Às 14 horas do dia 6 de outubro de 1973, nas colinas do Golã, a quietude de Yom Kipur foi repentinamente quebrada pelo som de explosões. Um pesado ataque aéreo e de artilharia começou a castigar as guarnições israelenses ao longo da fronteira com a Síria. Começara a luta pelo Ramat Hagolan.
Ninguém podia sequer imaginar a ferocidade dos combates que se seguiriam e as condições nas quais seriam travados, tampouco o desgaste físico e mental que exigiria dos soldados israelenses.
Nas Colinas do Golã, em apenas 18 dias de luta, 772 deles morreram e 2.453 ficaram feridos, muitos dos quais gravemente. O Golã era, sem dúvida alguma, a frente mais preocupante naquela que seria a mais difícil guerra travada por Israel. Apesar de não ser tão forte quanto o egípcio, o exército sírio representava a maior ameaça. Enquanto os egípcios teriam que atravessar quase 240 km de deserto antes de chegar a uma área parcamente povoada do extremo sul do território israelense, os sírios estavam a apenas 32 km da Galileia.
O plano da Síria era tomar as Colinas de Golã num único dia, forçando a limitada defesa israelense. Três divisões da infantaria síria atacariam simultaneamente toda a extensão dos 65 km da “Linha Roxa”, a linha de cessar-fogo após a Guerra de 1967. O plano previa tomar os postos de observação e os 10 pontos altamente fortificados que Israel mantinha ao longo da fronteira.
As Forças de Defesa de Israel (FDI) tinham fortificado o Golã mediante a construção de um sistema de obstáculos e fortificações no extremo Leste do platô e uma trincheira antitanques ao longo de toda a extensão da “Linha Roxa”. Logo atrás dessa trincheira, construíram postos de observação e pontos fortificados em concreto para ter uma contínua observação de qualquer força que se aproximasse pelo Leste. Os pontos fortes e de observação localizados no Norte estavam a cargo da Brigada Golani, e, os do Sul, do 50º Batalhão de Paraquedistas. As fortificações e defesas israelenses nas Colinas eram formidáveis quando totalmente guarnecidas com o número adequado de infantaria e tanques – só que esse não foi o caso em outubro de 1973. Em cada ponto forte Israel tinha entre 10 a 20 soldados da infantaria, e o número de armamentos e munições era insuficiente para fazer frente a um ataque mais pesado.
A estratégia síria contava com a assustadora disparidade que havia entre as forças israelenses e sírias até a chegada dos reservistas ao Golã: 200 soldados da infantaria israelense teriam que enfrentar 40 mil sírios e 177 tanques israelenses, 1.400 sírios. Não fosse pela chegada da Sétima Brigada de Blindados do General Ben-Gal, a proporção de tanques não teria sido de 8 para 1, mas de 18 para 1. A estimativa síria era que levaria ao menos 24 horas para que os reservistas israelenses chegassem à frente de batalha, e a Síria pretendia conquistar o Golã antes disso.
As primeiras horas do dia 6 de outubro
No Golã, ao contrário do ocorrido na Península do Sinai, onde uma mensagem interceptada de um posto de observação da ONU alertara as forças israelenses sobre o iminente ataque da artilharia egípcia, não houve aviso algum. O bombardeio iniciado às 14:00 h, na mesma hora em que o Egito atacara o Canal de Suez, durou 50 minutos. Logo em seguida, uma densa coluna de tanques sírios e de VBTPs (veículos blindados para transporte de pessoal) começou a avançar. Os sírios acreditavam que, ao alvorecer, menos de 16 horas após o início das hostilidades, o Golã estaria em suas mãos.
Enquanto as primeiras explosões sacudiam a região, quatro helicópteros sírios decolaram em direção à posição israelense, no Monte Hermon. Seu topo, ocupado por Israel durante a Guerra dos Seis Dias, era um dos principais alvos sírios. Israel construíra no alto da montanha uma plataforma super-avançada de Inteligência. Às 14:45h os atacantes chegaram à plataforma. Dos 55 israelenses estacionados no Hermon apenas 12, pertencentes à Brigada Golani, eram encarregados da defesa. Os demais eram elementos da Inteligência militar e técnicos. Em sua primeira tentativa de investir contra a posição em um ataque frontal, os sírios sofreram 50 baixas. Reagruparam-se e voltaram a atacar. Os israelenses, em inferioridade numérica, foram dominados: 13 israelenses morreram e 31 foram aprisionados; apenas 11 conseguiram fugir pelas encostas da montanha. A captura do Monte Hermon foi um revés potencialmente fatal para as FDI. Além de sua importância simbólica como “Os olhos de Israel”, os modernos equipamentos eletrônicos lá instalados monitoravam toda a atividade ao longo da fronteira e também em áreas tão distantes como a capital síria, a uns 25 quilômetros a Leste.
Nas primeiras e extremamente críticas horas da guerra, o General Yitzhak Hofi, Comandante Geral do Comando Norte, o segundo no comando e os comandantes de divisão estavam reunidos em Tel Aviv com o Estado Maior. Até o Gal. Hofi retornar ao centro de comando em Nafach – por volta das 16:30h – o Tenente Coronel Uri Simhon tomou decisões estratégicas. Sua decisão de deslocar três batalhões de blindados para o Setor Norte e dois para o Sul, sem deixar nada na reserva, determinaram o rumo da batalha que viria a seguir, para o melhor ou para o pior. Sua decisão foi em parte tomada porque o Comando Norte acreditava que caso houvesse um ataque sírio, este ocorreria no Norte, pois caso conseguissem penetrar, os sírios poderiam rapidamente alcançar Nafach – a principal base de comando israelense no Golã – e a ponte de B’not Yaacov, que era a principal passagem entre o Golã e Israel, propriamente dito. De volta a Nafach, Hofi dividiu a frente de batalha: a Sétima Brigada do Coronel Avigdor Ben-Gal seria responsável pelo Norte do Golã e a 188a Brigada de Blindados e a Brigada Barak, do Cel. Yitzhak Ben-Shoham, pelo Sul.
Após cruzar a “Linha Roxa”, as forças sírias enfrentaram forte resistência israelense. Ao longo de toda a fronteira, as tropas de Israel lutaram uma batalha desesperada com coragem e determinação, sabendo o que estava em jogo. Atos de extraordinária bravura foram registrados. Nos pontos fortes, apesar de não estarem preparados para enfrentar um ataque mais pesado, os soldados da infantaria repeliram o inimigo. Apenas o Monte Hermon caíra.
O profissionalismo das equipes israelenses dos tanques – suas táticas, suas pontarias e seu curtíssimo tempo de reação, comparados com as equipagens sírias, irão contrabalançar a disparidade das forças e o choque sofrido com a surpresa do ataque. Mas isso nem sempre bastou; em muitos casos, os israelenses foram vencidos pela mera superioridade numérica dos sírios.
Acima do campo de batalha, saraivadas de mísseis SAM-6 impediam aos Skyhawks da Força Aérea de Israel realizar com êxito missões de suporte para deter o ataque sírio. Posteriormente, alguns observadores da ONU estacionados ao longo da “Linha Roxa” relataram que os primeiros aviões da FDI apareceram sobre o Golã poucos minutos após o irromper da guerra. Quatro Skyhawks voaram baixo em torno do Hermon, mas antes de poderem atingir qualquer alvo sírio, dois deles explodiram nos céus atingidos pelos SAM. Ao entardecer, parecia que a determinação israelense conseguira desacelerar a ofensiva síria. Um grande número de blindados inimigos havia sido destruído e, no Norte, a situação estava sob controle. As informações tranquilizadoras recebidas pelo Comando Central, no entanto, provaram ser temporárias.
Madrugada de 6 para 7 de outubro – Maciça infiltração síria
Independente da resistência encontrada e das baixas sofridas, os sírios continuavam a pressionar. Antes do anoitecer, duas de suas brigadas atacaram o Setor Norte e quatro, o Sul, onde uma brigada israelense, com um pequeno número de tanques, teve que enfrentar 600 blindados sírios.
Durante toda a noite de 6 para 7, tanques sírios começam a se infiltrar maciçamente entre os pontos fortes. Pelotões israelenses tiveram que enfrentar batalhões inteiros do exército sírio. E, assim que escureceu, os israelenses perceberam que teriam que lutar em grande desvantagem. Seus tanques Centurion não tinham visão noturna – como os tanques soviéticos equipados com faróis e projetores infravermelhos, que podiam iluminar os alvos sem que os israelenses sequer tivessem ideia de que estavam sendo iluminados. Os israelenses podiam contar apenas com um escasso número de artifícios de iluminação e alguns binóculos infravermelhos de uns poucos comandantes de tanques. Isto significava que, à noite, as forças de Israel estavam “cegas” para o que acontecia além de sua frente imediata. Lutaram, no entanto, com garra, contornando a falta de visão noturna com táticas criativas.
Ao perceber que a linha de defesa no Sul era mais “porosa” que no Norte, os sírios intensificaram o ataque no Sul, cabendo ao pequeno contingente de tanques israelenses que havia na área um enfrentamento bem maior de tanques sírios. A luta travada no Sul testemunharia a garra e coragem dos soldados e dos comandantes de campo israelenses. Enquanto o desânimo e a falta de coordenação havia tomado conta do Comando Geral, pequenos e isolados grupos de soldados guiados por sua perícia e motivação pessoal continuaram a combater.
A capacidade do exército israelense de rapidamente se reagrupar e formar novas unidades de combate, conforme a necessidade, e de seus homens se adaptarem a novas circunstâncias, foram essenciais na luta contra o inimigo.
Após o fim da guerra, um líder de pelotão de tanques afirmou: “Logo na primeira hora de combate ficou claro que a batalha ficara nas mãos dos comandantes de companhia e de pelotão, e dos comandantes de blindados, individualmente (...). Para quem lutava, havia apenas duas opções: sucumbir ao choque ou se tornar um tigre feroz e continuar lutando”.
Pouco mais de 12 horas após o início da guerra as forças sírias tinham-se infiltrado maciçamente entre os postos fortes e já havia forças inimigas adentradas no Golã, pelas estradas que levavam ao Lago Kineret (Mar da Galileia). Uma brigada síria chegara ao assentamento religioso de Ramat Magshimim menos de uma hora depois que os estudantes de uma Yeshivá tinham sido evacuados. Exceto por pequeno contingente que estava a alguns quilômetros, não havia nada para impedi-los de chegar ao Vale do Jordão, ou de descer para as margens do Lago Kineret. Este, no entanto, não era o plano de Damasco, cujo principal objetivo era Nafach – onde estava o Comando Central do Norte, e a Ponte B’not Yaacov.
Não haverá retirada de Ramat HaGolan
Apesar da ferocidade do ataque sírio desde as primeiras horas do conflito, sua dimensão só ficou clara para o Gal. Hofi depois da meia-noite. A situação no Sul era crítica. As forças engajadas na batalha poderiam contar com a chegada de um número significativo de reservistas somente à tarde e ele não sabia se seus homens aguentariam até lá.
Preocupado, ele alertara o Estado Maior, o Gal. Elazar, e a Moshé Dayan que havia a possibilidade das tropas não conseguirem manter o controle sobre as Colinas. Logo na manhã do dia 7 de outubro, Dayan fora à sede do Comando do Norte para se reunir com Hofi para ver “se Israel perderia o Golã”. Deprimido com a situação de suas tropas, Hofi repetiu sua preocupação. A resposta de Dayan foi uma frase que ele iria repetir inúmeras vezes nos dias seguintes: “Não haverá retirada de Ramat HaGolan”.
Apesar de suas palavras, Dayan sabia que a situação era crítica. Ele contata então o General Benjamin Peled, comandante da FAI, e, ao saber que estava sendo preparado para aquele dia um ataque aéreo para eliminar as plataformas de SAMs egípcias estacionadas no Canal de Suez, disse-lhe: “Esqueça, há apenas areia no Sinai e o Canal do Suez está a quase 240 quilômetros de Tel Aviv. O Terceiro Templo (metáfora que Dayan utilizava ao se referir ao Estado de Israel) está em extremo perigo. Os tanques sírios romperam as linhas das Colinas do Golã e estão avançando rumo ao Vale do Jordão. Precisam ser detidos. Se nossos aviões não atacarem até o meio-dia, os sírios poderão chegar ao Vale do Jordão”.
A decisão de cancelar o ataque aéreo no Sinai e transferir os aviões para o Golã iria afetar o curso da Guerra de Yom Kipur. A maioria do staff de Peled se opôs à decisão, argumentando que não fazia sentido suspender um ataque que havia sido cuidadosamente planejado e que poderia desestabilizar as forças egípcias. Ademais, não haveria tempo útil para preparar uma investida no Golã. Os helicópteros, com equipamentos eletrônicos que seriam utilizados para “despistar” os radares dos SAMS, estavam no Sinai, além do que era impossível realizar uma missão fotográfica para confirmar se as baterias SAM-6 ainda estavam onde haviam sido fotografadas na tarde anterior. No final da manhã do dia 7 de outubro, 60 Phantoms executaram voos rasantes sobre as Colinas do Golã, investindo contra a concentração de blindados sírios e as baterias SAM. A operação foi um fracasso.
Apesar dessa primeira investida não ter tido êxito, os pesados sacrifícios feitos pela FAI nos dois primeiros dias da guerra tiveram um importante papel na luta pelo Golã. Os persistentes ataques da aviação israelense mantiveram as forças sírias ocupadas com a defesa de seu espaço aéreo. Os céus de Israel foram mantidos a salvo de aviões hostis, permitindo aos reservistas chegar às frentes de combate sem interferência inimiga. Estes sucessos, no entanto, não aliviavam a angústia das tropas engajadas na batalha que olhavam para o céu se perguntando: “Onde estava a força áerea?”. A FAI controlava os céus sobre toda a Síria e todo o Egito, exceto na estreita faixa sobre as zonas de batalha dominadas pelos SAMs. Mas era ali que a Guerra de Yom Kipur seria vencida ou perdida.
Chegada dos reservistas
No início do segundo dia de combate o Alto Comando Militar sírio recebeu a informação de que os reservistas israelenses haviam chegado ao Golã, em um prazo bem menor do que o estimado. Se os israelenses estavam adiantados pelo cronograma dos sírios, estes estavam bem atrasados, pois não haviam conseguido pressionar e romper as linhas de defesa de Israel quando ainda estavam em posição de vantagem.
Diferentemente da Guerra dos Seis Dias, quando os reservistas israelenses haviam tido três semanas de treinamento, dessa vez estavam indo para a guerra sem nenhum preparo adicional. Ao subir em direção às Colinas, muitos eram ainda civis em uniforme; mas, quando chegaram ao topo, eram soldados prontos para a luta. Mesmo após a chegada dos reservistas, o Comando do Norte havia iniciado os preparativos para uma eventual evacuação, caso as defesas falhassem. Entre outras providências, os engenheiros estavam preparando uma barreira de minas antitanques à margem sul do Lago Kineret, e os bulldozers estavam prontos a interromper as estradas que desciam das Colinas.
Combates pesados continuaram ao longo do dia 7 com muitas perdas de ambos os lados. O Gal. Elazar pediu a Hofi que formasse uma segunda linha. “É vital manter a presença no Golã até a chegada da Divisão de Reserva do General Moussa Peled”. Hofi respondeu que não tinha certeza se poderia fazê-lo.
Ao anoitecer, o General Dan Laner e o General Raful Eitan chegaram a um acordo para divisão de comando no Golã. A linha divisória foi estabelecida aproximadamente a um quilômetro ao Sul da estrada B’not Yaacov-Kuneitra. Eitan comandaria as forças israelenses ao Norte daquela linha inclusive, e Laner ao Sul.
Batalha do Vale das Lágrimas
Uma das mais sangrentas batalhas foi travada na área ao Norte de Kuneitra, entre o Monte Hermonit e uma cadeia de montanhas ao Sul, chamada de “Booster”, em Israel, ou Tel el Mekhafi, em árabe. No primeiro dia de guerra, uma Divisão síria atacou a Brigada Barak. Era o início de uma amarga batalha por território vital, ao qual os israelenses posteriormente chamariam de “Vale das Lágrimas”, em hebraico, Emek Ha-Beka’a, em virtude do grande número de tanques queimados e destroçados que foram abandonados no local.
Um dos heróis dessa batalha foi o Tenente-coronel Avigdor Kahalani. Na tarde do dia 6 ele deslocou sua companhia, sob forte artilharia e ataque aéreo, para posições de bloqueio no Booster e rapidamente entrou em ação. A disparidade entre as forças sírias e israelenses era enorme: cerca de 500 tanques sírios contra 40, sob o comando de Kahalani.
A luta no Vale do Beka’a durou vários dias e foi implacável. Os israelenses repeliram os ataques dos blindados sírios, um atrás do outro. Ainda que suas baixas fossem pesadas, os sírios continuavam determinados – se conseguissem se juntar à infantaria no setor El Rom, não haveria nada que se interpusesse entre eles e Kiryat Shmona, no Norte de Israel.
Os israelenses também tinham sofrido baixas do intenso fogo de artilharia inimiga. No quarto dia, Ben-Gal comunicou-se por rádio com o Gal. Eitan, informando que não acreditava que a Sétima Brigada fosse aguentar muito mais. Eitan prometeu que logo receberiam reforços.
Os sírios, percebendo a possibilidade de uma iminente vitória, estavam tentando penetrar para além da linha das rampas de blindados israelenses abandonados. Quando só restavam às forças israelenses apenas 12 tanques e praticamente nenhuma munição, uma nova unidade de reserva – a do Tenente-coronel Yossi Ben-Hanan, que voltara de sua lua-de-mel direto para os campos de batalha – juntou-se à luta.
De repente, os israelenses recebem de um ponto forte a informação de que as colunas de suprimentos sírias estavam batendo em retirada. A batalha pelo Booster estava terminada e Israel saíra vencedor. O General Eitan, que observava a batalha do alto de um espigão na montanha, fala pelo rádio com Ben-Gal e seus homens : “Vocês salvaram Am Israel”.
Os sobreviventes da Sétima Brigada de Blindados estavam sem dormir há 80 horas e tinham lutado, sem parar, durante mais de 50 horas. Só tinham restado 12 de seus tanques; contudo, eles derrubaram 260 tanques sírios e 500 outros veículos.
Batalha de Nafach
Um dos principais alvos da ofensiva síria era Nafach. Caso conseguissem tomá-la, além de capturar o Centro de Comando do Golã, poderiam facilmente tomar a ponte B’not Yaacov no rio Jordão. Se Nafach caísse em mãos inimigas, Israel perderia o controle da Região Norte e Central do Golã.
Na noite de sábado, 6 de outubro, o Tenente Zwi ‘Zwicka’ Greengold, com um único tanque, conseguira bloquear o avanço sírio pela Tapline1. Mas, no início da tarde seguinte havia blindados sírios às portas de Nafach. Apesar do Gal. Hofi e outros oficiais já terem deixado o local para estabelecer o Comando Central numa localidade mais ao Norte, o Gal. Eitan ainda permanecia no bunker do Comando. Através de uma enigmática mensagem – pois não podia deixar que o inimigo soubesse que o comandante de uma Divisão israelense estava preso em Nafach – o Gal. Eitan alertou o Cel. Ori Orr, comandante do 679o Batalhão da Reserva. Ori, que estava a alguns quilômetros de distância, e equipes de blindados que haviam ouvido a mensagem de Eitan, dirigiram-se imediatamente para Nafach, atingindo o perímetro com os sírios já nos portões. Abriram fogo até que não houvesse mais em quem atirar.
O Gal. ‘Raful’ Eitan não costumava bater em retirada perante o inimigo. Posteriormente Eitan confessaria que tinha resolvido por conta própria que, acontecesse o que acontecesse, ele não se retiraria do Golã. Mas, claramente, a base não era segura para servir de posto de Comando de Divisão e transferiu seu QG para o Norte.
Brigadas de Blindados dos dois países enfrentam-se numa dura batalha. Unidades de blindados israelenses que convergiam de direções distintas passaram a preencher o vazio pelo qual a Divisão Síria havia conseguido penetrar e, ao cair da noite, Orr tinha garantido o domínio sobre Nafach. O Comando Norte foi informado de que “não havia tanques sírios em funcionamento” nas proximidades imediatas da cidade. Em seu livro, Chaim Sabbato, que lutou como franco-atirador no Batalhão sob o comando de Orr, relata suas palavras aos jovens soldados prestes a lutar: “Perdemos muitos tanques... Mas venceremos. Não temos escolha”.
A luta por Nafach é um exemplo das características que permitiram às forças israelenses recuperar seu equilíbrio e vencer o inimigo. Pequenos grupos, operando de forma independente com guarnições reunidas aleatoriamente, não hesitavam em se arremeter contra um inimigo bem mais numeroso, com coragem, motivação e profissionalismo exemplares.
Naquela mesma noite, Orr conseguiu estabelecer uma linha de defesa estreita, de 6 km de comprimento, em terreno elevado que corria paralelo à estrada Nafach–Kuneitra – a primeira no Golã Central desde o início da guerra.
Os israelenses sabiam que precisavam deter os sírios até que suas formações de reserva chegassem à frente, caso contrário a Galileia do Norte seria devastada pelos blindados sírios. Mas a situação das FDI era muito difícil; sua falta de munição estava tão premente que os jipes voavam de um destroço de tanque a outro para resgatar os cartuchos ainda intactos.
Na tarde do dia 7 de outubro, enquanto as batalhas no Sul e no Norte estavam sendo travadas, o Alto Comando da Síria realizava uma fatídica reunião em Katana, seu QG de campo. O eixo Norte, pelo qual eles tinham contado com a tomada rápida da jugular do Golã – Nafach e a Ponte B’not Yaacov – estava bloqueado e a batalha ainda corria solta. Mas, no Setor Sul, apesar da forte resistência que retardou seu cronograma durante horas e destroçou vários batalhões, ainda assim os sírios tinham conseguido infiltrar centenas de tanques capazes de alcançar as pontes do Jordão praticamente sem oposição. Uma brigada síria estava a 1.200m da El Al, e outra, na Yehudia Road, a menos de 10 km do Lago Kineret. Contudo, tinham sofrido pesadas baixas, particularmente quando se tinham aventurado para além de seu guarda-chuva de SAMs e, assim, oferecido alvos fáceis à FAI. A reunião chegou a uma decisão de importância crucial: as forças sírias no Sul do Golã teriam que suspender o combate às 17:00h. Quando os sírios decidiram retomar seu avanço, suas chances de alcançar o Rio Jordão “já eram”...
Apesar de os israelenses ainda estarem em situação muito difícil, nas batalhas os sírios já haviam mostrado falhas táticas e de comando, e suas forças, ao contrário das israelenses, não tinham grande flexibilidade tática no campo de batalha. Ao anoitecer de 7 de outubro, um novo ânimo desponta nas tropas de Israel, após a chegada ao Golã da Divisão de Reserva do General Moshe Peled (Moussa). As FDI decidem lançar um grande contra-ataque pouco mais de 36 horas após o início da ofensiva síria.
O contra-ataque de Israel
As FDI iniciaram o contra-ataque às 8:00h do dia 8. Por volta do meio-dia, após enfrentar uma pesada luta, o Gal. Moussa Peled alcança Tel Faris. À noite, o Cel. Orr toma Tel Ramtania, um espigão altamente fortificado nos montes Khushniyah. A Divisão do Gal. Laner conseguia, também, gradualmente, ir empurrando os sírios em direção ao Sul.
Na terça-feira, 9 de outubro, e na quarta, em um esforço conjunto – coordenado, ao Norte, por Laner e, ao Sul, por Peled, os israelenses encurralaram as forças sírias em Khushniya. Após um feroz embate, duas brigadas da Primeira Divisão Blindada síria haviam sido destruídas. Os remanescentes do Exército Sírio bateram em retirada, grandes contingentes atravessando a Linha de Cessar Fogo. À noite, não havia uma única unidade síria em território à Leste da “Linha Roxa”.
No platô do Golã, os sírios haviam deixado atrás de si quase 900 tanques, muitos dos quais T-62s, centenas de metralhadoras e de VBTPs, milhares de veículos e quantidades enormes de equipamentos. A ofensiva lançada em 6 de outubro terminara em uma esmagadora derrota e os sírios estavam de volta no ponto de partida, e Israel estava prestes a lançar forte contra-ataque em território sírio.
A eficiente reação da FAI foi de grande importância nessa fase da guerra. Em 8 de outubro, aviões israelenses bombardearam as bases aéreas sírias. Dentro de uma semana, praticamente todas estavam inoperáveis. No dia 9, em resposta ao ataque sírio de uns 10 mísseis sobre alvos israelenses, a FAI lançou uma ofensiva estratégica contra a Síria, que incluía um raid aéreo bem sucedido, com oito Phantoms, que atingiram o QG da Força Aérea síria, em Damasco.
Nos dias seguintes, a FAI passou a bombardear a Síria infligindo pesados danos táticos e estratégicos sobre sua infraestrutura, inclusive sobre o sistema gerador de força e a indústria de petróleo. Até o final da primeira semana de guerra, com o sistema de mísseis SAMs praticamente destruído, os aviões israelenses atingiam Damasco e outras cidades sírias, e portos do Mediterrâneo. Israel sabia que para reduzir sua vulnerabilidade, seus inimigos tinham que levar intensos golpes, cujas consequências econômicas seriam sentidas por muitos anos.
A contraofensiva israelense
Na noite de 10 de outubro, o Gabinete israelense, orientado por seu Chefe do Estado Maior, Gal. Elazar, tinha que decidir, se explorar seu sucesso contra a Síria ou concentrar-se no Egito. As recomendações do Estado Maior, transmitidas por Moshé Dayan a Golda Meir, eram para que se avançasse através da “Linha Roxa” para penetrar 20 km. Desta forma, colocariam Damasco na mira da artilharia de longo alcance. Esperava-se, assim, infligir uma fragorosa derrota aos sírios, sem, no entanto, provocar a intervenção soviética. Golda Meir deu seu consentimento e o planejamento se desenrolou de imediato.
A intenção de Hofi era não dar tempo aos sírios de se recuperarem, mas isso também significava atacar com forças que tinham pouco ou nenhum tempo para se reorganizar, após exaustivos combates. O plano israelense se baseava na economia de esforço no Centro e no Sul do país, de modo a concentrar as forças no Norte, ameaçando a capital síria. O eixo do avanço centrava-se na rota mais curta para Damasco.
A Hora H foi fixada para as 11:00h de 11 de outubro. O Exército sírio estava, então, perante um inimigo revigorado, pronto para entrar em seu território. Na noite anterior, Ben-Gal reunira seus comandantes e lhes dissera que sua entrada na Síria lhes permitiria vingar a morte de seus camaradas tombados na desesperada defesa de seu país. O grosso das tropas sírias estavam concentradas nos arredores de Damasco, ao passo que os aliados árabes que haviam se juntado à luta – marroquinos, sauditas, iraquianos e jordanianos – recebiam a tarefa de retardar a investida israelense.
Na sexta-feira, dia 12, as forças israelenses já estavam dentro do território sírio rumo a Damasco, encontrando maciça resistência. À medida que a divisão comandada por Laner ampliava sua penetração, unidades iraquianas passam a lutar ao lado dos sírios. O ataque iraquiano foi facilmente repelido. Os israelenses continuaram a avançar, atingindo a região próxima a Kfars Shams. No dia seguinte, paraquedistas capturaram o estratégico monte de Tel Shams, com um saldo de apenas quatro feridos. No domingo, 14, as FDI suspende a ofensiva e consolida suas posições dentro da Síria com Damasco sob mira de sua artilharia. Forças árabes tentam frear o contra-ataque israelense, mas as FDI já haviam estabelecido uma forte trincheira, difícil de ser penetrada pelos inimigos.
No dia seguinte, os israelenses transferem a prioridade dos suprimentos e do poder aéreo militar para o Deserto do Sinai, contra os egípcios. Dois dias depois, com as forças israelenses com suas posições já consolidadas dentro da Síria, a artilharia de longo alcance continua bombardeando os arredores de Damasco. Durante os quatro dias que seguem, as tropas sírias, iraquianas e jordanianas montam ataques descoordenados e ineficazes contra posições israelenses.
O Monte Hermon foi reconquistado no dia 22 de outubro. Israel conseguiu encerrar a guerra recuperando o controle de seus estratégicos “Olhos sobre o Sinai”, que permitiam o domínio de todas as áreas de combate e colocavam a capital síria ao alcance de sua artilharia. Este era o cenário quando Damasco aceitou o cessar-fogo em 22 de outubro. Durante a luta, os sírios perderam mais de 3.500 homens.
A brilhante defesa travada pela Sétima Brigada e Brigada Barak nos primeiros dias da guerra continua sendo um dos feitos militares mais extraordinários do século 20, e entrou para a História como uma das grandes batalhas defensivas de todos os tempos, igual à batalha do Somme na 1ª Guerra Mundial ou a de Monte Cassino, na 2ª Guerra.
A natureza defensiva da batalha, no entanto, expôs as FDI à plena fúria da artilharia síria, que cobrou um preço punitivo e pesado principalmente sobre os comandantes dos tanques, que representaram quase dois terços das vítimas israelenses no Golã. Apesar da enorme coragem e de seu profissionalismo, muitos soldados de Israel perderam a vida numa luta desesperada e desigual para impedir que as forças sírias invadissem seu país. Os inúmeros atos de bravura e tenacidade que ocorreram em Ramat HaGolan fazem parte da História do Estado de Israel e de todo o nosso povo.
Bibliografia:
Rabinovich, Abraham, The Yom Kippur War: The Epic Encounter That Transformed the Middle East, Ed. Schocken
Dunstan, Simon, The Yom Kippur War 1973 - The Golan Heights, Osprey Publishing