Embora ainda em eleições primárias, quando pré-candidatos disputam a indicação de seu partido, a corrida para a Casa Branca mostra contornos cada vez mais definidos, com um cenário que, meses antes do pleito de novembro, já consegue polarizar com intensidade o debate político nos EUA.
A disputa interna, quando republicanos e democratas escolhem seus candidatos, se estende até a metade do ano, mas dois nomes já despontam como franco favoritos: Donald Trump e Hillary Clinton. E polêmicas ligadas a Israel e judaísmo ocupam papel de destaque no início da campanha.
O empresário Donald Trump monopolizou manchetes no começo de 2016 ao surpreender com sólido desempenho nas primárias iniciais e provocar rapidamente terremotos políticos, como a rápida desistência de Jeb Bush, surpreendido por uma magra votação entre republicanos. Trump adota um discurso com forte apelo conservador, atraindo setores da sociedade norte-americana preocupados, por exemplo, com as mudanças demográficas no país. Estatísticas apontam, entre outras tendências no país, a manutenção do aumento da população hispânica.
Trump, um megaempresário sem biografia política, seduz republicanos cansados das lideranças tradicionais do partido. A inesperada ascensão e fortalecimento promoveu um cataclisma político responsável por levar seus adversários na disputa pela indicação a centrarem fogo no pré-candidato. Em debate televisivo no começo de março, Trump teve que enfrentar uma saraivada de críticas por posições como “neutralidade no conflito israelo-palestino”.
O primeiro golpe veio do senador Ted Cruz, do Texas. “Como presidente, não serei neutro”, afirmou o pré-candidato, para acrescentar: “Não creio que precisemos de um comandante-em-chefe que seja neutro entre terroristas palestinos e um de nossos maiores aliados no mundo, a nação de Israel”.
O pré-candidato Marco Rubio, senador pela Flórida, que, em seguida, abandonaria a disputa, também não poupou o adversário com mais força desde o início das primárias republicanas. “A política que Donald delineou, eu não sei se ele percebe, é uma política anti-Israel: Não há acordo de paz possível com os palestinos no momento atual”. Governador de Ohio de olho na Casa Branca, John Kasich participou do debate e reforçou o coro de críticas: “Não acredito que haja nenhuma solução de paz permanente no longo prazo”.
Donald Trump anunciou uma posição de neutralidade no conflito israelo-palestino, argumentando ser pré-requisito para negociar um acordo no Oriente Médio. No debate da CNN, ele reiterou a estratégia, definiu-se como ardente defensor do Estado judeu e argumentou: “Eu gostaria de, ao menos, ver o outro lado pensar que sou relativamente neutro em relação a eles, de forma que pudéssemos talvez fechar um acordo”.
O empresário, diante das câmeras, partiu para a ofensiva e afirmou que, no palco, ninguém seria mais pró-Israel do que ele. Mencionou seu papel de liderança em uma manifestação em favor do Estado judeu, ocorrida em Nova York, em 2004. “Eu tenho muito, eu tenho um tremendo amor por Israel”. Em seguida, recorreu a temas familiares. “Por acaso, tenho um genro e uma filha que são judeus, ok? E dois netos que são judeus”.
Ivanka Trump converteu-se ao judaísmo em 2009. Casou-se em seguida com Jared Kushner, de família judaica de Nova Jersey. Em entrevista à revista Vogue, a ex-modelo e empresária mencionou, por exemplo, que a família observa a tradição do Shabat (shomer shabat) e da kashrut.
Donald Trump também foi fustigado durante o debate da CNN por não se comprometer a anular o acordo nuclear assinado com o Irã, em 2015. O pré-candidato definiu o tratado, uma das maiores apostas diplomáticas do presidente Barack Obama, como um fracasso, mas evitou sacramentar a anulação, caso chegue à Casa Branca. Disse que, antes de qualquer atitude, consultaria especialistas no assunto, em contraste com a posição de Ted Cruz e Marco Rubio. Ambos falaram em desfazer o entendimento com Teerã.
No campo do Partido Democrata, questões judaicas e do Oriente Médio também contribuíram para modelar o início da disputa pela indicação partidária. Hillary Clinton voltou a pleitear o cargo, iniciando a disputa como favorita, a exemplo do que ocorreu em 2008. Naquela ocasião, no entanto, foi surpreendida por um senador de Illinois, chamado Barack Obama.
Oito anos depois, a ex-primeira-dama volta a sonhar com a Casa Branca. E, no seu caminho, surgiu um rival do Partido Democrata, chamado Bernie Sanders, senador pelo estado de Vermont. Com 75 anos, nascido em Nova York, o aspirante a candidato democrata já fez história, ao se tornar o primeiro judeu a vencer uma primária na corrida para a Casa Branca. O fato ocorreu em fevereiro, em New Hampshire. Outros judeus disputaram primárias, como os senadores Arlen Specter, da Pensilvânia, em 1996, e Joe Lieberman, de Connecticut, em 2004. Quatro anos antes. Liberman foi vice na chapa encabeçada por Al Gore, no pleito vencido por George W. Bush.
Sanders, que se define como “socialista”, alimenta polêmicas sobre sua identidade judaica. Ao longo da carreira política, dedicou escassa relevância ao assunto. Sobre Israel, assumiu posições bastante críticas em relação a diversos governos do Estado judeu, onde passou alguns meses, nos anos 1960, como voluntário em um kibutz.
Em debate na campanha das primárias, o senador foi questionado sobre seu vínculo com o judaísmo. “Tenho muito orgulho em ser judeu e ser judeu é parte tão importante de quem eu sou”, argumentou. “A família de meu pai foi exterminada por Hitler no Holocausto. Eu sei o que significam políticas extremistas, radicais, insanas. Aprendi essa lição como uma criança pequena, quando minha mãe me levava às compras e nós víamos pessoas em suas lojas, com números em seus braços porque haviam passado por campos de concentração de Hitler”.
Sanders, no entanto, não entusiasma o eleitorado judaico norte-americano, tradicionalmente mais democrata do que republicano. Pesquisas recentes apontam que o partido do presidente Obama conta com apoio de 64% dos judeus dos EUA, enquanto republicanos amealhariam cerca de 25% de preferências.
Hillary Clinton desponta, portanto, como a candidata com mais apoio entre eleitores judeus norte-americanos. Apoia-se, além dos vínculos históricos entre a comunidade judaica e democratas, nas relações construídas ao longo de décadas de ação política, como primeira-dama, senadora e secretaria de Estado, cargo que ocupou no primeiro mandato de Obama. E existe também uma dimensão familiar. Chelsea, filha de Hillary e Bill Clinton, casou-se em 2010 com o judeu Marc Mezvinsky, filho de um casal de ex-deputados democratas.
No enfrentamento com Bernie Sanders, crítico frequente do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, Hillary Clinton buscou explorar diferenças de abordagem em relação a Israel. A ex-primeira-dama prometeu, caso eleita, convidar “Bibi” para a Casa Branca ainda no primeiro mês do mandato e “levar os laços bilaterais a um patamar superior”.
Hillary tem procurado construir um discurso que amenize a tensão registrada, ao longo dos últimos anos, no relacionamento entre o primeiro-ministro israelense e o presidente norte-americano. A pré-candidata chegou a falar em “reconstruir o laço inquebrantável” que une os dois países e, em mais de uma ocasião, falou de sua “conexão emocional” com a Terra de Israel. E, de olho na manutenção do tradicional apoio da maioria dos eleitores judeus aos democratas, sustentou que “fará todo o possível para fortalecer a parceria estratégica e fortalecer o compromisso de segurança dos Estados Unidos com Israel”.
Jaime Spitzcovsky foi editor internacional e correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim.