Inaugurado em 1904 e a principal sinagoga de Roma, O Tempio Maggiore, é uma das mais grandiosas da Europa. Também conhecido como a Grande Sinagoga de Roma, o imponente edifício localiza-se na área do antigo gueto. Possui uma cúpula quadrada, a única com esse formato na cidade, que cobre toda a construção e pode ser vista do outro lado do rio Tibre, que corre por sua face sul.
O edifício é uma das muitas sinagogas majestosas erguidas pelos judeus na Europa pós-emancipação, testemunhando seus esforços para serem aceitos como cidadãos iguais pela sociedade maior, nos inúmeros países onde viviam.
Por sua imponência, mesmo numa cidade como Roma, famosa por seus esplendidos edifícios, o Tempio Maggiore se sobressai por seu eclético estilo arquitetônico, com elementos ao gosto assírio-babilônico, egípcio e greco-romano.
Em 1901, foi colocada a pedra fundamental da sinagoga, 31 anos após a conquista da cidade pelo exército italiano. Em 1870, quando o Papa perdera o controle político e militar dos Estados Pontifícios, Roma havia sido incorporada ao Reino da Itália, tornando-se sua capital.
O Reino havia sido estabelecido em 1861, com a unificação da península italiana, realizada pela Casa de Savóia. Consequentemente, o rei Vítor Emanuel da Sardenha é proclamado rei da nova nação. Na Itália unificada os judeus gozam de plenos direitos civis, em igualdade de situação com os demais habitantes. Assim sendo, tão logo Roma passa a fazer parte do Reino os judeus da cidade são finalmente libertados. Eram os últimos da Europa a serem emancipados, sendo que em 1870 ainda viviam reclusos no gueto, um dos maiores símbolos da opressão cristã, e sujeitos a leis muito severas. Em 1893, Abraham Berliner, teólogo e historiador judeu alemão, mostra-se muito esperançoso acerca do futuro dos judeus de Roma, que, a partir de então, faziam parte de “uma Itália unida e liberta, onde todos os cidadãos têm direitos iguais, sem distinção de fé religiosa, e (… )onde os muros do gueto de Roma desmoronaram ao som das trombetas da liberdade”.
A emancipação dos judeus romanos seguiria o modelo clássico de nacionalização político-cultural que faz do judaísmo uma prática religiosa. No entanto, sua situação econômica e social era pior do que a das outras comunidades italianas.
De acordo com o censo comunitário de 1868, havia 4.995 judeus em Roma, a maioria na miséria e trabalhando em modestíssimas atividades comerciais e artesanais. Depois de séculos de segregação e leis restritivas, eram poucas as famílias abastadas e a comunidade não possuía recursos para fazer frente às necessidades de sua congregação. Por trás das dificuldades financeiras, individuais e comunitárias, escondiam-se inúmeros problemas sociais e religiosos. Entre outros, o fato de não haver, há anos, um rabino-chefe para liderar a comunidade, nem organizações de assistência social. A área do gueto era suja e insalubre, com o perigo constante de alagamentos e desabamentos. Para os judeus, o local simbolizava sua humilhação.
Líderes da comunidade judaica e da administração civil da cidade concordavam sobre a premente necessidade de destruir completamente o gueto e realizar obras de saneamento. As casas às margens do rio Tibre precisavam ser demolidas para terraplanar a área.
O governo municipal planejava iniciar a demolição do gueto em 1873. Mas essa notícia causou angústia e desespero a muitos dos judeus que lá viviam. Era bem verdade que eram livres para se instalar em qualquer lugar da cidade, mas temiam abandonar suas esquálidas e insalubres habitações pois faltavam-lhes recursos para poder morar em outros locais. Líderes comunitários interviram no cronograma das demolições, pedindo tempo hábil para poderem ajudar as quase mil famílias a buscar novas acomodações e a conseguir verbas para a mudança.
Tempio Maggiore
No final do século 19, a demolição do antigo gueto estava em sua etapa final. A área fora dividida em quatro quarteirões, sendo um deles destinado à construção da grande sinagoga de Roma. A concorrência para o projeto de construção foi vencida pelo engenheiro Vincenzo Costa e o arquiteto Osvaldo Armanni.
Na década de 1890 haviam sido realizadas obras às margens do rio, área do gueto sempre atingida pelas inundações periódicas do Tibre. Com isso, possibilitou-se a construção do edifício. As obras se iniciaram em junho de 1901, logo após a colocação da pedra fundamental.
A construção levou três anos e, em julho de 1904, o Tempio Maggiore foi inaugurado. A visita do Rei Vittorio Emanuele III, na manhã de 2 de julho, e as cerimônias da consagração e inauguração da sinagoga, em 27 de julho, são dois momentos importantes na história da comunidade.
Com essa sinagoga monumental, símbolo concreto da emancipação e liberdade, na área do antigo gueto, os judeus de Roma reafirmavam sua identidade judaica e iniciavam um novo período em sua história.
Em setembro de 1943, após o Rei da Itália ter assinado um tratado de paz com os Aliados, os nazistas invadem o norte e o centro do país. À época viviam em Roma cerca de 12 mil judeus. O projeto nazista de exterminar a comunidade judaica começou com a requisição da sinagoga. Os alemães ocuparam Roma durante 9 meses, deportando 1.800 judeus da cidade. Desses, pouquíssimos sobreviveram. Mas, felizmente, 10 mil conseguiram escapar à deportação, escondendo-se pela cidade. As forças americanas libertam Roma em 4 de junho de 1944, tendo os judeus saído de seus esconderijos para participar da cerimônia de libertação, na principal sinagoga de Roma.
Em 1982, a sinagoga é palco de um ataque terrorista, justamente em Shemini Atzeret, dia em que as crianças são abençoadas. Eram exatamente 11h55min do dia 9 de maio quando um grupo de seis pessoas armadas começou a disparar e lançar granadas de mão contra o público que, naquele momento saía do Tempio Maggiore. As imagens de crianças ensanguentadas exibidas pela TV e a mídia, comoveram todo o país, que se perguntava quais
“as verdadeiras responsabilidades” – materiais, políticas e morais – pelo atentado, sem precedentes, contra a Grande Sinagoga, deixando um morto e 34 feridos. A indignação geral em toda a Itália foi enorme. O enterro do pequeno Stefano Gaj Taché, diante de grande público, em tenso silêncio, teve a presença do presidente da Itália, Sandro Pertini.
Em 1986, o Papa João Paulo II visitou a sinagoga e foi recebido pelo Rabino Chefe Elio Toaff, em evento histórico que constituiu importante passo em direção ao diálogo entre Judaísmo e Catolicismo. O passo seguinte foi a visita do Papa Bento XVI ao Rabino Chefe Riccardo Shmuel Di Segni, em 2010.
A Arquitetura da sinagoga
Na ausência de um estilo judaico único, os arquitetos incumbidos de projetar as diferentes sinagogas nos vários países ocidentais, na fase pós-emancipação, criaram novas concepções arquitetônicas, adotando diferentes estilos e motivos decorativos. Ao explicar, em 1904, os estilos escolhidos (assírio-babilônico, egípcio e greco-romano), acima mencionados, Vincenzo Costa e Osvaldo Armanni disseram: “Queríamos que o novo Templo tivesse formas severas e simples, mas que não lhe faltasse uma moderada riqueza, em perfeita harmonia com os demais monumentos da nossa cidade”.
Na fachada podem ser vistas as Tábuas da Lei e uma Menorá. A disposição interna é voltada para o lado oriental, ou seja, para Yerushalaim, como ocorre nas demais sinagogas do mundo.
Em seu interior, tem-se um impacto extraordinário, graças aos vitrais coloridos e à ornamentação nas paredes, em cores brilhantes com motivos geométricos e florais, e à cúpula em alumínio translúcido. Nas paredes acima da Tebá veem-se seis imensas Menorot, inseridas em medalhões, que são acesas durante os serviços religiosos.
A liturgia segue o chamado Rito Italiano, em pronúncia própria. Acredita-se este seja mais parecido ao original usado no Templo Sagrado, em Jerusalém, quando de sua destruição em 70 E.C., e diferente dos ritos asquenazita e sefardita.
A linha religiosa da sinagoga é ortodoxa, portanto as mulheres sentam-se separado dos homens, no andar superior, em vários matroneos1. O arranjo dos assentos masculinos e o posicionamento da Tebá (ou Bimá, para os ashquenazim) e do Aron haKodesh (Armário Sagrado) não são os tradicionais, mas são o tipo de disposição comum nas sinagogas do período de emancipação judaica.
Alguns dos objetos e adornos das Cinque Scole2 – cinco sinagogas que, no gueto, tiveram que ser agrupadas em um único local, na praça – demolidas em 1908, estão hoje no Tempio Maggiore: os dois assentos de mármore na Bimá e as duas Arcas para os rolos da Torá, nas laterais, são um belíssimo trabalho em mármore policromático dos séculos 16 e 17.
A decoração pictórica do interior ficou a cargo de dois famosos artistas, Domenico Bruschi, incumbido de idealizar os desenhos, e Annibale Brugnoli, responsável pela escolha das cores. Não há cenas figurativas em respeito à proibição bíblica. De acordo com os artistas, a escolha dos elementos decorativos reflete os ensinamentos ecléticos do Museu de Arte Industrial. As paredes lembram tapeçarias e, os tetos, céus estrelados. Os dourados aplicados às paredes são de tonalidades diferentes, dando a impressão de serem banhados pelos raios solares. A técnica utilizada na decoração das paredes permitiu que as cores vivas se mantivessem inalteradas ao longo do tempo.
O interior da cúpula quadrada é dividido em sete partes coloridas, sendo decoradas, em sua base, por grandes palmas e cedros. A superfície inteira foi pintada sobre alumínio, uma técnica especial que torna a pintura mais brilhante, dando a impressão de transparência.
O complexo também abriga os escritórios da Comunidade Judaica de Roma, o escritório do Rabinato, a mikvê (banho ritual), a Sinagoga Espanhola, o Arquivo Histórico Judaico e o Museu Judaico de Roma.
A SINAGOGA ESPANHOLA
O rito sefardi ou espanhol é praticado em Roma desde a chegada do grande número de judeus expulsos da Espanha, em 1492. Após a demolição das Scole Catalana e Castigliana, a liturgia foi agrupada e preservada conjuntamente em uma sinagoga, fundada em 1908-1910 em um edifício comunitário no Lungotevere Sanzio, hoje não existente. Em 1932, transferiu-se a Sinagoga Espanhola para a sua atual localização, no monumental Tempio Maggiore, e, em 1948, a sinagoga foi decorada com os móveis em mármore originalmente feitos para o complexo das Cinque Scole2, dando à essa casa de oração a magnificência e atmosfera íntima das sinagogas do velho gueto.
1 Matroneo – Em arquitetura, nome dado à galeria superior onde sentam-se as mulheres. Daí o nome, derivado de ‘matrona’, senhora.
2 Cinque Scole – Durante séculos, em Roma, cada comunidade tinha o direito de ter sua própria sinagoga. Ao serem confinados ao gueto, os judeus se viram obrigados pelas novas leis papais a ter apenas uma sinagoga. Por isso agruparam as cinco existentes (o Templo, a Nova, a Castelhana, a Catalã e a Siciliana) em uma única.