Mohammad Bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita de 32 anos, ao iniciar mudanças em um país marcado por profundo conservadorismo, sinaliza disposição para implementar uma direção nova: aproximar o reino árabe de Israel, após décadas de conflitos e tensões. Líder de uma nova geração a chegar ao poder, MBS, como é conhecido, não esconde ver no Estado judeu um potencial parceiro econômico e importante aliado para conter ambições expansionistas do Irã, inimigo comum de sauditas e israelenses.
Nomeado príncipe herdeiro em junho do ano passado, MBS já acumula os cargos de vice premiê, ministro da Defesa e presidente do Conselho de Assuntos Econômicos e de Desenvolvimento. Desponta como patrocinador do Visão 2030, projeto de modernização da economia saudita e, após enfrentar adversários na luta pela sucessão do trono, já se torna figura-chave na decisão dos rumos do país, ainda governado pelo rei Salman, 82.
Um dos regimes mais conservadores do planeta, a monarquia começou, sob influência do jovem líder, a implementar mudanças como permitir às mulheres dirigir ou reabrir cinemas e teatros, banidos após os anos 1970. Em entrevista ao jornal britânico “The Guardian”, MBS afirmou desejar ver seu país “de volta a um islamismo moderado”, depois de ondas fundamentalistas das últimas décadas.
O herdeiro aponta a revolução iraniana como responsável por provocar, na Arábia Saudita, uma reação conservadora. Em 1979, os aiatolás lideraram o movimento responsável por derrubar o xá Reza Pahlevi e instalaram em Teerã uma teocracia muçulmana. O Irã é um país de maioria xiita, enquanto os sauditas são majoritariamente sunitas.
No poder, os aiatolás passaram a pregar a exportação de sua revolução no mundo e iniciaram busca pela liderança no mundo islâmico, reaquecendo a histórica rivalidade com a Arábia Saudita. Na lógica de MBS, sob pressão da ameaça iraniana, clérigos de seu país se fortaleceram e aprofundaram as raízes conservadoras da monarquia.
As pretensões expansionistas do Irã, reforçadas pelo programa nuclear, aproximaram sauditas e israelenses, preocupados com a ameaça do inimigo comum. Os contatos, no entanto, ainda permanecem informais e, muitas vezes, sob uma cortina de segredo. Arábia Saudita e Israel não mantêm relações diplomáticas, o que naturalmente impede explicitar a construção do diálogo.
Mas se multiplicam os sinais sobre as mudanças imaginadas por MBS. Em 2016, um general aposentado do exército saudita, Anwar Eshki, visitou Israel, chefiando uma delegação de acadêmicos e empresários. Foi recebido pelo diretor-geral da chancelaria israelense, Dore Gold, e por diversos parlamentares, na Knesset.
Outros tabus caíram. Recentemente, a Arábia Saudita permitiu à Air India voar até Israel cruzando seu espaço aéreo. História também se fez em maio do ano passado, quando o Air Force, avião presidencial norte-americano, levou Donald Trump de Riad a Tel Aviv, no primeiro voo direto entre os dois países do Oriente Médio.
A eleição do candidato republicano à Casa Branca contribuiu para impulsionar a aproximação israelo-saudita. Trump, há tempos, cultiva relações com Israel, no plano familiar e de negócios, assim como com países árabes do golfo Pérsico, com importantes contatos no mundo empresarial. Não foi por acaso que, em sua primeira viagem ao exterior após assumir a presidência, Trump escolheu Riad e Jerusalém como destinos iniciais.
Jared Kushner, genro do presidente, mantém intenso diálogo com MBS. Em março, o príncipe herdeiro embarcou num tour pelos EUA e, em claro processo de construção de imagem modernizadora, reuniu-se com personalidades dos mais diversos setores da sociedade norte-americana. Conversou com Bill Gates e Jeff Bezos, visitou as universidades Harvard e MIT, debateu com investidores em Wall Street e reservou tempo para celebridades como Michael Douglas e Oprah Winfrey.
A ofensiva incluiu várias entrevistas à mídia norte-americana. A conversa com a “The Atlantic”, conduzida por Jeffrey Goldberg, gerou ruidosa repercussão. Ao lhe perguntarem se o povo judeu tem o direito a um Estado-nação em pelo menos parte de sua terra ancestral, MBS respondeu: “Creio que cada povo, em qualquer lugar, tem o direito de viver pacificamente em sua nação. Eu acredito que palestinos e israelenses têm o direito de ter sua própria terra”.
Na entrevista, o príncipe herdeiro reiterou também orientações tradicionais da política externa do seu país e enfatizou a importância de uma negociação entre israelenses e palestinos. “Temos de contar com um acordo de paz para assegurar a estabilidade para todos e para termos relações normais”, acrescentou o líder saudita.
MBS, segundo relatos, teria demonstrado pressa na obtenção de um acordo de paz e impaciência com a liderança palestina. O canal 10 de tv israelense reportou, sustentando ter confirmado com várias fontes, que o príncipe, em encontro com representantes da comunidade judaica em Nova York, criticou líderes palestinos por haverem rejeitado propostas de paz ao longo de décadas. A reportagem afirmou que MBS chegou a dizer que os seguidores de Mahmoud Abbas devem “começar a aceitar propostas de paz ou se calar”.
A aproximação saudita com Israel não vem apoiada apenas no enfrentamento das ambições regionais iranianas, mas também em lógica econômica. MBS, ao assumir o trono, herda uma riqueza baseada sobretudo no petróleo, cuja importância vai-se reduzir nas próximas décadas, com o inevitável avanço na exploração de fontes de energia renováveis e menos poluentes. A Arábia Saudita, portanto, avalia ser inevitável, no médio e longo prazo, modernizar sua economia e diminuir a dependência da indústria petrolífera, como já fazem, há anos, pequenos países vizinhos, como Emirados Árabes Unidos e Catar, empenhados em usar suas polpudas reservas para expandir a atividade econômica em setores de serviços, como finanças, turismo e tecnologia.
No cenário desafiador do século 21, MBS calcula que Israel pode ser importante aliado na modernização econômica, por exemplo, como fornecedor de tecnologia. A visão do príncipe herdeiro, no entanto, encontra resistências nos setores mais conservadores da sociedade saudita e até mesmo o rei Salman, em várias declarações, repete duras críticas a Israel, reverberando posições a prevalecer durante décadas.
Mas, se enfrenta resistências no plano doméstico e também externo, MBS cultiva aliados em sua pregação reformista. Outro importante líder árabe e sunita, o Egito, também sabe da necessidade de modernizar sua economia e gerar postos de trabalho, a fim de enfrentar o desemprego entre jovens, diminuir as chances de turbulências sociais e impedir movimentos como o responsável, em 2011, por derrubar o presidente Hosni Mubarak.
MBS e o presidente egípcio, Abdel el-Sisi, costuram uma nova fase na relação entre os dois países. Após reunir-se com enviados do reino árabe, o deputado israelense Issawi Frej, de origem árabe, declarou: “Os sauditas querem uma abertura em relação a Israel”. Continuou Frej: “É um movimento estratégico para eles. Desejam continuar o que Anuar Sadat começou. Querem se aproximar de Israel e pudemos sentir isso claramente”.
Jaime Spitzcovsky foi editor internacional e correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim