A captura da Cidade Velha de Jerusalém, em 1967, foi, para todos os judeus, uma catarse emocional que é comparável e, em certos aspectos, até superior ao estabelecimento do Estado de Israel, em 1948. Sua reconquista foi um capítulo à parte na história da Guerra dos Seis Dias, o mais importante.

Durante dois milênios, o Povo Judeu pediu diariamente em suas orações que Jerusalém e seu ponto central espiritual, o Monte do Templo, voltassem às nossas mãos.“Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém...” escreveu o profeta Yirmiyáhu durante o exilio na Babilônia.O Povo Judeu nunca se esqueceu de sua capital eterna. A cidade de David sempre foi o foco do anseio de nosso povo da volta à Terra de Israel. O próprio termo “sionismo” advém da palavra “Tsion”, que é um dos nomes da cidade sagrada de Jerusalém.

No dia 7 de junho, apenas 48 horas após o início da Guerra dos Seis Dias, o sonho há muito acalentado se concretizou tão rápida quanto inesperadamente. Uma mensagem percorreu toda Israel: “Har Habait Beiadeinu” - o Monte do Templo está em nossas mãos!”. Naquele dia, o som do Shofar tocado ao pé do Kotel anunciava ao mundo que os Filhos de Israel haviam voltado para seu Muro. Jerusalém, o coração e alma de Eretz Israel e do Povo de Israel, finalmente reunificada, é a capital política do moderno Estado de Israel.

A reconquista foi uma luta árdua, muitos sacrificaram sua vida, outros tantos foram feridos, mas o heroísmo dos jovens soldados será lembrado por gerações. Elie Wiesel, testemunha ocular da tomada de Jerusalém, escreveu: “O combate ainda perdurava em várias frentes... mas isso não impediu que as pessoas, num êxtase místico, acorressem em direção à Cidade Velha, que estivera inacessível a todos os judeus durante o domínio jordaniano... sobreviventes de todo tipo de inferno, rostos de todo tipo de destino - vi-os correndo, ofegantes... para tocar o Muro. E lá chegando, incrédulos e estupefatos, como crianças que temem o despertar por não querer o fim do sonho, detêm-se, de súbito. Eis que se ouve um choro convulsivo, preces sendo entoadas, enquanto outros dançam, dando vazão à emoção. O país inteiro dançou. A história judaica dançou. Explodindo de júbilo e gratidão pelo privilégio de testemunhar aquele momento, pensei: ‘É isto, Jerusalém, o lugar que atrai e irmana todos os judeus, a verdadeira cidade da saudade e promessa eternas’”.

Em compasso de espera

Em junho de 1967, mesmo quando Israel percebeu que não haveria como evitar um novo conflito contra o Egito e seus aliados, a reconquista de Jerusalém Oriental não estava entres os planos que traçaram. Moshé Dayan, então ministro da Defesa, e o Comando Supremo das Forças de Defesa de Israel (FDI) sabiam que para ganhar a guerra deviam, antes de tudo, derrotar o Egito e concentrar a maior parte de suas forças na frente egípcia. Dayan ordenara aos comandantes  do Exército não se envolver em “ações militares que pudessem complicar a posição de Israel diante da Jordânia”.

No dia 5 de junho, 45 minutos após os aviões israelenses iniciarem o ataque às bases egípcias, o general Odd Bull, comandante de Supervisão de Tréguas das Nações Unidas, recebeu um telefonema do Ministério das Relações Exteriores de Israel solicitando sua presença. Ao chegar ao Ministério, foi-lhe entregue a mensagem de Levi Eshkol para o rei Hussein. O primeiro-ministro pedia, mais uma vez, que a Jordânia não entrasse no conflito. “Se a Jordânia não fizer nenhum ato hostil, Israel tampouco o fará”. O rei da Jordânia ignorou os apelos, pois chegara à conclusão de que sua sobrevivência política dependia de ser visto como parte da coalizão na luta contra Israel.

Durante 19 anos, jordanianos e israelenses tinham-se preparado para o dia em que voltassem a se enfrentar belicamente.

Para Israel, a perda da parte oriental de Jerusalém, principalmente da Cidade Velha de Jerusalém, em 1948, na Guerra de Independência, foi um dia de luto. Nas palavras de Ben-Gurion, “um motivo para chorar por gerações”. A luta contra a Legião Jordaniana foi sangrenta; treinada e armada pelos britânicos, a Legião era a melhor do mundo árabe. Os judeus lutaram corajosamente, mas tiveram que se render, e a Cidade Velha ficou sob a soberania da Jordânia. Conquistadores cruéis, os jordanianos mataram ou expulsaram todos os judeus da área, destruindo suas 60 sinagogas, incendiando-as ou profanando-as, e rasgando centenas de Sefarim. E, apesar dos acordos internacionais de cessar-fogo que garantiam a judeus e cristãos o livre acesso aos lugares sagrados, esse acesso foi proibido aos judeus.  Os cristãos que apresentavam certificado de batismo podiam entrar durante certos feriados.

Nas quase duas décadas os jordanianos haviam montado linhas de defesas praticamente intransponíveis: arame farpado, trincheiras profundas e campos minados corriam ao longo da Linha Vermelha, a linha do armistício de 1948 que separava as duas partes de Jerusalém. A linha estendia-se por pouco mais de 8 km de norte a sul. Para preocupação dos comandantes das Forças de Defesa de Israel (FDI), a muralha da Cidade Velha era o ponto central das defesas da Jordânia.

Desde maio de 1967, perante a possibilidade de uma guerra contra Israel, a população da Jerusalém jordaniana foi tomada por grande euforia. Os alto-falantes das mesquitas incitavam os fiéis a massacrarem os judeus. O líder da OLP, Ahmed Shukeiry, chegou à cidade na sexta-feira, 2 de junho, para participar das preces na Mesquita al-Aksa. Multidões o carregaram nos ombros. Em um discurso inflamado, ele disse: “Israel está às vésperas da destruição e haverá poucos sobreviventes”. Ironicamente, quando a Guerra eclodiu, Shukeiry estava entre os primeiros a fugir da cidade.

Enquanto a Jerusalém jordaniana vivia uma histeria eufórica coletiva, a judaica se preparava para enfrentar uma batalha sangrenta, que teria que ser lutada rua por rua, de casa em casa. Nas semanas que antecederam a guerra foi intensa a mobilização do setor civil. As autoridades municipais implementaram planos tão detalhados quanto os dos militares. Desde o fechamento do Estreito de Tirã, a agência chamada PESACH (um acrônimo das palavras hebraicas para “evacuação, bem-estar e enterro”) começou a preparar edifícios públicos para servirem de centros de evacuação. Temendo-se a ocorrência de milhares de mortos, foi preparado um monte ao lado do Monte Herzl para abrigar um novo cemitério. Havia estimativas que o número de mortos poderia chegaria a 2 mil, se aviões jordanianos não bombardeassem a cidade, caso contrário, a 6 mil. Como as FDI temiam o uso de gases mostarda e nervoso, usados pelo Egito no Iêmen, oficiais da Haga, defesa civil, receberam treinamento de como agir frente a tal eventualidade.

Voluntariar-se tornou-se uma obsessão. Milhares ficavam em fila para doar sangue, outros tantos participavam de cursos de primeiros socorros das equipes de resgate da Magen David Adom, mais de 2 mil voluntários cavavam diariamente trincheiras perto de apartamentos e escolas que não possuíam abrigos próprios (40% das construções), entre eles 500 alunos de ieshivot. No Shabat após o fechamento do Estreito de Tirã, um dos comandantes da Haga viu alunos de ieshivot, liderados pordois rabinos ortodoxos, cavando trincheiras.

Caberia ao general Uzi Narkiss, comandante das FDI na região Central, com sete brigadas sob suas ordens, enfrentar uma ofensiva jordaniana. Sua principal força de reservistas, a 10a Brigada Mecanizada, estava estacionada na planície costeira. Em caso de guerra, seus velhos tanques Sherman teriam que enfrentar uma brigada jordaniana de 88 modernos tanques Patton estacionados próximo a Jericó. A defesa de Jerusalém, em particular, estava nas mãos da Brigada de Jerusalém, composta em sua maioria por reservistas, muitos com mais de 30 anos, enquanto os israelenses entre 45 e 49 anos compunham os quadros da Haga.

