Durante a festa de Pessach é estritamente proibido consumir, utilizar ou mesmo ter em casa chamêts. No entanto, há muitas pessoas que desconhecem o que seja o chamêts, pensando ser apenas pão ou um agente fermentador.
A definição correta de chamêts é a seguinte: qualquer produto alimentar feito a partir destas espécies de grãos: trigo, cevada, centeio, aveia e espelta (ou trigo-vermelho), que tenha entrado em contato com água e que tenha fermentado. Na prática, é considerado chamêts praticamente tudo o que é feito com qualquer desses grãos – à exceção da matsá casher para Pessach. Incluem-se nessa regra farinha (mesmo antes de ter sido misturada com água)1, bolos, biscoitos, massas, pães, cerveja, uísque e vários outros alimentos e bebidas feitos a partir de grãos fermentados.
De acordo com uma opinião que consta no Talmud, determinados outros grãos, como o arroz e o milheto (painço), também podem tornar-se chamêts, mas a Halachá, a Lei Judaica, não segue essa opinião. A proibição de consumo de chamêts em Pessach é especialmente severa, sendo uma violação dessa ordem considerada uma transgressão tão séria quanto comer em Yom Kipur. Sob certos aspectos, é até mais séria do que comer comida não-casher ou misturar carne com leite durante o restante do ano. Por exemplo, de modo geral, se uma pequena quantidade de alimento proibido for misturada, acidentalmente, com mais de 60 vezes o seu volume de alimento casher, o componente não-casher é anulado, tornando, assim, permitido ingerir-se todo o alimento.
Por outro lado, se houver uma quantidade qualquer de produto não chamêts misturada no alimento de Pessach – por menor que sejaessa quantidade – todo o alimento se torna proibido para essa festividade.
Importante, também mencionar que durante Pessach é proibido não apenas consumir chamêts, mas até beneficiar-se do mesmo de alguma maneira. Exemplificando: não se pode alimentar um animal de estimação com algo chamêts, nem vender chamêts, nem sequer usá-lo como combustível para o fogo que traga benefícios à pessoa. Assim sendo, aqueles que possuem animais ou bichinhos de estimação devem alimentá-los com alimentos permitidos em Pessach que, obviamente, não contenham chamêts.
Outra exigência é que nenhum judeu esteja de posse de espécies ou produtos chamêts durante a festividade. Em virtude desse rigor, deve-se ter enorme cautela assegurando-se de que não se está violando tal proibição. Mesmo os rabinos que, em geral, são mais lenientes em seus pareceres, são muitos severos nas questões que envolvem o chamêts durante a festa de Pessach.
Livrando-se do Chamêts
Um dia ou mais antes do início de Pessach, limpamos nossa casa, escritório e qualquer outro lugar que nos pertença de modo a nos livrarmos do chamêts. Ainda que seja digno de louvor aquele que é rigoroso no cumprimento das leis do chamêts, é importante não esquecer que poeira não constitui chamêts. A obrigação de nos livrarmos de tudo o que não é permitido não inclui algo que não seja comestível ou pequenas migalhas que sujam o chão ou mancham os tecidos. O propósito principal de limpeza e busca pelo chamêts é assegurar que, inadvertidamente, ninguém coma ou tire proveito desses alimentos durante a festa de Pessach.
A cozinha deve ser cuidadosamente limpa para garantir que não tenha restado vestígio de alimentos proibidos para a festa. Além disso – e extremamente importante de ser enfatizado – se a pessoa usar suas panelas e utensílios de cozinha de uso diário, não exclusivos da festa, todos eles devem ser “casherizados” para Pessach.
Venda do Chamêts
Seria adequado terminar de comer ou se livrar do que se tem de chamêts em casa antes do início da festividade, mas isso pode ser difícil, na prática, ou, até mesmo, impossível financeiramente. Isto se aplica especialmente a lojas, fábricas e depósitos com grandes estoques de artigos chamêts ou indivíduos que tenham produtos dispendiososproibidos durante a festa de Pessach, como bebidas ou outros. Por isso, a Lei Judaica autoriza a“venda”desses produtos, mediante a qual todo esse chamêts pode ser vendido a um não-judeu pelo período dos oito dias de duração da festividade, sendo automaticamente “recomprados” ao seu término.
Como são tão rígidas as leis referentes a se ter em sua posse, comer e se beneficiar do chamêts com algum propósito, todos os judeus – e até mesmo aqueles que tenham limpado sua casa muito bem, removendo todo o chamêts em seu poder – devem vender o seu chamêts. Isso porque sempre pode haver a possibilidade de que haja alimento não permitido em sua posse sem que a pessoa o saiba.
