Fantasma a rondar novamente a Europa, sobretudo nos últimos anos, o antissemitismo encontrou mais um ambiente para brotar: a liderança do Partido Trabalhista britânico. Jeremy Corbyn, a dirigir a oposição desde 2015, destila preconceitos, enfrenta críticas de setores de sua agremiação e da mídia, e joga luzes sobre um fenômeno em expansão: visões antissemitas em grupos de esquerda.
Em abril, Rabi Lord Jonathan Sacks, que foi rabino-chefe do Reino Unido de 1991 a 2013, falou sobre o ressurgimento do antissemitismo em solo europeu. “Ocorre devido à ascensão de extremismo político à direita e à esquerda e devido a políticas populistas, que manipulam os temores das pessoas, buscando bodes expiatórios a serem responsabilizados pelos problemas sociais”, comentou Sacks em um programa de rádio da BBC. “Ao longo de mil anos, os judeus foram atingidos por serem uma minoria e porque eram diferentes, mas é a diferença que nos faz humanos. Uma sociedade que não oferece espaço à diferença, não oferece espaço à humanidade”.
O discurso do rabino Sacks se somou a uma avalanche de críticas à liderança e militantes do Partido Trabalhista. Em novembro do ano passado, três dos mais prestigiosos escritores britânicos publicaram uma carta no The Times, condenando atitudes racistas de integrantes da oposição britânica. Escreveram Simon Sebag Montefiore, Simon Schama e Howard Jacobson: “Estamos alarmados pelo fato de, nos últimos anos, críticas construtivas a governos israelenses se terem transformado em algo mais próximo ao antissemitismo, sob o manto do chamado antissionismo”. Os intelectuais prosseguiram: “Embora os antissionistas busquem se dizer livres de intenções antissemitas, o antissionismo frequentemente recorre às calúnias do clássico ódio ao judeu”.
Na missiva, Montefiore, Schama e Jacobson apontaram: “Acusações da conspiração judaica internacional e de controle da mídia ressurgiram para alicerçar as falsas comparações de sionismo com colonialismo e imperialismo”. A observação corresponde a uma precisa radiografia de posições disseminadas por integrantes de grupos esquerdistas, como a liderança de Jeremy Corbyn no Partido Trabalhista.
Corbyn, embora se defina como um “socialista democrático”, não vê problemas em se aproximar do regime teocrático iraniano ou em elogiar os fundamentalistas do Hamas ou do Hezbolá. Em 2012, apoiou Raed Salah, líder islâmico em Israel, conhecido por seus discursos antissemitas.
Quatro anos atrás, Corbyn esteve numa cerimônia na Tunísia para homenagear, com coroa de flores, terroristas responsáveis pelo assassinato de atletas israelenses na Olimpíada de Munique, em 1972. “Imagine se um político israelense colocasse flores no túmulo de assassinos que mataram pessoas em Londres ou na Inglaterra – como o povo britânico aceitaria isso?”, declarou Ankie Spitzer, cujo marido foi morto no atentado ocorrido na Alemanha.
Recentemente, um blogueiro britânico postou vídeo de uma entrevista de Jeremy Corbyn ao canal iraniano PressTV, realizada em 2011, quando o político britânico afirmou que a BBC demonstra um viés “ao dizer que Israel tem o direito de existir”.
Especialista em assuntos ligados ao trabalhismo, o jornalista britânico Stephen Bush escreveu, em agosto, texto no The New York Times, sob o título “Por que o escândalo de antissemitismo no Partido Trabalhista não vai desaparecer? ” e argumentou: “A acusação contra Corbyn é que ele permaneceu tanto tempo nos extremos do movimento pró-palestino que se tornou incapaz de diferenciar, quando a ouve, uma crítica legítima a Israel do discurso de ódio contra judeus britânicos. Adicione-se ao problema o fato de alguns dos mais vocais apoiadores de Corbyn em redes sociais (...) frequentemente repetirem falas antissemitas”.
Um dos maiores escândalos foi protagonizado por Ken Livingstone, prefeito de Londres entre 2000 e 2008. O político, conhecido por suas posições extremadas à esquerda, chegou a disparar, numa entrevista inaceitável e estapafúrdia, que Adolf Hitler havia apoiado o sionismo. Em 2016, foi suspenso por dois anos do Partido Trabalhista e, em maio deste ano, pediu desligamento do vínculo partidário.
No trabalhismo britânico, vozes pedem agora a saída de Corbyn da liderança. A deputada Margaret Hodge, numa reunião do partido, declarou a Corbyn: “ (O problema) não é o que você diz, mas o que você faz, e por suas ações você já demonstrou ser um racista antissemita”.
As principais lideranças judaicas do Reino Unido, em março, também se posicionaram, ao lançar uma carta aberta, e apontaram o fato de Corbyn se encontrar “repetidas vezes ao lado de pessoas com visões descaradamente antissemitas, mas argumenta jamais ouvi-las ou lê-las”. O texto acrescentou: “De forma recorrente, Jeremy Corbyn fica ao lado dos antissemitas, em vez de se posicionar ao lado dos judeus”.
Numa tentativa de aplacar a pressão e as críticas, a liderança do Partido Trabalhista aceitou endossar a definição de antissemitismo da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto, organização criada em 1998 por Goran Persson, ex-premiê da Suécia. A AIMH, se transformou numa referência internacional no trabalho voltado à educação e combate ao racismo.
No entanto, a direção do Partido Trabalhista gerou novo capítulo na crise ao rejeitar, até agosto, quatro dos 11 artigos da definição de antissemitismo feita pela entidade baseada em Berlim. Wes Streeting, deputado e co-presidente do grupo parlamentar suprapartidário dos judeus britânicos, declarou sobre as restrições: “A decisão da executiva nacional do Partido Trabalhista e a mensagem enviada à comunidade judaica britânica é totalmente desprezível. O dano a ser imposto em nossa credibilidade como partido político antirracista é responsabilidade da liderança. E apenas dela”.
Em sua fala recente à rádio BBC, o rabino Jonathan Sacks observou: “Venho fazendo o programa Pensamento para o Dia há trinta anos, mas jamais pensei que, em 2018, eu teria ainda que falar sobre antissemitismo”. No final, o rabino fez um alerta: “Onde houver ódio, a liberdade morre, e é por isso que cada um de nós, especialmente nós, líderes, precisamos agir contra o poder corrosivo do ódio”.
Jaime Spitzcovsky foi editor internacional e correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim