitos judeus terem tido participação na Revolução Russa fez com que eles passassem a ser associados com os bolcheviques e a opressão soviética. Surge, então, mais um elemento no imaginário antissemita ucraniano: a figura do “judeu-bolchevique”, do “opressor judeu-comunista”, uma associação que iria custar aos judeus muito caro na década de 1940.
Em 1923 viviam na Ucrânia 1,5 milhão de judeus, desses 128 mil em Kiev e, em 1939, já eram 224 mil. Toda a população da URSS passara por um processo de proletarização e, em Kiev, os judeus passam a trabalhar nos órgãos burocráticos estatais ou do partido e nas indústrias estatais.
Nos primeiros anos do domínio soviético a maioria dos judeus (76%) ainda falavam iídiche, e Kiev continuava sendo um centro de cultura iídiche, desprovida, no entanto, de qualquer conteúdo religioso.
O ateísmo como ideologia política
A União Soviética abraçara o ateísmo enquanto parte da sua ideologia política. Apesar do governo soviético realizar campanhas contra o antissemitismo até o início dos anos 1930, a religião judaica era, no minimo, malvista. As duas principais sinagogas de Kiev foram transformadas em “clubes para artesãos” e os soviéticos entregaram a condução da comunidade judaica à Yevsektsiya, a seção judaica do Partido Comunista. Todos os seus esforços visavam romper os vínculos judaicos com sua religião, fechar as instituições comunitárias e prender os sionistas.
Em 1921, a Yevsektsiya organiza uma farsa judicial colocando o Judaísmo no banco dos réus. Este é acusado e condenado, por ser o responsável pela “opressão burguesa da classe operária judia”.
Em Kiev, a vida cultural judaica foi-se adaptando ao domínio soviético. A cidade tornou-se um importante centro para a nova cultura iídiche, como já mencionamos sem qualquer conteúdo religioso. É criado o Instituto de Cultura Proletária Judaica, que fazia parte da Academia Ucraniana de Ciências, e um sistema de instituições educacionais e culturais de língua iídiche promovidas pela Kultur Lige.
Fundam-se escolas, teatros, jornais e editoras em iídiche, bem como o teatro judaico estatal. O governo financia a publicação de livros e jornais nesse idioma.
Era Stalinista
Quando Stalin sobe ao poder em 1927, o ditador reforma a sociedade através de um planejamento econômico agressivo que visava a coletivização da agricultura e uma industrialização estatal de base acelerada. Seu governo foi marcado por execuções e expurgos múltiplos. As perseguições contra opositores políticos, intelectuais e escritores – judeus e não judeus – atingiram proporções absurdas. Centenas de milhares foram presos, enviados ao exílio ou executados.
Em 1929, Stalin inicia uma campanha contra a cultura ucraniana e judaica, reprimindo brutalmente os aspectos “nacionais” de ambas. É indiscutível o antissemitismo do ditador, bem como a sua determinação de se livrar dos judeus enquanto judeus. Em Kiev, assim como em outras partes da URSS, os judeus veem suas instituições culturais, teatros e escolas serem fechados; e as publicações judaicas reduzidas ao mínimo.
Em Kiev, a vida judaica organizada chega ao fim no final da década de 1930, com os expurgos stalinistas.
A maioria dos envolvidos na propagação da religião judaica e do sionismo são presos.
A Shoá
Para os judeus da República Ucraniana, o pesadelo teve início no dia 22 de junho de 1941, quando a Alemanha deu início à invasão da União Soviética. Para muitos ucranianos a invasão nazista foi vista como a libertação do jugo soviético, do julgo “opressor judeu-comunista”.
Em toda a Ucrânia, antes mesmo de os nazistas iniciarem a matança, a população local foi responsável por sangrentos pogroms. Milhares de ucranianos se voluntariaram para ajudar os nazistas, participando da perseguição e do assassinato de judeus, ou tornando-se guardas nos campos de extermínio. Kiev caiu em mãos alemãs em 19 de setembro. Acredita-se que cerca de 70% dos 225 mil judeus deixaram a cidade a tempo.
Desde o primeiro dia da ocupação, os judeus perceberam a “face radiante de felicidade” de muitos habitantes. No dia seguinte, policiais ucranianos apareceram portando braçadeiras e anunciando que faziam parte da “Organização de Nacionalistas Ucranianos” (OUN), liderada por um grande antissemita, Stepan Bandera.