A venda de chamêts a um não-judeu não é uma venda simbólica, mas uma transação vinculante – e deve ser conduzida por um rabino. E para realizar a venda, é preciso assinar um documento fornecido pelos rabinos para esse fim. Tal documento dá o poder ao rabino de vender a um não-judeu qualquer chamêts que possa ser encontrado no endereço especificado no mesmo. Para aqueles que desconheçam onde fazer a venda, em pessoa, o site da Revista Morashá disponibiliza essa intermediação online.
O chamêts vendido e os utensílios que não forem “casherizados” para Pessach devem ser deixados em um lugar separado para tal fim, como um closet ou armário. Esse local de armazenamento deve ser claramente marcado para que ninguém, por distração ou pela força do hábito, utilize ou retire algo que esteja lá.
Em virtude do rigor na proibição de ter chamêts durante os oito dias de Pessach, nossos Sábios instituíram uma penalidade post facto para quem possuir ou adquirir qualquer produto chamêts durante a festividade – a isto se chama chamêts she’avar alav haPesach – expressão essa que dá nome à proibição. Não se deve consumir nem auferir benefício do chamêts que pertencia a um judeu durante Pessach. Essa é uma das razões pelas quais é tão importante vender os seus produtos proibidos nessa festividade antes de seu início. Se porventura alguém não o fizer e descobrir, durante Pessach, que estava de posse de chamêts, ele terá que ser destruído. Não poderá ser consumido, vendido nem que seja a um não judeu, nem tampouco beneficiar alguém de qualquer maneira que seja.
Eliminação do Chamêts
Na véspera do dia 14 de Nissan – a noite anterior ao Seder – procuramos em nossas casas qualquer vestígio de chamêts que possa ter-nos escapado durante os processos de limpeza explicados acima. Costuma-se colocar 10 pedacinhos de pão bem embrulhados em lugares diferentes da casa. A seguir, faz-se uma busca por esses embrulhinhos usando uma vela, uma pena, uma colher de pau e uma sacola de papel onde se colocará o chamêts encontrado, bem como os 10 embrulhinhos de pão.
Não deve haver interrupção entre a recitação dessa bênção e o início da busca. E durante essa busca, só se deve discutir assuntos relativos à procura pelo chamêts que tenha ficado na casa. Esse processo é tão importante que, para garantir que o realizemos da maneira e na hora certa, é proibido comer e até mesmo estudar a Torá, à noite, até que a busca do chamêts seja concluída.
Anulação do Chamêts
Ao terminar essa busca, recitamos uma “declaração de anulação” mediante a qual renunciamos à posse de qualquer produto chamêts que, porventura e sem que o saibamos, esteja ainda em nossa posse. Essa declaração deve ser feita em um idioma que a pessoa entenda perfeitamente o que diz.
Ao anular esse chamêts que ainda possa estar em nossa propriedade, nós o consideramos nada mais que pó – que não pertence a ninguém. Dessa forma, está cumprida a mitzvá de remover todo o chamêts de nossa posse.
Queima do Chamêts
No dia 14 de Nissan, antes das 10:30 hs, queimamos qualquer chamêts que ainda tenhamos e no qual incluem-se os 10 pedacinhos de pão da busca realizada na noite anterior.
Após queimar o chamêts, recitamos novamente a declaração de sua anulação. Contudo, é importante observar que essa declaração de anulação tem palavras ligeiramente diferentes do que as que recitamos na noite anterior. A razão para a diferença no texto é que a declaração recitada na noite anterior inclui apenas o chamêts que não foi encontrado na busca. Mas não incluiu o chamêts que foi colocado de lado para ser ingerido pela manhã. A declaração de anulação que é pronunciada após a queima inclui todo o chamêts que possa ainda estar em nosso poder, sem que o saibamos. Serve, portanto, como uma “medida” de segurança final.
O que são Kitnyot?
Devido à gravidade da proibição do chamêts, os rabinos ashquenazitas medievais também proibiram o consumo de qualquer dos tipos de kitnyot – traduzidos como leguminosas – durante Pessach pelo fato de que poderiam ser confundidos com os grãos proibidos, e que definitivamente constituem chamêts. É importante enfatizar que as leis das kitnyot só se aplicam às comunidades ashquenazitas – não às sefarditas. Dessas leguminosas fazem parte – entre outras – o arroz, milho, soja, vagens, ervilhas, lentilhas, mostarda, gergelim e sementes de papoula. O veto às kitnyot foi acatado como vinculante pelos judeus de origem ashquenazi.
Há uma nítida diferença entre as leis do chamêts e das kitnyot. Em primeiro lugar, as leis do chamêts provêm da Torá, enquanto o decreto das kitnyot foi de origem rabínica – e somente aplicável aos judeus asquenazitas.
Além disso, as consequências espirituais para quem consciente e propositalmente consome chamêts em Pessach são o karet – corte espiritual, no sentido de exclusão. Mas isso não procede nem se aplica aos judeus ashquenazim que consomem alguma das espécies de kitnyot durante Pessach.