Na noite de domingo, 4 de junho, Narkiss reuniu-se com seus comandantes e um oficial da Inteligência para examinar os deslocamentos das forças da Jordânia. O general estava preparado para a eventualidade de um ataque, mas não acreditava que seria muito mais do que uma troca de tiros transfronteiriços. Caso os jordanianos atacassem pesadamente em Jerusalém o plano de Narkiss era romper as linhas inimigas com sua Infantaria até o Monte Scopus, localizado na parte jordaniana, e levar seus blindados até um terreno elevado entre o Monte e o Palácio de Governo.

O general Haim Bar-Lev, vice-chefe do Estado Maior, porém, o alertara de que suas forças não tinham autorização para atravessar a Linha Vermelha. As ordens do general Yitzhak Rabin, então chefe do Estado Maior, eram claras: “Nada deve ser feito para provocar os jordanianos. Caso a Jordânia abra fogo, Israel responderá, mas sempre tentando evitar a escalada do conflito”. Os eventos, no entanto, foram tomando vida própria.

O ataque jordaniano

Após o ataque surpresa de Israel, Nasser fez de tudo para manter a Jordânia como aliada. Ele sabia que alguns oficiais jordanianos haviam aconselhado ao rei que ao menos esperasse alguns dias para ver o andamento do conflito, antes de atacar Israel. O alto comando egípcio descaradamente “informou” a Hussein que ¾ da Força Aérea de Israel tinha sido destruída e que aviões e o exército egípcio estavam atacando Israel. E uma mensagem foi imediatamente enviada ao general egípcio que coordenava as forças árabes na frente jordaniana, ordenando-lhe iniciar a ofensiva. O que o rei não sabia era que Israel praticamente vencera a guerra três horas após seu início quando sua Força Aérea destruíra a egípcia.

Na manhã de 5 de junho, o Comando Geral das FDI ainda pensava em termos de contenção do conflito, não em expandi-lo. Apesar de Hussein não atender ao apelo de Israel, poucos na alta hierarquia militar e política de Israel acreditavam que haveria uma guerra em grande escala com a Jordânia. A seu ver, caso Hussein interviesse, seria apenas proforma, para satisfazer seus aliados. Baseavam-se, entre outros, no fato de que desde 1963 o rei mantinha reuniões secretas com israelenses para evitar mal-entendidos que pudessem levar a um conflito com o Estado Judeu.

A atitude em relação à Jordânia foi mudando a partir do final daquela manhã por dois fatores. O primeiro era a confirmação do sucesso do ataque aéreo preventivo, e, o segundo, a notícia de que os jordanianos estavam atacando pesadamente alvos militares e civis, e que sua artilharia de longo alcance abrira um pesado fogo sobre Jerusalém Ocidental. Moshé Dayan, então, realocou a 55a Brigada de Paraquedistas – brigada de reserva sob o comando do então coronel Mordechai (Motta) Gur – para defender a Jerusalém judaica.

À medida que as horas passavam tomava forma entre os membros da hierarquia militar e política a possiblidade, até então descartada, de tomar Jerusalém Oriental. O general Narkiss, o ministro Yigal Allon, Menachem Begin e o rabino-chefe do Exército, general Shlomo Goren, entre outros, começam a pressionar para que fosse autorizado inclusive um ataque à Cidade Velha.

O general Narkiss não escondia o fato de que se Israel desse início, em Jerusalém, à guerra de movimento1, ele tentaria tomar a Cidade Velha. Sua motivação era tanto nacional como pessoal. Ele queria corrigir o que considerava a maior mancha em sua carreira militar – ter perdido a Cidade Velha 19 anos antes. Ele se considerava de certa forma responsável pelo fato de que os judeus não podiam rezar no Kotel. “Durante uma noite tive o Portão da Cidade em minhas mãos, mas me foi arrebatado”. A História parecia estar-lhe dando e dando a Israel uma segunda chance...

A batalha por Jerusalém

Eram por volta das 8h30 quando as bombas jordanianas começaram a cair na parte judaica da Cidade.  A Rádio de Amã anunciava  que Israel atacara a Jordânia e,  20 minutos depois, o rei Hussein declarou pelo rádio: “A hora da vingança chegou...”.

O general Narkiss, após ordenar alerta geral em toda a área do Comando Central e dar instruções para os alarmes de ataque aéreo, telefonou a Teddy Kollek, então prefeito de Jerusalém, dizendo: “Estamos em guerra, mas está tudo sob controle. Você está prestes a ser o prefeito de uma Jerusalém Unificada!”.

Dois eventos aceleraram a decisão das FDI de avançar sobre a parte jordaniana de Jerusalém. O primeiro ocorreu por volta das 14 h.  O comandante da Brigada de Jerusalém informou Narkiss que legionários jordanianos haviam ocupado o antigo Palácio de Governo onde ficava o Q.G. das Nações Unidas.  O local era militarmente estratégico, pois domina a estrada Bethlehem-Hebron pela qual os jordanianos podiam obter reforços. Israel teria que desalojar os legionários do prédio e ocupar os entroncamentos por onde tropas inimigas podiam se movimentar. Narkiss ligou ao comandante da 10a Brigada de Blindados. “Coloquem suas forças na estrada para Jerusalém. É a nossa chance de conquistá-la!”.

Mas foi o anúncio da rádio egípcia afirmando que tropas jordanianas haviam capturado o Monte Scopus que mudou o curso do conflito. Israel sabia que o anúncio era falso, mas também, sabia que significava que um ataque jordaniano ao enclave israelense era iminente. Uma das preocupações das FDI sempre foi a segurança dos 122 soldados estacionados no Monte Scopus, no lado jordaniano da cidade. A Brigada de Jerusalém podia deter qualquer ataque, mas se o Monte caísse em mãos jordanianas, sozinha a Brigada não conseguiria furar as formidáveis defesas construídas em volta dele pelos inimigos.  Com a chegada da 55a Brigada de Paraquedistas comandada pelo coronel Gur, a batalha por Jerusalém toma outras proporções. O Comando Geral autorizara Narkiss a iniciar um contrataque assim que o batalhão de paraquedistas chegasse a Jerusalém.

A ordem era chegar até o Monte Scopus e libertar a guarnição de soldados israelenses que estavam cercados. Para consegui-lo, teriam que romper as defesas jordanianas, penetrar campos minados, destruindo sólidas defesas fronteiriças, e lutar através de pelo menos 1,5 km em uma cidade edificada, na qual ninhos de metralhadoras e homens armados com rifles estavam emboscados atrás de janelas. E, assim que o Monte Scopus estivesse em suas mãos, tomariam posições estratégicas na Jerusalém Oriental para criar uma situação que lhes permitisse irromper pela Cidade Velha.  Gur estava ciente de que ele e sua brigada iriam enfrentar um combate difícil, mortal, mas estavam prontos. Tendo nascido em Jerusalém, assim como Yitzhak Rabin, Uzi Narkiss e Moshé Dayan, há anos Gur acalentava o sonho de tomar parte de uma batalha pela cidade.

Ao chegar a Jerusalém Gur incumbe os três comandantes de batalhão de sua Brigada, cada um com objetivo específico, para preparar um assalto cruzado à Linha Vermelha, ao longo de um setor demarcado ao norte pela Colina da Munição e pela Escola de Polícia da Jordânia, no centro pelos bairros Shaikh Jerrah e Wadi Joz,  e ao sul pelo Hotel American Colony e pelo Museu Rockefeller.  Os comandantes tinham uma hora para traçar seus planos para, em seguida, colocá-lo em prática.

Os israelenses lutariam, à noite, num ambiente urbano desconhecido, pois há 19 anos nenhum judeu podia aventurar-se pelas ruas da Jerusalém Oriental e havia apenas meia dúzia de mapas mal feitos da parte jordaniana da cidade. Os soldados não poderiam contar com reforços, não teriam apoio de blindados e armamentos pesados, tampouco tinham alguma experiência em atacar uma cidade daquele porte ou de combate de casa em casa, ainda tendo que ter o cuidado para não danificar locais sagrados de três religiões.

Uma missão que parecia impossível foi realizada: na manhã do dia 6 de junho, após uma luta impiedosa, estavam em mãos de Israel o Monte Scopus, assim como pontos estratégicos. Ainda estavam em mãos da Legião Árabe o Cume Augusta Victoria, o Monte das Oliveiras e a Cidade Velha. Mas, as Brigadas Harel e de Jerusalém já controlavam três dos quatro acessos à cidade.

As vitórias custaram caro para Israel; muito sangue de jovens israelenses havia sido derramado durante a longa noite. Muitas vidas ceifadas. O número de feridos era imenso e as maiores baixas eram dos comandantes. Mas, graças ao heroísmo dos paraquedistas e dos outros soldados, naquele segundo dia de guerra, era grande a possibilidade de uma Jerusalém unificada e israelense. Algo que até então estava além de qualquer esperança ou imaginação agora estava ao alcance de Israel.

Israel, porém, encontrava-se perante um grande dilema de tomar ou não a Cidade Velha. As implicações políticas e diplomáticas eram muitas: o Vaticano, centenas de milhões de cristãos e de muçulmanos iriam aceitar que seus lugares sagrados ficassem em mãos de judeus? Mas não podíamos perder a possibilidade histórica, única, que se abria depois de dois mil anos de exílio de voltar a ter em nossas mãos o Kotel Hamaaravi.

O rabino chefe das FDI, general Shlomo Goren, o general Narkiss, o coronel Motta Gur, Menachem Begin, Levi Eshkol, Abba Eban e tantos outros pressionaram Moshe Dayan que ainda relutava em ordenar a tomada da Cidade Velha.

Pouco antes do amanhecer do segundo dia Begin ligara  para Dayan informando que o Conselho de Segurança da  ONU iria declarar um cessar-fogo. “Se isso acontecer”, disse Begin  com voz perturbada, “a Cidade Velha, o Muro das Lamentações e o Monte do Templo permanecerão em mãos árabes. Isso não podemos permitir”.

Tomando a  Cidade Velha

De acordo com o plano rapidamente traçado pelo Alto Comando, Israel iria tomar as colinas que circundam Jerusalém – além do Monte Scopus, o Cume Augusta e o Monte das Oliveiras - e manter as posições até segunda ordem. As forças de Israel iriam estabelecer um anel de aço ao redor da Cidade Velha, mas manteriam um corredor aberto para a Legião Árabe poder escapar. Era imprescindível preservar os Locais Sagrados. O que Israel pretendia era deixar a Cidade Velha cair por si só.

Moshé Dayan ainda estava com dúvidas, temia a indignação da comunidade mundial caso os locais sagrados cristãos e muçulmanos fossem destruídos ou danificados pela ação israelense. Pior ainda seria tomar o Kotel e ter que devolvê-lo perante a pressão internacional, Dayan viu isso acontecer no Sinai. Toda relutância de Dayan se esvaiu ao receber o comunicado de que as forças jordanianas estavam abandonando o local, e que poucos ainda resistiam.

Os comandantes finalmente receberam o tão esperado sinal verde. Yitzhak Rabin ordenara a Gur: “Irrompam imediatamente pela Cidade Velha e a conquistem”. Gur aguardava por aquela ordem nas últimas 24 horas; de fato, durante toda a sua carreira militar. Ele sabia que a Nação Judaica vinha esperando ouvir aquela ordem há 19 séculos – a última vez que um exército judeu estivera nas muralhas da Cidade Velha fora durante o sítio de Jerusalém, comandado pelo general Tito, futuro imperador de Roma.Ironicamente, ainda que o exército tivesse planos de contingência para virtualmente cada alvo e circunstância concebíveis no Oriente Médio, não havia um sequer que cobrisse a tomada da Cidade Velha, mas com a possibilidade de um iminente cessar-fogo o ataque tinha que ser executado o mais rápido possível. Israel iria estrangular a Cidade Velha pelo Sul.

Até então a ordem do Alto Comando era não atingir a Cidade Velha com artilharia, a despeito da provocação, mas com a iminência do ataque, foi dada permissão de bombardear a extremidade esquerda da cidade murada, por trás do ponto de entrada escolhido – a Porta dos Leões. Os canhoneiros precisavam tomar cuidado para evitar que se atingisse o Monte do Templo, a poucos metros à direita da Porta dos Leões. A decisão de irromper justamente por essa entrada, na muralha oriental da cidade, fora tomada ainda naquela manhã. Até o final da noite anterior o plano era avançar pela Porta de Herodes, na muralha norte.

Foi do topo do Monte das Oliveiras que o coronel Motta Gur ordenou à sua Brigada de Paraquedistas para atacar. “55a Brigada de Paraquedistas”, disse Gur a seus homens, “estamos daqui de cima, com a Cidade Velha a nossos pés. Dentro em breve adentraremos na antiga cidade de Jerusalém, que por gerações foi o motivo de nossos sonhos e a razão de nossas aspirações. Nossa brigada recebeu o privilégio de ser a primeira a nela entrar.” Ordenou a seguir que todas as unidades se pusessem em marcha. As quatro companhias do batalhão atingiriam as quatro principais posições jordanianas na colina, de frente, logo ao início da tarde.

Gur se unira a seus homens.  Os veículos militares aproximaram-se da Porta dos Leões vindo pelo Norte, justo quando os tanques chegavam do Sul. Os tiros ainda vinham ao longo da muralha da Cidade Velha e os tanques respondiam com suas metralhadoras, abstendo-se de atirar bombas para evitar danificar o Domo da Rocha.

O general Narkiss, que estava no Monte Scopus com seu grupo avançado de comandos, quando ouviu Gur ordenar o avanço, também seguiu em direção à Porta dos Leões. Com ele no jipe estava o general Haim Bar-Lev. Narkiss não conseguia esquecer sua última entrada na Cidade Velha, 19 anos antes. “Não deveríamos entrar se for para sair de novo”, bradou. “Daqui, nunca mais sairemos”, respondeu-lhe Bar-Lev.

Uma vez aberto a Porta dos Leões, Gur ordenou a seu motorista ir em direção ao Monte do Templo. Este surgiu imponente, e vazio. Depois de uma luta ferrenha nenhum jordaniano parecia estar lá.  Ordenou no radio a todas as unidades cessar-fogo e dirigindo-se ao general Narkiss disse:  “O Monte do Templo está em nossas mãos. Repito. O Monte do Templo é nosso”. Ao chegar no topo do Monte ordenou que a Bandeira de Israel fosse hasteada sobre o Kotel HaMaaravi!

O relógio marcava 10h21–  48 horas após o início do combate em Jerusalém. 

Os paraquedistas que iam chegando à então estreita rua diante do Muro ficavam em silêncio, conscientes de que eram os primeiros soldados de um exército judeu a lá chegar em dois milênios.

O rabino-chefe das FDI, o general Goren, que avisara a Gur que ele desejava ser o primeiro homem a aproximar-se do Muro, adentrou a Cidade Velha carregando um Sefer Torá e um Shofar. Um dos comandantes da companhia de tanques o carregou e, do alto do tanque, o rabino Goren tocou bem alto o Shofar, continuando a soprar, ele correu para o Monte do Templo. Lá, abraçou Gur e pediu vinho para fazerem o Kidush. Em seguida, ainda agarrado ao Sefer Torá, o rabino Goren puxou uma dança chassídica com os paraquedistas e começou a cantar o Hatikva, mas os soldados o interromperam entoando a nova canção de Naomi Shemer, “Yerushalaim shel Zahav”, Jerusalém de Ouro.

Centenas de soldados, vindo por todos os lados com os rostos banhados de lágrimas acorriam à pequena ruela diante do Muro. Aproximavam-se do Kotel para tocar as pedras milenares, alguns comprimiam o rosto nas pedras. Durante dois dias tinham obedecido a ordens, lutado contra a dor e o medo; tinham sangrado, foram feridos, tinham visto tombar seus camaradas, mas agora estavam lá! Enquanto o suor da batalha ainda brilhava neles repetiram as palavras do rabino Goren: “Shehecheyanu… Aquele que nos manteve com vida, nos preservou, e nos permitiu  chegar a este momento com vida...”.
A seguir, em posição de sentido e fazendo continência ao Kotel, eles recitaram chorando o Kadish pelos camaradas tombados na batalha. Enquanto o rabino Goren cantava o Hatikva, cada um deles sabia que a volta do Kotel HaMaaravi ao Povo Judeu era uma questão sobre a qual a opinião das Nações Unidas ou qualquer política regional eram totalmente irrelevantes, eles o haviam reconquistado e Israel aí ficaria.

O general Dayan somente conseguiu chegar ao Monte do Templo no início da tarde entrando pela  Porta dos Leões, acompanhado por Rabin. De pé, diante do Muro, escreveu um bilhete que inseriu no Muro: “Que a paz desça sobre a Casa de Israel”.

BIBLIOGRAFIA
Pressfield, Steven, A Porta dos Leões, Editora Contexto
Rabinovich,Abraham, The Battle for Jerusalem: An Unintended Conquest (50th Anniversary Edition), ebook Kindle
Clifford, Irving, The Battle Of Jerusalem
- A Short History Of The Six-Day War: June 1967
, eBook Kindle