Em 21 de setembro, após serem submetidos a humilhações públicas, foram assassinados dez importantes membros da comunidade judaica.
Em 27 e 28 de setembro, os nazistas colocaram cartazes em russo e ucraniano por toda Kiev, convocando os judeus para o “reassentamento”. Nos dois dias seguintes, véspera de Yom Kipur, uma multidão de judeus, homens, mulheres e crianças, foram levados a Babi Yar, uma ravina nos arredores da cidade. Acreditavam que seriam embarcados em trens para um “reassentamento”. Unidades da polícia ucraniana foram usadas para agrupar e conduzi-los até o local de fuzilamento. O massacre foi realizado em dois dias por uma unidade dos Einsatzgruppen e por um batalhão das Waffen-SS. Foi enviado um relatório: “Em dois dias, 33.771 judeus foram exterminados em Babi Yar e os operadores das metralhadoras foram auxiliados pelos milicianos ucranianos”. Sobre o massacre de Babi Yar, Elie Wiesel escreveu: “Testemunhas oculares disseram que, por meses após os assassinatos, o solo de Babi Yar continuava a esguichar gêiseres de sangue”.
Nos meses seguintes Babi Yar tornou-se um local de execução para prisioneiros soviéticos e “ciganos”. O número de executados no local talvez jamais seja conhecido.
Em março de 1944, à medida que os exércitos alemães iam se retirando frente ao avanço russo, receberam a ordem de destruir as evidências dos assassinatos. Um comando especial foi incumbido de ir aos locais dos massacres para exumar e queimar cadáveres em piras, mas a quantidade de vítimas enterradas em Babi Yar não permitia esse “modus operandi”. Como testemunhou o comandante da macabra operação: “A terra sobre a imensa cova comum foi removida; os corpos foram cobertos com material inflamável e incendiados”.
Quatrocentos judeus e prisioneiros de guerra soviéticos foram levados ao local para executar a horrenda tarefa. Eles sabiam que assim que o trabalho se encerrasse todos seriam mortos. Decidiram então que ao menos um entre eles precisava sobreviver para contar ao mundo o que acontecera. No 3º aniversário do massacre em Babi Yar, 325 dos prisioneiros conseguiram milagrosamente fugir, mas apenas 14 estavam vivos quando o Exército Vermelho entrou em Kiev.
Após a 2ª Guerra Mundial
No final da 2ª Guerra, quando judeus sobreviventes voltaram a Kiev, defrontaram-se com um violento antissemitismo ao tentarem recuperar suas casas e propriedades.
Pelo censo realizado em 1959, viviam em Kiev 154 mil judeus, mas acredita-se que eram mais de 200 mil, e ainda se concentravam nos bairros historicamente judaicos da cidade.
Devido à contínua hostilidade soviética quanto a religião judaica, apenas a sinagoga do bairro de Padol funcionava. Nas festas judaicas, especialmente em Yom Kipur, e no dia do memorial do massacre de Babi Yar, milhares de judeus iam à sinagoga. Inúmeros minianim eram secretamente organizados em residências, mas, quando descobertos, eram fechados e os participantes, presos. Entre 1960-1966 era proibido assar matzot em Pessach e não foram poucos os judeus punidos por assá-las em suas casas.
Sionismo
Na URSS o sionismo era ilegal e, em Kiev, periodicamente as autoridades prendiam os judeus por envolvimento em “atividade sionista”.
Em Kiev a hostilidade antijudaica era mais forte de que outras cidades soviéticas. Em 1952, 1953 e 1956, foram presos, nessa cidade, vários judeus que protestaram contra o antissemitismo e a discriminação antijudaica. Em 1957, quatro sionistas mais velhos foram sentenciados a vários anos de prisão por “atuação sionista”. Um deles, Baruch Mordekhai Weissman, escrevera um diário, em hebraico, sobre os “anos tenebrosos”. Esse diário foi contrabandeado e publicado anonimamente em Israel, em 1957, sob o título To my Brother in the State of Israel.
Na década de 1960, muitos judeus da cidade continuavam engajados em atividade sionista underground, um movimento que ganhou ímpeto no final da década. Contudo, a identidade judaica estava rapidamente em declínio e, em 1959, apenas 13% dos judeus de Kiev reivindicara o iídiche como língua nativa.
Em 1962, durante as campanhas contra os “crimes econômicos” supostamente cometidos por burgueses capitalistas, dois judeus que trabalhavam em uma editora de Kiev, foram condenados à morte. Na época, a imprensa local travou uma acirrada campanha antissemita que culminou, no ano seguinte, com a publicação do livro Judaism Without Embellishment (Judaísmo sem Enfeite, em tradução livre), pela Academia Ucraniana de Ciências. Escrito por T. Kichko, membro da Academia, a obra antissemita falsamente alegava que existia uma conspiração judaica mundial, que os judeus queriam subverter a União Soviética e que tiveram um importante papel na invasão da Alemanha nazista ao país, em 1941.
Apesar disso e das autoridades ucranianas coibirem eventos culturais em iídiche, Kiev continuava sendo o centro dos escritores nesse idioma, muitos dos quais haviam cumprido penas de prisão sob o regime de Stalin. Entre 1960-1970 foram publicadas várias obras em iídiche e traduções das mesmas ao russo e ao ucraniano. Em 1966, um grupo de judeus de Kiev foi a Moscou pleitear, sem resultados, perante o Comitê Central do Partido Comunista, a criação de um teatro iídiche na cidade.
A memória do Holocausto
Os anos do pós-guerra foram caracterizados pelo silêncio oficial soviético em relação ao sofrimento dos judeus durante o Holocausto. As autoridades soviéticas davam ênfase ao mito da “Grande Guerra Patriótica” e aos comunistas mortos, negligenciando completamente o fato da identidade judaica de 1,5 milhão de vítimas. A linha oficial referia-se a eles como os “pacíficos cidadãos soviéticos”.
No início de 1959, a ravina de Babi Yar foi aterrada e transformada em área residencial, apesar dos inúmeros protestos de judeus e não-judeus. Em 1961, uma enchente varreu o local, destruindo casas e afogando várias pessoas. E em fins da década, Babi Yar era um descampado abandonado.
O local tornou-se um símbolo do esquecimento oficial do sofrimento judaico, e do antissemitismo soviético. Por anos, apesar de recorrentes pedidos inclusive por parte de intelectuais soviéticos, as autoridades se recusavam a erguer um monumento em lembrança do massacre. Os sobreviventes judeus que tentavam relembrar o massacre na véspera de Yom Kipur, o Dia do Perdão, eram presos, assim como qualquer judeu que participasse de algum tipo de manifestação em Babi Yar.
Na campanha contra o antissemitismo na então União Soviética, Babi Yar se tornou um símbolo, cristalizado no poema com esse nome do poeta russo Yevgeny Yevtushenko. Nele Yevtushenko faz um apelo para que os terríveis acontecimentos não fossem relegados ao esquecimento.
Após a Guerra dos Seis Dias (1967), ressurge publicamente um sentimento nacional judaico em Kiev. O aniversário de Babi Yar se torna um dia de reunião sombria para os judeus, jovens, em sua maioria, que não apenas se reuniam no local do massacre para dizer o Kadish, a oração pelos mortos, mas para expressar publicamente sua identificação judaica. Mas todas as suas tentativas de discursar eram silenciadas pela polícia. Quando, em 1976, foi erguido um monumento em pedra, na inscrição explicativa não havia menção aos judeus, somente a cidadãos soviéticos.
Independência Ucraniana
Com o início da Era da Glasnost, o Rukh, movimento ucraniano predominante na luta por mudanças, adota uma postura amistosa em relação aos judeus e ao Estado de Israel. Quando, em maio de 1990, o Pamiat, organização de extrema direita russa, atiçou a violência antissemita, o Rukh rechaça esses ataques, convencendo a maioria dos judeus de que o movimento nacional merecia o seu apoio.
A Ucrânia tornou-se oficialmente independente em 1991, com o colapso da então União Soviética. Ao longo dos anos 1990, o país enfrentou uma dura trajetória na transição da economia socialista planificada para uma de livre mercado.
Apesar de a maioria dos judeus de Kiev ter emigrado na década de 1990, a vida judaica vivenciou um ressurgimento comunitário. Foi organizada inicialmente sob a liderança do Rabino Yaakov Dov Bleich, um chassid americano que se tornara rabino-chefe da Ucrânia durante os últimos anos de dominação soviética. Sentia-se, por toda parte, um despertar entre os judeus locais, apesar de seu declínio numérico.
Em 1997, a população judaica na cidade chegava a 110.000 pessoas, representando mais de um terço do total de judeus da Ucrânia.
Primórdios do Século 21
Mais uma vez Kiev se torna o centro da vida religiosa e comunitária
judaica no país. O trabalho do Rabino Yaakov Dov Bleich foi fundamental para a recuperação comunitária da cidade. Foram criadas rede de escolas, sinagogas e instituições culturais. As propriedades comunitárias que haviam sido confiscados pelo regime da URSS foram devolvidas à comunidade e foram reavivadas, como o Museu Tkuma sobre o Holocausto e o Centro de Pesquisa Judaica, em Dnipropetrovsk. A Federação das Comunidades Judaicas Ucranianas foi fundada em 1999, em Kiev.
A Grande Sinagoga Choral, nessa cidade, também conhecida como a Sinagoga Podil, serve de centro comunitário e contém uma ieshivá, um jardim de infância e uma escola, um lar de idosos, um orfanato, além de uma funerária judaica, um centro de assistência social, um restaurante casher e um tribunal rabínico.
Há outras sinagogas em Kiev, como a Galitska e a Rosemberg. O Centro de Cultura e História Judaica é responsável por diversas atividades culturais para a juventude, bem como para o público, em geral. Sob sua direção também está o Museu Judaico da cidade.
A partir de 2014 subiram ao poder, na Ucrânia, forças responsáveis por reposicionar o país, geopoliticamente, afastando-o da Rússia e o aproximando da União Europeia e dos Estados Unidos. Vladimir Putin, presidente da Rússia, considera a “perda geopolítica” uma grande derrota, em suas próprias palavras.
Em Kiev, o movimento antirrusso argumentava defender a democracia e a modernização do país. O mundo judaico, no entanto, olhava com preocupação nacionalistas ucranianos homenagear assassinos antissemitas como Symon Petliura, Stepan Bandera e Yaroslav Stetsko. E, em 2015, foi aprovada uma lei “proibindo insultos a heróis nacionais”, o que incluiu criminosos de guerra. Um relatório anual do governo israelense classificou a Ucrânia como principal foco de antissemitismo na Europa Oriental. Isso, porém, não impediu que Volodymyr Groysman, judeu, fosse eleito, em 2016, primeiro-ministro do país.
Uma pesquisa recente indica uma nova atitude face aos judeus. Em 2017, um estudo da Pew Research apontava que a Ucrânia era o país mais favorável aos judeus entre todos os países da Europa Central e Oriental. De acordo com essa pesquisa, apenas 5% dos ucranianos afirmaram não aceitar os judeus como seus compatriotas. Na vizinha Rússia esse percentual foi de 14%, na Polônia 18% e na Romênia, 22%.
Em 2019, Volodymyr Zelensky, um ator cômico judeu sem experiência política, obteve 73% dos votos e assumiu a presidência da Ucrânia. E dois anos depois, o parlamento aprovou uma lei que declara “banidos do país o antissemitismo e suas manifestações”. A lei evita menção a Israel, mas a Ucrânia é cossignatária da definição de antissemitismo aceita pela IHRA – Aliança Internacional para a Lembrança do Holocausto, que define certas afirmações anti-Israel como antissemitas. Isso faz com que o pretexto para a guerra do presidente russo, Vladimir Putin, de “desnazificar” a Ucrânia soe especialmente falso, para não dizer completamente hipócrita.
Em outubro de 2021, oito décadas após a trágico massacre de Babi Yar, os presidentes da Ucrânia, Israel e Alemanha inauguraram um memorial para as vítimas. Na ocasião, Volodymyr Zelensky descerrou o Mural das Lágrimas de Cristal. Numa área arborizada de 152 hectares, haverá esculturas e estruturas que materializarão a história do lugar. O complexo desse museu estava programado para ficar pronto em 2025.
No fechamento desta edição, Kiev ainda estava sob acirrado bombardeio russo. Sinagogas se tornaram bunkers. Muitos judeus conseguiram deixar a cidade, outros estão refugiados. Há meses Israel está de prontidão para acolhê-los. Não se sabe o que restará da cidade de Kiev e tampouco de sua comunidade judaica.
BIBLIOGRAFIA
Brandon, Ray (Editor), The Shoah in Ukraine: History, Testimony, Memorialization, Indiana University Press.
Levine, Naomi, Jews in Soviet Union
(Vol. 1): A History From 1917 to the Present, NYU Press.