Outro ponto é que diferente do chamêts, não há obrigação de destruir ou vender os tipos de kitnyot que se tenha em casa antes de Pessach, podendo-se usá-las para outros propósitos, como a alimentação de animais de estimação.
Consumindo Matsá em Pessach
Durante os oito dias de Pessach, não se pode comer chamêts. A única maneira de comer qualquer produto feito das cinco espécies de grãos - trigo, cevada, aveia, espelta e centeio - é quando todo o processo de cozimento é realizado de tal maneira que a massa é impedida de crescer e fermentar. Esse alimento, produzido em condições muito específicas e exigentes, é chamado de matsá. Constitui a única forma de “pão” que podemos comer durante a semana de Pessach. A matsá geralmente é feita de farinha de trigo, mas também pode ser produzida a partir dos outros quatro tipos de grãos.
Durante as duas noites do Seder (uma noite apenas, em Eretz Israel) há uma obrigação da Torá de comer matsá. Ao contrário da crença popular, não há obrigação de comê-la no restante de Pessach, mesmo que seja meritório fazê-lo. É importante notar, no entanto, que no Shabat, quando há uma obrigação de comer pão, como a matsá é o único tipo de pão que podemos consumir em Pessach, devemos comê-la durante as refeições desse dia.
Ao comprar matsá para Pessach, deve-se tomar cuidado para que não contenha ingredientes adicionais além de farinha e água. Matzot com sabor, como as com cobertura de chocolate, podem ser consumidas durante a semana da festividade, desde que sejam casher para Pessach, mas não podem ser usadas para cumprir a obrigação de comer matsá durante o Seder. Deve-se notar que a matsá que se come em Pessach deve ter um certificado de cashrut para essa festa, especialmente tendo em vista o fato de que existem empresas que produzem matzot para consumo durante todo o ano, que, obviamente, não são adequadas para Pessach.
Muitas pessoas comem apenas matsá shmurá em Pessach - especialmente durante o Seder. A matsá shmurá é um tipo especial de matsá, assada com farinha de grãos que foram observados desde o momento de sua colheita para garantir que não tenham entrado em contato com água. De acordo com o misticismo judaico, é importante consumir matsá shmurá durante Pessach.
A matsá é o símbolo de Pessach. De fato, um dos nomes utilizados pela Torá para denominar Pessach é “a Festa das Matzot”, Chag ha-Matzot. Para fazer com que a experiência de comer matsá na noite do Seder seja singular, devemos abster-nos de comer matsá por um período antes da chegada da festa. De acordo com todas as opiniões rabínicas, deve-se, no mínimo, abster-se de comer matsá no dia anterior a Pessach.
Simbolismo do Chamêts
Chamêts e matsá contêm os mesmos ingredientes: farinha e água. São, de fato, quase a mesma substância. E ainda assim, durante a festa de Pessach, ordenaram-nos comer matsá durante o Seder – sim, é um mandamento da Torá –, ao passo que estamos rigorosamente proibidos de consumir, possuir ou tirar benefício da menor quantidade de chamêts que seja. A única diferença importante entre matsá e chamêts – uma é uma grande mitzvá, ao passo que a outra, uma séria transgressão – é que o chamêts, por natureza própria,tende a crescer, enquanto a matsá permanece baixa, achatada, humilde.
Chamêts representa o inchaço do ego, que, segundo nossos Sábios, é a raiz de praticamente todo o mal. Um ego inflado geralmente se transforma em um comportamento egoísta, até mesmo cruel. É o inchaço do ego o que escraviza a alma, impedindo seu crescimento e desenvolvimento. Como chamêts representa o ego – o self inflado – uma vez ao ano, durante a festa de Pessach, celebramos nossa libertação da escravidão e nosso nascimento como nação, temos o especial cuidado de erradicar qualquer chamêts que possa estar em nossa propriedade.
Enquanto chamêts simboliza o ego, matsá, achatada, simples, representa humildade, autoanulação e desprendimento – pré-requisitos necessários para o crescimento espiritual e o desenvolvimento moral.
O comer matsá em Pessach, particularmente durante o Seder, ajuda-nos a nos conectarmos com D’us sem que nosso ego interfira. Esta é a razão pela qual o comer matsá em Pessach é tão fundamental para nossa fé. A matsá é a marca par excellence da festa de Pessach, o momento em que celebramos nossa libertação da escravidão.
Contrastando com o chamêts, a matsá nos ensina que somente quando colocamos nosso ego de lado – quando paramos de pensar apenas em nós mesmos e começamos a pensar no outro – somente então podemos alcançar a verdadeira emancipação, liberdade e crescimento em todas as áreas de nossa vida.
1 Tecnicamente, a farinha em si não precisaria ser considerada chamêts. No entanto, a prática comum dita que, antes mesmo de se iniciar o processo de sua trituração, os grãos de trigo são borrifados com água e descansam até que a umidade seja absorvida. Assim sendo, é costume considerar-se a farinha como sendo chamêts.