Na ilha de Curaçau, Mar do Caribe, judeus sefaraditas fundaram, em 1651, a congregação Mikvé Israel-Emanuel, que funciona até hoje e é a mais antiga das Américas.

Curaçau, anteriormente parte das hoje extintas Antilhas Holandesas, é um país autônomo, um dos quatro que constituem o Reino dos Países Baixos1. A ilha foi descoberta por uma expedição espanhola em 1499 e ficou sob domínio desse país durante todo o século 16, até ser conquistada pelos holandeses, em 1634. Estes últimos decidiram tomar Curaçau após os espanhóis terem conquistado a ilha de Sint Maarten (Saint Martin), em 1633, até então dominada pelos holandeses, mais especificamente pela Companhia das Índias Ocidentais2 (em holandês: West-Indische Compagnie, ou WIC). Com a perda da ilha, a WIC perdeu uma importante base comercial nas Antilhas, o que foi desastroso para suas atividades.

Em abril de 1634, a WIC designou ao almirante e cartógrafo Johannes Van Walbeeck a tarefa de tomar as ilhas de Curaçau e Bonaire, também nas Antilhas, então sob domínio espanhol. As ilhas haviam sido escolhidas em virtude de sua estratégica localização vis-à-vis o continente americano, principalmente o porto natural de St. Anna Bay, em Curaçau. Por causa de sua privilegiada localização geográfica essa ilha teve no comércio e no transporte marítimo suas mais importantes atividades econômicas.

Em maio daquele ano de 1634, Van Walbeeck deixou a Holanda com quatro navios, levando 180 marinheiros e 250 soldados, liderados por Pierre Le Grand, mercenário francês que havia servido aos holandeses no Brasil.  Os espanhóis haviam praticamente abandonado Curaçau; não demostravam real interesse na ilha pois nela havia pouco ouro e era impossível o estabelecimento de grandes fazendas devido à escassez de água.  Foi, portanto, relativamente fácil para a frota holandesa a conquista da ilha. Em 21 de agosto, os espanhóis se renderam e Van Walbeeck tornou-se o primeiro governador/administrador das Antilhas Holandesas. Durante seus três anos nessa função construiu uma fortificação no porto natural de St. Anna Bay e  lançou as bases da cidade de Willemstad, ao lado do forte.

O primeiro judeu a desembarcar na ilha foi Samuel Cohen, que atuava como tradutor de bordo da frota holandesa.  Membro da congregação judaica de Amsterdã, Cohen lá permaneceu por cerca de oito anos. Há indicações de que, durante sua estada, ele tenha convencido alguns judeus de Amsterdã a se estabelecer em Curaçau. Mas eles só começaram a chegar em números consideráveis a partir de 1651.

Entre os grandes acionistas da Companhia das Índias Ocidentais havia inúmeros judeus e sua forte proeminência na cúpula diretora resultará, como veremos a seguir, em uma série de benefícios e termos favoráveis concedidos aos judeus dispostos a se estabelecer em Curaçau.

Naquele ano de 1651, dirigentes da Companhia escreveram a Peter Stuyvesant,  governador da Nova Amsterdã3 (futura Nova York). Na carta, revelaram que estavam pensando em abandonar Curaçau, pois a ilha não lhes dava o retorno financeiro esperado. Porém, antes de encerrar as atividades na ilha haviam decidido tentar algo novo. Haviam assinado um contrato com David Nassi, também conhecido como Joseph Nunes da Fonseca ou Cristóvão de Távora Nassi, que se comprometeu a levar para Curaçau um grande número de judeus. O grupo seria liderado pelo judeu Jan de Illan, ou João d’Ylan (também conhecido como Jeojada ou Jeudah de Illan).

Na carta, explicavam: “Ele (Nassi) pretende levar um número considerável de pessoas para colonizar e cultivar a terra, mas suspeitamos que ele e seus sócios tenham outro objetivo em mente: fomentar o comércio a partir de Curaçau para as Índias Ocidentais e o continente americano. De qualquer forma, desejamos fazer esta tentativa e ao senhor caberá encarregar o diretor Rodenborch de manter Nassi dentro dos limites e em conformidade com as condições estipuladas no contrato”.

A Carta de Privilégios concedida a Nassi estabelecia que ele deveria receber duas léguas de terras ao longo da costa de Curaçau para cada 50 famílias; e quatro para cada 100 famílias. Os benefícios incluíam, ainda, isenção de impostos por dez anos e o privilégio de escolher as terras onde desejavam estabelecer-se. A Carta ainda rezava que os judeus teriam liberdade e tolerância religiosa, embora fossem proibidos de obrigar cristãos a trabalhar aos domingos, “bem como praticantes de nenhum outro credo deveriam trabalhar nesse dia”. Essa é a mais antiga Carta de Privilégios que especificamente concedia liberdade e tolerância religiosa aos judeus no Novo Mundo.

Como estipulado, Jan de Illan levou cerca de 50 judeus – de 10 a 12 famílias – da comunidade portuguesa de Amsterdã para Curaçau. O governador da ilha, Matthias Beck, foi incumbido pela WIC de colocar à sua disposição terras, escravos, cavalos, rebanhos, ferramentas e suplementos agrícolas para que os recém-chegados pudessem plantar e desenvolver os recursos naturais da região. Apesar das condições favoráveis sob as quais chegaram à ilha, ainda assim os judeus tiveram que enfrentar inúmeras restrições.

Os judeus passaram inicialmente a trabalhar na agricultura e a viver na Plantação “De Hoop” (“A Esperança”). As terras que lhes foram consignadas estavam localizadas ao norte da cidade de Willemstad. Ainda hoje,  o distrito é conhecido como Jodenwyk (Bairro Judeu).

Em 1651, logo após sua chegada, fundaram a congregação Mikvé Israel (Esperança de Israel). O nome da congregação aparece numa carta escrita em 1654 por um viajante judeu e dirigida a “Mahamad, do Kahal Kadosh Mikvé Israel”, de Curaçau.

Em abril do ano seguinte, os diretores da Companhia das Índias Ocidentais escreveram novamente para Stuyvesant alertando que Nassi “se preparava para levar para Curaçau um grande número de pessoas”. Mas, devido às hostilidades entre a Holanda e Inglaterra, nenhum judeu foi para Curaçau.

Um número substancial deles acabou se fixando na ilha dois anos mais tarde, em 1654, quando os portugueses reconquistaram dos holandeses os territórios no Brasil (mais especificamente na região do atual Recife) e os judeus que lá viviam, temerosos de serem sujeitos a perseguições religiosas e à ação da Inquisição, deixaram apressadamente a região. Alguns se estabeleceram nas Índias Ocidentais, outros na América do Norte, mas muitos foram para Curaçau levando consigo considerável riqueza.

Um novo contingente de judeus chegou à ilha em 1659, quando a WIC concedeu a Issac Acosta  (Issac da Costa), de Amsterdã, mais uma Carta de Privilégios, autorizando-o a levar judeus para Curaçau. O grupo de 70 por ele organizados chegou à ilha, levando consigo um presente para a Congregação Mikvé Israel, enviado pela comunidade de Amsterdã: um Sefer Torá que ainda hoje é usado na Sinagoga Mikvé Israel-Emanuel.

Em 1659, Stuyvesant, então governador da Nova Amsterdã, queixou-se aos diretores da Companhia que os judeus de Curaçau tinham sido “autorizados a possuir escravos e tinham outros privilégios que não eram usufruídos pelos demais colonos de Nova Amsterdã”. Ele pedia para os habitantes de sua colônia “se não mais, pelo menos os mesmos privilégios que tinham os judeus usurários e ambiciosos”, como os definia.

Não tardou para que os judeus descobrissem que a agricultura não era uma atividade economicamente viável. Seus esforços pareciam inúteis perante o clima, a aridez do solo e os contínuos períodos de seca. A maior parte deles passaram então a atuar no comércio e principalmente no lucrativo contrabando com as ilhas vizinhas. Porém, pelos termos das Cartas de Privilégios concedidas pela WIC, não era permitido aos judeus atuar no comércio, principalmente porque isto ia contra os interesses da Companhia. No entanto, fracassaram as inúmeras tentativas feitas pela mesma para impedir essa situação.

Ademais, em plena transgressão das instruções enviadas pela WIC, as autoridades locais eram coniventes com o comércio, principalmente o que se desenvolvera em 1656, entre os judeus de Curaçau e Isaac de Fonseca, de Barbados, e que acabaria minando o monopólio comercial da Companhia das Índias Ocidentais na região. Entre outros, as autoridades de Curaçau decidiram não interferir quando Fonseca ameaçou redirecionar seu comércio à Jamaica, abandonando Curaçau. Em 1657, já era intenso o comércio entre Nova Amsterdã e Curaçau, controlado principalmente pelos judeus e que contribuiu grandemente para o desenvolvimento comercial das duas colônias.

No início do século 18, a Baía  de Willemstad era um dos portos mais movimentados do Caribe.  Os judeus de Curaçau estabeleceram redes comerciais entre o Norte da Europa e a América do Sul, importando bens industrializados da Holanda e distribuindo produtos da colônia para os países vizinhos.  Suas conexões familiares e suas relações com comerciantes e financistas judeus, principalmente sefaraditas, em grandes centros do mundo, como Amsterdã, Hamburgo, Londres, Bordeaux, Lisboa, Madri e Nova York, entre outros, permitiam-lhes controlar a maior parte do comércio do Caribe. Deve-se ressaltar que era ínfimo o número de judeus envolvidos no comércio de escravos, que era essencialmente dominado pelos holandeses.

Uma vida judaica

Os primeiros colonos judeus viveram primeiro fora da cidade, no Bairro Judaico. Mas, à medida que grande parte da comunidade passou a se dedicar a atividades comerciais, seus integrantes se mudaram para a cidade murada de Willemstad.

Como vimos acima, em 1651, logo após os primeiros judeus se estabelecerem em Curaçau, foi fundada a Congregação Mikvé Israel (Esperança de Israel), sob a orientação da comunidade portuguesa de Amsterdã. Esse nome está intimamente ligado ao que haviam atribuído à sua primeira plantação, “De Hoop” (A Esperança). Naquele mesmo ano, uma sinagoga foi improvisada numa pequena casa, provavelmente localizada nos campos onde trabalhavam. 

Com o aumento do número de judeus, em 1656, alugaram uma pequena construção de madeira para a realização de serviços religiosos. O primeiro edifício da sinagoga foi comprado em 1674, e com o crescimento da comunidade, uma nova sinagoga foi construída em 1692 e consagrada na véspera de Pessach do mesmo ano. O serviço religioso foi oficiado pelo chazan David Raphael Lopez de Fonseca.

A sinagoga era comumente conhecida pelo nome de “Snoa”, uma corruptela para “esnoga”, uma antiga palavra em ladino-português para sinagoga. Em 1739, o edifício foi ampliado e a construção atual data daquela época. Sua arquitetura e interior foram preservados praticamente inalterados desde sua construção, há 287 anos. Com seus três altos tetos abobadados, a Arca Sagrado e o púlpito, as galerias, os bancos e candelabros, o interior da sinagoga tem grande semelhança com a Sinagoga Portuguesa de Amsterdã, só que tem apenas ⅔ de seu tamanho.

Entra-se na sinagoga através de um pátio silencioso, e logo se avista o vitral colorido das janelas. Caminhando-se por um piso coberto de areia, chega-se até a Arca Sagrada entalhada em mogno. Ainda que alguns acreditem que a areia no piso simbolize os 40 anos que o Povo Judeu andou pelo Deserto do Sinai após ser expulso do Egito, a maioria concorda que os pisos de areia sirvam para recordar aos membros da Congregação como seus antepassados judeus na Península Ibérica cobriam o chão de suas casas de oração improvisadas para que fossem abafados  os passos dos judeus que estivessem praticando sua fé em segredo para não despertar a suspeita de potenciais delatores.

Ainda em 1656 a comunidade de Curaçau teve a autorização de construir um Bet-HaChaim (cemitério) e a terra originalmente concedida às primeiras 12 famílias de imigrantes judeus foi alocada para esse fim. As sepulturas mais antigas datam de 1668 e fazem deste um dos primeiros cemitérios no Novo Mundo, com mais de 2.500 túmulos. Sua antiguidade e herança histórica fazem do cemitério um extraordinário monumento internacional. Infelizmente, muitos deles foram destruídos pela erosão provocada pela chuva ácida e fumaça sulfúrica das refinarias próximas.

O primeiro Chacham oficialmente indicado para a comunidade foi Josiahu Pardo, que chegou vindo de Amsterdã em 1674 e ali permaneceu até 1683, quando partiu para a Jamaica. Um sinal dos fortes vínculos entre as congregações de Amsterdã e Curaçau é o fato de que Pardo era o filho de David Pardo que, juntamente com Saul Levi Morteira, Menasseh ben-Israel, e Isaac Aboab, integravam a Corte Rabínica de Amsterdã.

Em 1715 foi fundada pela comunidade Curaçau uma organização de assistência social para atender os necessitados e os doentes. A comunidade tornara-se tão próspera que, cinco anos depois, enviaram auxílio à Congregação Shearith Israel, de Nova York e, entre outros, em 1756, atenderam outra solicitação, dessa vez dos judeus de Newport. Passaram também a enviar dinheiro para ajudar no estabelecimento de outras comunidades sefaraditas na América do Sul e do Norte. A comunidade floresceu a ponto de tornar-se conhecida como “a comunidade-mãe americana”.

No século 18 crescera o número de judeus que viviam na ilha; em meados do século a população judaica de Curaçau somava duas mil pessoas e, no final, constituíam mais da metade da população branca da ilha.

Em 1740 havia em Curaçau duas congregações judaicas.  As levas mais recentes instalaram-se em uma área atualmente conhecida como Otrabanda, como o nome diz, do outro lado do porto. Para não cruzar as águas no Shabat e poder participar dos serviços religiosos, aqueles que residiam nesse distrito mais distante formaram uma nova comunidade, a Congregação Neveh Shalom, e, em 1745, consagraram sua própria sinagoga.

Por algum tempo essa nova congregação foi considerada apenas uma ramificação da comunidade mais antiga, funcionando sob sua direção.  Mas, uma série de disputas internas levou, em 1749, à separação das duas. A fissura criada foi resolvida apenas pela intervenção do príncipe William Charles de Orange-Nassau que, em abril de 1750, ordenou o fim do embate entre as duas comunidades. A determinação real ordenava que “as comunidades terminassem as disputas, submetendo-se à direção dos Parnassim e à diretoria da sinagoga original (Mikvé Israel), e se sujeitassem ao regulamento da comunidade portuguesa de Amsterdã”. Este acordo foi mantido até 1870, quando a Neveh Shalom tornou-se independente. 

Séculos 18 e 19

Como vimos acima, os judeus da ilha viveram um período de grande prosperidade, iniciado nas primeiras décadas do século 18, ocupando posições de destaque tanto na vida econômica quanto política e social da ilha. Nessa região subdesenvolvida, eles conseguiram sobressair com seus conhecimentos de comércio internacional, expedição e seguro marítimo, e transporte.

No final do século eram donos da maioria das propriedades do distrito de Willemstad. Os mercadores judeus possuíam suas próprias frotas e, entre 1670 e 1900, chegaram a ter mais de 1.200 navios, muitos dos quais tinham capacidade de navegar até Nova York, e outros chegavam até a Holanda. E havia cerca de 200 capitães judeus no comando dessas embarcações. O fluxo comercial era tanto que havia dias em que mais de 50 navios partiam para a Holanda, carregados de produtos, a maioria deles de propriedade de mercadores judeus.

Durante a primeira metade do século 19 surgiram inúmeras empresas de judeus que integravam serviços internacionais de comércio, indústria e serviços financeiros. Atualmente, empresas judaicas comerciais continuam à frente da economia da ilha, embora o número de empreendimentos pertencentes a membros da comunidade tenha diminuído ao longo dos anos.

Judeus de Curaçau lutaram ao lado de Simon Bolívar, que atuou nas primeiras décadas do século 19 de forma decisiva no processo de independência da América Espanhola. Duas personalidades judias de Curaçau destacaram-se no exército de Bolívar, um combatendo e o outro como fornecedor de suprimentos, além dos judeus de Curaçau que lhe deram refúgio com sua família nos momentos de necessidade.

O final da escravidão, em 1862, levou à deterioração da economia local, em geral. As dificuldades econômicas levaram muitos judeus a partir. Entre os destinos escolhidos estavam St. Thomas, República Dominicana, Cuba, Jamaica, América Central, Venezuela, Colômbia e os EUA. Os que ficaram, no entanto, conseguiram manter suas posições socioeconômicas na ilha. Em parte, por causa de seu nível educacional – muitos haviam estudado em universidades alemãs – puderam conseguir, cerca de 20 anos após a “emancipação judaica” (1825), alçar a posições governamentais.

No século 20, os judeus ainda faziam parte das figuras de destaque da ilha, respondendo por 44 das 52 empresas das principais áreas da economia de Curaçau.

A chegada dos asquenazitas

Durante quase três séculos, os judeus sefaraditas foram os únicos judeus em Curaçau. A situação mudou a partir das décadas de 1920 e 1930 quando começaram a chegar ashquenazim oriundos da Europa Oriental, a maioria vindos da antiga Bessarábia, na área fronteiriça entre a Romênia e a Rússia, e poucos da Polônia.

Nas últimas décadas do século 19 um grande número de judeus deixou a Rússia czarista e outros países da Europa Oriental. Entre 1880 e 1933 cerca de quatro milhões de judeus do Leste europeu fugiram para o Ocidente, principalmente para os Estados Unidos. Os judeus asquenazitas que chegaram a Curaçau faziam parte dessa onda migratória.

Para muitos deles o sonho de imigrar para os Estados Unidos esbarrou na política de restrição à imigração adotada pelos EUA, com imposição de cotas, em 1921, 1925 e 1927. Milhares de judeus do Leste europeu tiveram que buscar refúgio em diferentes países na América Latina.

Poucos dos que acabaram em Curaçau tinham ouvido falar da ilha; estavam a caminho de outros destinos no continente latino-americano e os navios em que viajavam paravam em Curaçau para abastecer. Muitos dos que decidiram ficar tomaram a decisão após saber que havia problemas políticos no país de seu destino final e que, na ilha, havia muitas oportunidades econômicas. Passado algum tempo, os que lá tinham decidido ficar mandavam buscar a família na Europa.

Um recém-chegado era ajudado pelo grupo, sendo contratado como empregado ou recebendo ajuda na forma de crédito. Ser um “Landsman” (palavra em iídiche para compatriota, oriundo do mesmo lugar), era de grande importância e impunha confiança.

Os asquenazistas chegaram com poucos recursos, alguns eram artesãos, mas a maioria tinha alguma experiência em comércio varejista. Muitos dos que começaram a vida como vendedores ambulantes prosperaram de forma impressionante.

Inicialmente sobreviveram comprando mercadorias dos sefaraditas e vendendo-as através das áreas rurais da ilha. Levavam as mercadorias nas costas ou pagavam a algum garoto para carregar parte dos pacotes, viajando a pé dias e dias. Chamavam-se de knockers (em holandês, kloppers), em alusão à palavra em iídiche para quem bate à porta. Aos poucos, deixaram de ser ambulantes para começar a vender em pequenas lojas, em ruas secundárias, e, posteriormente, em grandes estabelecimentos nas ruas principais. Com o passar do tempo passaram a importar diretamente e, beneficiados pelos impostos baixos e a pouca concorrência, prosperaram, mesmo durante a depressão de 1930.

Os asquenazitas formaram um grupo fechado. Em 1932 organizaram um centro judaico chamado Club Union e, em 1959, já tinham sua própria sinagoga – a Shaarei Tsedek. No final do século 20 por volta de 400 judeus ashquenazim viviam na ilha.

2ª Guerra Mundial  e pós-guerra

No dia 10 de maio de 1940, informados sobre a invasão alemã na Holanda, as autoridades em Curaçau agiram de forma rápida. Todos os navios alemães foram confiscados e suas tripulações, cerca de 500 homens, aprisionados e enviados para campos em Bonaire, até o final da guerra. Outros considerados inimigos do Estado, de acordo com a sua nacionalidade, também foram deportados para Bonaire, inclusive, por mais absurdo que possa parecer, vários judeus alemães e austríacos.

Depois da 2a Guerra foi erguido um monumento em homenagem aos antilhanos que deram a vida, na luta contra os nazistas. Numa placa estão gravados 162 nomes, entre os quais, o de George Maduro, judeu, oficial da reserva do exército holandês, que lutou heroicamente.

Após a capitulação da Holanda perante as forças alemãs, Maduro uniu-se à Resistência para ajudar pilotos aliados a escapar pela Espanha. Foi finalmente preso pelos alemães e morreu em fevereiro de 1945, em Dachau. Um parque com miniaturas dos principais marcos da Holanda, denominado Madurodam, foi construído em Haia em sua memória.

Boom econômico

A nova refinaria de petróleo construída pela Shell em Curaçau, em 1915, foi responsável pelo boom econômico local. Em 1954, a ilha se tornou sede do governo da recém autônoma Antilhas Holandesas. Foi nessa época que a atividade financeira off-shore passou a ser a força motriz da economia local. No entanto, a crise do petróleo dos anos 1970 acabou com a prosperidade, e a redução dos investimentos internacionais, na década seguinte, levou ao declínio econômico. A Shell fechou a refinaria em 1985.

Nas primeiras décadas do século 20, os judeus sefaraditas mantiveram sua posição de liderança no setor bancário e comercial. Muitos eram ativos também na vida política, intelectual e social da ilha.  Mas, ao longo dos anos, a população judaica de Curaçau encolheu de forma considerável em função da emigração e como resultado do número crescente de casamentos mistos. Como resultado desse declínio, tornou-se cada vez mais difícil para ambas as sinagogas ter um minian em todos os serviços religiosos. Chegou-se a um acordo e a Sinagoga Mikvé Israel concordou em substituir seu rito sefaradita por um que mesclasse elementos asquenazitas e liberais. A fusão se concretizou, de facto, em 1963 e, de jure, em 1965. 

O êxodo dos judeus se intensificou na década de 1970. Alarmados após terem sido alvo dos distúrbios de 30 de maio de 1969, chamados de Trinta di Mei, em papamento, muitos judeus deixaram a ilha. A recessão econômica do início dos anos 1980, resultante da desvalorização do bolívar venezuelano, aumentou o êxodo levando-os a fechar ou vender seus negócios, emigrando principalmente para os EUA.

Atualmente vivem na ilha 450 judeus. Continuam a desempenhar um papel vital na vida econômica, comercial, cultural e social da ilha. De seu total, 75% são membros da Mikvé Israel e os demais, da Shaarei Tsedek. Serviços regulares de Shabat e das festas do calendário judaico são realizados nas duas sinagogas e ambas possuem programas educacionais para crianças e adultos.

1  Desde 2010, o Reino é composto por quatro nações: Países Baixos (Holanda), na Europa; Aruba, Curaçau e Saint Martin, no Caribe. 
2 A WIC, também chamada de Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, era uma organização privada de comércio externo, subsidiada pelo governo, que se tornou instrumento da colonização holandesa nas Américas, tendo sido inclusive responsável pela ocupação de áreas no Nordeste brasileiro, no século 17.
3  Nova Amsterdã havia sido fundada em 1625 pela WIC, na ilha de Manhattan. Permaneceu sob controle neerlandês até 1664, quando foi capturada pelos britânicos que renomeariam o assentamento como New York.

Bibliografia
Arbell, Mordehay, The Jewish Nation of the Caribbean: The Spanish-Portuguese Jewish Settlements in the Caribbean and the Guianas
Scheib, Ariel, Curacao Virtual Jewish,
http://www.jewishvirtuallibrary.org/curacao