O principal mandamento da festa de Rosh Hashaná, Ano Novo Judaico, é ouvir os toques do Shofar. Trata-se de um mandamento bíblico. Todas as demais leis e costumes de Rosh Hashaná, como as refeições festivas, as maçãs imersas no mel e, mesmo as orações, têm importância secundária. Em Rosh Hashaná, a prioridade para todos os judeus deve ser ouvir os toques do Shofar.

A Torá não nos explica por que devemos ouvir o Shofar em Rosh Hashaná, primeiro dia do mês de Tishrei. Todos os mandamentos da Torá estão acima da razão humana. Têm origem Divina, são produto da vontade e sabedoria Divinas e, assim como D’us é infinito e insondável, também o são Suas Leis. Cumprimos os mandamentos da Torá, como ouvir o Shofar em Rosh Hashaná, pela simples razão de que D’us nos ordenou fazê-lo. Contudo, a Torá nos estimula a investigar o significado de seus mandamentos. Nossos Sábios revelaram algumas das razões pelas quais a Torá nos ordena ouvir os toques do Shofar em Rosh Hashaná.

A Coroação do Rei

Rosh Hashaná é o aniversário da humanidade. Celebra o sexto dia da Criação, Yom HaShishi – dia em que D’us criou Adão e Eva. Em nossas orações, nos referimos a Rosh Hashaná como o início da Criação porque o mundo apenas se tornou relevante no dia em que o homem nasceu. O ser humano é o ponto alto da Criação; e, para ele, D’us criou o mundo. Se o homem parasse de cumprir o propósito para o qual foi criado, o mundo deixaria de existir.

É em Rosh Hashaná que D’us decide se os seres humanos estão cumprindo seu propósito neste mundo e se Ele ainda está interessado em ser seu Rei. Se D’us decidisse ter perdido o interesse em ser Melech HaOlam – Rei do Mundo –, o universo e tudo o que nele há reverteria ao nada – como tudo era, antes da Criação.

A decisão Divina depende de nós. É o homem, e principalmente o Povo Judeu, quem deve tentar convencer a D’us que é válido que Ele continue a manter o mundo. Vale lembrar que nosso relacionamento com D’us é unilateral: somos totalmente dependentes d’Ele, ao passo que Ele não depende de ninguém nem de nada. Em Rosh Hashaná, o Povo Judeu se aproxima de D’us, pedindo-Lhe que continue sendo nosso Rei e Rei de todo o universo. E o destino do mundo depende de Sua concordância.

Quando um rei é coroado, soam as trombetas. Em Rosh Hashaná, tocamos o Shofar para anunciar o ininterrupto reino de D’us. Seus toques indicam que estamos coroando D’us como nosso Rei.

Já deve estar claro por que razão ouvir o toque do Shofar é o principal mandamento de Rosh Hashaná. Se não proclamamos a coroação do Rei – se não conseguimos levar D’us a continuar em seu papel de Senhor do Universo –, o mundo não existiria além de Rosh Hashaná. Nessa festividade, desejamos uns aos outros um ano bom e doce, mas isso não teria nenhum valor se não houvesse um novo ano por vir. Em Rosh Hashaná, pedimos que D’us nos inscreva no Livro da Vida, mas nossa principal preocupação deveria ser se Ele concordará em continuar sendo nosso Rei.

A ideia de um rei pode parecer infantil e anacrônica. Pensamos nos reis como seres gananciosos, loucos pelo poder, déspotas cruéis. No entanto, na tradição judaica, como ensina Maimônides, o rei é um servo do povo, cuja única preocupação é fazer esse povo viver em paz e harmonia. Suas leis e decretos apenas visam ao bem de seu povo, não ao seu próprio (Maimônides, Leis dos Reis, 2:6).

Tocamos o Shofar em Rosh Hashaná para coroar D’us como Rei: para dar as boas-vindas a Seu Reinado sobre nós e sobre o mundo todo.

Despertador Divino

Maimônides, o maior dos filósofos judeus, ensina que o Shofar é o despertador de D’us, que nos deve despertar do “sono apático” em que vivemos grande parte de nossa vida. Ele explica que geralmente desperdiçamos nosso tempo com coisas que “nem nos ajudam nem nos salvam”. Desperdiçamos nosso tempo, apesar de esse ser o maior presente Divino para nós.

O Rebe de Lubavitch disse: “Dizem que tempo é dinheiro. Eu digo que tempo é vida”. Tempo é, de fato, vida, e, diferentemente do dinheiro, não se ganha de volta o tempo perdido. São tantas as coisas extraordinárias que a pessoa pode fazer … mas o dia tem apenas 24 horas, a semana sete dias, e um número de anos que é muito curto, ainda que se viva mais de 100 anos...

Ouvimos o toque do Shofar em Rosh Hashaná, o primeiro dia do ano judaico, que também é o primeiro dos Dez Dias de Teshuvá, para despertar-nos de nossa apatia. O Shofar é o recurso Divino que nos conclama a examinar nossos atos e repensar a maneira como passamos nosso tempo para que não nos arrependamos de como vivemos quando já for muito tarde.

O Talmud nos ensina: “Quando o julgamento vem de baixo, não há necessidade de julgamento do Alto”. Isso significa que se despertarmos, não haverá necessidade de que D’us nos desperte. Todos precisamos fazer uma avaliação honesta para saber se estamos aproveitando a vida ao máximo. O toque do Shofar em Rosh Hashaná deve fazer-nos recordar as palavras atemporais do Pirkei Avot: “Rabi Tarfon disse, ‘O dia é curto, o trabalho grande, os trabalhadores preguiçosos, a recompensa grande e o Mestre de tudo nos apressa’” (Avot 2:20)

O Shofar no Monte Sinai

O evento mais grandioso na história humana foi a Revelação Divina no Monte Sinai – única instância em que D’us Se revelou explicitamente a um número muito grande de pessoas reunidas. D’us se apresentou perante toda a geração de judeus que deixaram o Egito – 600.000 homens com suas famílias –, proclamou os Dez Mandamentos e iniciou o processo de transmissão da Torá a Moshé.

Conta-nos a Torá que um toque muito alto de Shofar se fez ouvir no Monte Sinai quando D’us Se revelou ao Povo Judeu. Recitamos as seguintes palavras durante a oração de Mussaf, em Rosh Hashaná: “E no terceiro dia, ao raiar a manhã, houve trovões e relâmpagos, e uma pesada nuvem estava sobre o monte e um som de Shofar muito forte; e todo o povo que estava no acampamento estremeceu” (Êxodo 19:16).

Em Rosh Hashaná, tocamos o Shofar para recordar o evento mais extraordinário na história humana, quando a existência Divina se fez conhecer, tornando-se fato histórico e não mais dependendo da fé pessoal. O toque do Shofar lembra-nos que devemos nos dedicar à Torá – a seu estudo e ao cumprimento de seus mandamentos. O poderoso som do Shofar serve, também, para nos defender perante o Trono Celestial, recordando o vínculo eterno forjado por D’us com Seu povo, no Monte Sinai.

Profecia

O Shofar relembra a voz de nossos Profetas, que exortava nossos antepassados para que corrigissem seus caminhos, seguindo os mandamentos Divinos e tendo comportamento exemplar perante seus semelhantes.

Há milênios, o Povo Judeu teve muitos profetas que transmitiam o que D’us esperava deles, lembrando-lhes que deviam aperfeiçoar seu modo de vida. Hoje, já não temos profetas, mas o toque do Shofar deve sacudir nossa alma, forçando-nos a reexaminar nossa vida, corrigir nossos erros e melhorar, ainda mais, o que está certo.

O pranto soluçante de um coração judeu

São dois, basicamente, os sons do Shofar. Tekiá é o som longo e Teruá uma série de sons curtos em staccato. Em Rosh Hashaná, ouvimos ambos, mas Teruá constitui a maioria dos toques. O Talmud explica, no Tratado de Rosh Hashaná, que o toque de Teruá é o som do choro.

Em Rosh Hashaná, muitos olham para o ano que terminou e percebem que não conseguiram viver a vida em todo o seu potencial. Desperdiçaram tempo e oportunidades. Isso os faz soluçar – é seu coração quem chora. Ensinam os cabalistas que os sons chorosos do Shofar simbolizam o pranto soluçante de um coração judeu que anseia por se conectar, crescer e se realizar (Tikunei Zohar – 20-21, 49a).

O Rei David escreveu em seus Salmos: “…Os que ora semeiam em lágrimas, hão de chegar à colheita com alegria” (Salmo 126). Devemos traduzir o choro do Shofar em ações significativas no ano que se inicia, para que nosso pranto se transforme em júbilo.

O sacrifício de Yitzhak

O Shofar é feito do chifre de um carneiro. Este foi o animal que Avraham sacrificou em lugar de seu filho, Yitzhak, no famoso episódio da Torá conhecido como Akedat Yitzhak.

O Sacrifício de Yitzhak é um dos temas principais de Rosh Hashaná. Lemos essa passagem da Torá no segundo dia da festa e tocamos o Shofar, chifre de um carneiro, para recordar D’us da devoção sem paralelo e do autossacrifício dos dois primeiros Patriarcas do Povo Judeu, Avraham e Yitzhak.

O Sacrifício de Yitzhak é relevante para Rosh Hashaná por outra razão. Avraham, segundo nossos Sábios, era o paradigma da bondade e compaixão. De acordo com a Cabalá, ele personifica a Sefirá de Chessed – bondade, generosidade e amor. Pedir a um pai que sacrifique seu próprio filho, mesmo se o pedido vem do Todo Poderoso, é o mais difícil dos pedidos – para qualquer pai, mas especialmente para Avraham, personificação da bondade. Contudo, Avraham teve forças para reprimir seu sentimento de compaixão e amor a fim de cumprir a Vontade de D’us.

Em Rosh Hashaná, quando D’us está no Trono Celestial do Julgamento, tocamos o Shofar para recordar o Sacrifício de Yitzhak e, dessa forma, fazer chegar ao Juiz Supremo que: “Se Avraham, simples ser humano mortal, pôde reprimir sua emoção para cumprir a Tua Vontade, Tu, também, o Onipotente, podes reprimir Tuas emoções, caso sejam de ira”. Recitamos durante o Mussaf de Rosh Hashaná: “Lembra-te, em nosso benefício, ó D’us Eterno, o pacto, a bondade e a promessa que fizeste a Avraham, nosso Patriarca, no Monte Moriá; deixa aparecer diante de Ti a Akedá, quando Avraham, nosso Patriarca, amarrou seu filho Yitzhak sobre o altar e reprimiu sua compaixão a fim de cumprir Tua Vontade, com um coração puro e conformado. Que assim possa a Tua compaixão reprimir Tua ira contra nós, e em Tua infinita bondade, deixes tua severa ira contra Teu povo se desfazer…”.   

A Infinitude Divina

O som do Shofar tem poder indescritível. Em Rosh Hashaná, seus sons nos preenchem de reverência e humildade ao contemplar a infinitude do Rei que neste dia tem Sua coroação.

Infinitude é um conceito que nós, seres humanos, não conseguimos entender, totalmente – pois somos criaturas finitas, em um mundo finito. Empregamos o conceito de infinito em Matemática, mas raramente paramos para pensar em suas implicações.

A Matemática nos ensina que comparado ao infinito todos os tamanhos e medidas são iguais. Comparados ao infinito, não há diferença entre o grande e o pequeno. Isso significa que para um D’us Infinito, não existe o mais e o menos importante: tudo é igualmente importante – o que explica por que o Judaísmo nos ensina que cada detalhe da Criação, inclusive nossa vida pessoal, tem tanta relevância para o Altíssimo.

Ser Infinito não significa apenas que D’us é Todo Poderoso. Significa, também, que Ele está em toda parte, sempre, e está ciente de tudo, mesmo de cada um de nossos pensamentos, palavras e atos.

Uma das razões para o Shofar nos encher de reverência é o fato de nos fazer lembrar que D’us Infinito nos observa, a todo instante. Como nos diz o Pirkei Avot: “Mantém teu olhar sobre estas três coisas e não pecarás: Conhece o que está acima de ti: um Olho que tudo vê e um Ouvido que tudo escuta, e todas as tuas ações estão gravadas em um livro” (Avot 2:1).

Anunciando a chegada do Mashiach

O som do Shofar transmite muitas mensagens, uma das quais é a liberdade.

Quando chegar o Mashiach, ensinam nossos Sábios, o Shofar anunciará sua chegada. A Era Messiânica será um tempo de paz e liberdade para todos os seres humanos. Quando o Mashiach estiver entre nós, a humanidade estará livre de qualquer forma de escravidão e opressão – livre de sofrimento, guerras, pobreza, doenças e, até mesmo, da morte.

Durante o Mussaf de Rosh Hashaná, recitamos as seguintes palavras do profeta Isaías: “Ó vós, todos os habitantes do mundo, todos os residentes da Terra: quando nas montanhas for erguido um estandarte (da reunião de Israel), todos o vereis; e quando soar o toque do Shofar, o ouvireis. E nesse dia será tocado um grande Shofar, que atrairá os que se perderam na terra da Assíria e os que foram dispersos pela terra do Egito, e virão adorar o Eterno no sagrado monte de Jerusalém” (Isaías 18-3; 27:13).

Rosh Hashaná celebra o nascimento da humanidade. No mesmo dia em que nascia o homem, ele transgrediu a Vontade Divina e D’us o baniu do Jardim do Éden. Seu pecado trouxe morte e toda forma de sofrimento ao mundo.

O propósito da humanidade, especialmente do Povo Judeu, é retificar o pecado de Adão e Eva, para que o mundo volte a ser o Jardim do Éden. É esse o significado da Era Messiânica. Em Rosh Hashaná, tocamos o Shofar não apenas para compelir D’us a renovar o mundo por mais um ano, mas para lhe trazer redenção e salvação.

BIBLIOGRAFIA

Lightstone, Mordechai - 11 Reasons Why We Blow the Shofar on Rosh Hashanah

https://www.chabad.org/library/article_cdo/aid/2311995/jewish/11-Reasons-Why-We-Blow-the-Shofar-on-Rosh-Hashanah.htm

Simmons, Rabbi Shraga. Symbolism of the Shofar

http://www.aish.com/h/hh/rh/shofar/Shofar_Symbolism.html