“O Eterno fez os céus e a terra, o mar e tudo o que há neles em seis dias e repousou no sétimo dia, e por isso o Eterno abençoou o dia de Shabat e o santificou”. (Exodus 20:8-11)

A observância do Shabat é um dos fundamentos do judaísmo. A santidade do dia e os mandamentos de guardá-lo e honrá-lo são enfatizados ao longo da Torá.  O Shabat desempenha um papel central no relato da Criação do mundo e da outorga da Torá, nos Livros dos Profetas e na literatura rabínica de todas as gerações. Ademais, o Shabat é o único ritual que consta nos Dez Mandamentos e é o mandamento cuja observância é enfatizada o maior número de vezes na Torá.

Os Cabalistas ensinam que a Criação é constituída por três categorias básicas: Olam (mundo), Shaná (tempo) e Nefesh (alma). A santidade do mundo (Olam) está mais concentrada em Eretz Israel, na Terra Santa, particularmente em Jerusalém e em especial no local onde foi erguido o Templo Sagrado. No âmbito do tempo (Shaná), a santidade prevalece no Shabat e nos Yamim Tovim – as festividades judaicas.

De acordo com o judaísmo, a santidade se manifesta no tempo por meio de dias consagrados, seja na semana, no mês ou no ano. O conceito de tempo, conforme a Torá, não é uma passagem linear, e sim, uma espiral, uma hélice, que ascende da Criação. Há, portanto, uma reversão constante a um padrão fundamental, ou seja, um ciclo de tempo que se repete. O que se espera do ser humano é que tal ciclo seja virtuoso e não vicioso – que a hélice ascenda e não descenda. Exemplificando: Rosh Hashaná e Yom Kipur ocorrem todos os anos, no primeiro e no décimo dia do mês de Tishrei, respectivamente, mas espera-se que os seres humanos melhorem de um ano para o outro. 

Esse mesmo conceito de tempo se aplica à semana judaica. O Shabat, tendo sido criado e instituído por D’us, ocorre toda semana, sem exceção. Mas espera-se que um Shabat seja melhor que o anterior – que, à medida que passa o tempo, os seres humanos se aperfeiçoem e melhorem o mundo.

O ciclo semanal judaico está associado aos sete dias da Criação. Todo dia é, de certa forma, uma recapitulação do que ocorreu no Gênese. Cada dia da semana é, portanto, um modelo que manifesta a qualidade especial de uma das Sefirot emocionais, que são os canais de energia Divinos que criaram e que continuam a criar, incessantemente, toda a existência. O motivo por que o mundo foi criado em sete dias – de fato, a razão por que a semana é constituída de sete dias – é que cada um deles corresponde a uma das sete Sefirot emocionais. Domingo, o primeiro dia da semana judaica, corresponde à primeira Sefirá emocional – Chessed (Bondade, Amor, Atração). Segunda-feira, o segundo dia semanal, corresponde à segunda Sefirá emocional – Guevurá (Justiça, Disciplina, Restrição, Severidade). Terça-feira está associada à Tiferet (Beleza, Compaixão), quarta-feira à Netzach (Vitória, Ambição, Eternidade), quinta-feira à Hod (Humildade, Majestade, Glória), sexta-feira à Yessod (Fundamento, Carisma) e o Shabat, o sétimo e último dia da semana, à Malchut (Realeza, Soberania, Liderança).

O Shabat representa, portanto, a manifestação pública do Rei dos reis. O Sétimo Dia é o dia da semana em que a glória de D’us se torna mais perceptível na Terra: é a culminação do processo por meio do qual o Infinito transmite Sua glória das mais altas esferas da existência à nossa.

Todo Shabat é o dia mais sagrado do ano – até mais do que os dias festivos judaicos –, pois é o dia do Rei do Universo. Já os outros dias sagrados do calendário judaico estão ligados ao Povo Judeu: celebram ocasiões especiais ou eventos milagrosos que D’us realizou em nosso benefício. O Altíssimo, de certa forma, se junta a nós para celebrar tais datas, tornando-as “festas para o Eterno” (Levítico 23:4) – dias de comunhão entre os Filhos de Israel e o Eterno. Mas o Shabat, em sua essência, não está ligado ao Povo Judeu: o Sétimo Dia precede a criação física do ser humano. O Shabat é o dia do Eterno, que Ele santificou após ter finalizado a Criação do Universo. Graças a seu grande amor por nós, D’us nos convida para compartilhar Seu dia com Ele. Esse é um dos significados do verso que utiliza linguagem metafórica e antropomórfica para descrever a Criação: “[O Shabat] é um sinal entre Mim e os Filhos de Israel para sempre, pois em seis dias fez D’us os Céus e a Terra, e no sétimo dia, cessou de sua obra e repousou” (Êxodo 31:17).

A própria palavra hebraica Shabat está associada a Shuv, “retorno”, que é a raiz de Teshuvá, que significa o retorno a D’us. Essa associação de palavras revela um dos propósitos fundamentais do Shabat: o retorno à Fonte Primária e Suprema. Pois o Shabat serve para nos lembrar, constantemente, de que foi D’us quem criou os Céus e a Terra e que, portanto, toda a existência pertence a Ele e Dele depende. Esse conceito é elucidado por Rabi Chaim ibn Attar, o Ohr HaChaim. Em seus comentários sobre o primeiro Shabat da Criação, esse talmudista e cabalista sefaradi escreve que, no Gênese, D’us criou um Universo que permaneceria em existência por apenas seis dias.

No sétimo dia da Criação, o Altíssimo criou o Shabat, que, a cada semana, provê ao Universo uma fonte de vida que lhe permite existir por mais seis dias. Portanto, o Shabat é o canal Divino utilizado para manter o Universo. Na ausência do Shabat, o mundo revertia à não existência.

Os seis dias mundanos da semana judaica – que se iniciam quando termina o Shabat, no sábado à noite, e terminam na sexta-feira, antes do pôr do sol, quando começa o Sétimo Dia – são caracterizados pela descida da plenitude Divina ao mundo. Durante esses seis dias, o homem tem como missão consertar e retificar a existência. Isso engloba não apenas a tarefa de melhorar o mundo de forma física e tangível, por meio de esforços e atos construtivos, como exercer uma profissão que contribua com a sociedade, mas também o trabalho espiritual – a busca pelo autoaperfeiçoamento. No âmbito da alma humana, cabe ao homem empregar grandes esforços para se corrigir. Essa incessante correção de falhas – o trabalho de aperfeiçoamento de caráter e comportamento – constitui um esforço criativo constante. 

A missão de corrigir tanto o mundo como a própria alma do homem – que é o microcosmo da Criação –, exige ação, ou seja, atos construtivos. O Shabat, por outro lado, fundamenta-se na passividade – na autoanulação perante a santidade. Durante a maior parte do dia sagrado, oramos e estudamos a Torá, que são mandamentos cumpridos por meio de pensamentos e palavras. Mesmo as orações de Shemonê Esreh (a Amidá) de Shabat são bastante curtas: abordam a santidade do dia e a recompensa prometida àqueles que o guardam, e não mencionam os muitos pedidos e anseios, tanto materiais quanto espirituais, que expressamos na Amidá recitada nos seis dias mundanos da semana.
O motivo disso é que a própria habilidade de receber a essência espiritual do Shabat advém da autoanulação e da disposição e habilidade de se render perante o Eterno: o ato do homem de abdicar de seu estado humano e mundano perante a Santidade Divina, por meio do qual todos os mundos, tanto o nosso mundo físico quanto os espirituais, são elevados. Por um lado, são os seis dias que precedem o Shabat que permitem ao homem aperfeiçoar o mundo e sua própria alma. Por outro, o Shabat é a fonte da plenitude para os seis dias da semana que o seguem. Se não existisse o Shabat, o mundo se esgotaria, tanto física como espiritualmente. Sem o Shabat, não haveria renovação e, portanto, o mundo estaria desprovido da energia necessária para continuar a existir.

Muitas pessoas não compreendem ou interpretam mal a importância e o propósito do Shabat. Aqueles que desconhecem as dimensões místicas do dia sagrado podem acreditar que o propósito do Shabat é o mesmo que o dos dias do fim de semana. Infelizmente, há pessoas que opinam que o Shabat é um costume arcaico, instituído em uma época em que os seres humanos eram obrigados a trabalhar sete dias por semana. Tal conceito é errôneo. O Shabat é o dia de D’us, instituído já no Sétimo Dia da Criação, milênios antes de a Torá ser outorgada no Monte Sinai. De fato, a santidade do Shabat, como a luz do sol, é uma dádiva que independe dos seres humanos. Além disso, sua santidade é comparável à de uma localização sagrada, como, por exemplo, a cidade de Jerusalém: é algo intrínseco, imutável, mas é perceptível apenas àqueles que estão abertos à espiritualidade.

É difícil, e, em certos casos, até impossível, transferir santidade, especialmente quando algo é consagrado não pelo homem, mas pelo Altíssimo. Por exemplo, nenhuma cidade, nem mesmo na Terra Santa, pode tomar o lugar de Jerusalém. Da mesma forma, nenhum edifício, independentemente de quão belo ou grandioso seja, pode substituir o Templo Sagrado. De modo análogo, nenhum dia pode substituir o Shabat. Mas apesar da qualidade de santidade ser um conceito objetivo, o grau de santidade que o ser humano pode presenciar depende de seu preparo e de sua abertura espiritual. Pode-se viver em Jerusalém e nunca desfrutar da santidade da cidade e de seus locais sagrados; pode-se acreditar que a cidade não é diferente de qualquer outra. O mesmo vale para o Shabat. Por outro lado, quanto mais intensa e sincera for a busca pela espiritualidade durante os seis dias mundanos da semana, mais fácil será sentir a santidade do Shabat. E quanto mais alto for o nível espiritual de um judeu, mais aguçada será sua percepção da elevação de todos os mundos no Sétimo Dia.

Como mencionamos anteriormente, Shabat é o dia que manifesta a Sefirá de Malchut, Realeza. Esse canal de energia Divino representa a Shechiná – a Presença Divina em nosso mundo. Além de ser a última Sefirá, Malchut é também um receptáculo que absorve todas as Sefirot que a precedem. Malchut é, por vários motivos, uma Sefirá bastante diferente das demais: é a única Sefirá emocional “feminina”, e, como o Shabat, o dia ao qual está associada, é considerada “passiva”.

A analogia a seguir facilita a compreensão da associação entre Shabat e Malchut e do fato de tal Sefirá ser considerada “feminina” e “passiva”. É o homem que engravida a mulher: ele é, aparentemente, o agente, o criador da vida. Contudo, na realidade, é a mulher que, após um período de espera, produz uma vida, dando à luz  um ser humano. A mulher desempenha o papel principal na criação de seres humanos. Analogamente, Malchut é um receptáculo que recebe de todas as outras Sefirot, mas é ela quem direciona e transmite uma luz unida para o mundo, harmonizando todos os outros atributos Divinos que absorveu, projetando-os para baixo, para dentro da Criação. Da mesma forma que é a mulher que serve como o canal para a criação da vida, Malchut é o instrumento por meio do qual ocorre o processo contínuo de Criação do Universo. O mesmo conceito se aplica a Shabat, o dia que reflete a Sefirá de Malchut. O Sétimo Dia é o dia da passividade, mas é o meio pelo qual o mundo é recriado – o que permite que continue a existir pelos próximos seis dias.

À luz do que foi explicado acima, podemos vislumbrar o papel fundamental que o Shabat exerce em toda a Criação. Voltando à analogia: assim que a mulher engravida, há um período de gestação de aproximadamente nove meses. Da mesma forma, sabe-se que após semear, é necessário aguardar um período de tempo antes de poder colher. Se tais períodos de espera não forem respeitados, não nascerá uma criança e não haverá uma colheita. Tal lição vale para o Shabat. D’us ordenou que o homem trabalhasse durante os seis dias mundanos da semana para aperfeiçoar tanto o mundo quanto a si próprio. Contudo, o mundo, assim como uma mulher que engravidou, necessita de um período de gestação, que dura um dia por semana. Se tal período de passividade não for respeitado – se o Sétimo Dia não for observado conforme a Vontade Divina, que é transmitida para o homem por meio da Torá –, o mundo não será recriado e a humanidade não poderá semear o que plantou, espiritual ou fisicamente.

A noite do Shabat

Shabat é a manifestação da Sefirá feminina de Malchut, a Shechiná – um termo que denota a presença iminente de D’us no mundo. Não surpreende, portanto, o fato de a mulher desempenhar um papel fundamental no cumprimento da observância do dia sagrado. Um dos mais importantes mandamentos do Sétimo Dia é o acendimento das velas antes do pôr do sol, na sexta-feira. Esse mandamento deve ser cumprido pela esposa do lar e suas filhas. As velas, símbolos da santidade do dia, enfatizam a luz do Shabat e a missão singular da mulher como “representante” da Shechiná.

Na noite do Shabat, o lar de uma família judia deve se transformar em um santuário. A mesa em que é posta a chalá, os pães trançados, e as velas de Shabat, simbolizam dois dos principais elementos do Templo Sagrado: o Lechem HaPanim – os doze pães que eram ingeridos pelos Cohanim, os sacerdotes, todo Shabat, e que representavam o sustento do homem – e a Menorá – o candelabro de sete braços que simbolizava a Sabedoria Divina, a Torá.

Um dos principais rituais do Shabat é o Kidush, recitado sobre um copo de vinho. Nossos Sábios ensinam que o Kidush de sexta-feira à noite é o próprio cumprimento do quarto dos Dez Mandamentos: “Lembre-se do dia do Shabat para santificá-lo”. O Kidush, que literalmente significa “separação” ou “santificação”, enfatiza a diferença entre os seis dias mundanos da semana e o sétimo, sagrado. A cerimônia do Kidush, além de ser, por si só, o cumprimento de uma Vontade Divina, permite que a alma judia adentre um estado de tranquilidade e receptividade espiritual.

O Kidush é feito sobre um copo de vinho (sendo este, evidentemente, Casher), pois há um conceito no judaísmo de que ideias e princípios devem se traduzir em atos. Portanto, a santificação do Shabat, o Kidush, ocorre não apenas por meio da recitação de trechos sagrados, mas também pela ingestão de vinho. Além disso, o vinho do Kidush lembra as libações de vinho que eram ofertadas no Templo Sagrado.

O copo do Kidush simboliza a Shechiná – o receptáculo por meio do qual, e no qual, é transmitida a bênção Divina. Dentro do copo é despejado o vinho, que evoca a fartura, a plenitude e o poder que advêm de fontes espirituais, sobrenaturais. O vinho tinto expressa, de certa forma, um aspecto da segunda Sefirá emocional, Guevurá – Poder, Justiça e Severidade. Portanto, há um costume cabalístico de despejar um pouco de água sobre o vinho do copo do Kidush. De acordo com a Cabalá, a água representa a primeira Sefirá emocional, Chessed – Bondade e Amor. Uma pequena quantidade de água é despejada sobre o vinho para amenizar a Guevurá – para criar harmonia entre as duas primeiras Sefirot emocionais.

Rabi Yehudá Lowe, o Maharal de Praga, um dos maiores cabalistas e Sábios de todos os tempos, conhecido por ter criado o Golem, explica um motivo por que se utiliza o vinho no Kidush. O Maharal ensina que essa bebida é singular pelo fato de ser não meramente um produto da uva, mas sua própria essência. Em seu estado natural, a uva é uma fruta como qualquer outra. Antes de ingeri-la, recitamos a bênção Bore Peri Ha’Etz, que vale para qualquer fruta que cresça em uma árvore. Contudo, a uva oculta dentro de si suco que pode se transformar em vinho, um produto que, na linguagem antropomórfica do Talmud, “traz alegria a D’us e ao homem”. Isso significa que a essência e o potencial da uva são muito maiores do que ela própria. A bênção feita sobre o vinho, Bore Peri Ha’Guefen, é singular, pois a essência da uva supera seu estado natural.

O mesmo é verdadeiro, explica o Maharal, sobre o homem. Como a uva, o corpo do homem oculta uma alma, que é sua essência. O ser humano pode ignorá-la e até feri-la. Mas também é dada ao homem a opção de elevá-la e purificá-la a tal ponto que mesmo o corpo que a encobre seja santificado, permitindo que o ser humano viva neste mundo material e, simultaneamente, acima dele. Além disso, por meio do Shabat, o homem pode se tornar a própria alma do mundo, dando vida à existência, para que ela possa continuar a existir pelos seis dias que seguem o Sétimo Dia. Por esse motivo, explica o Maharal, a santidade do Shabat é proclamada por meio do vinho.

Cabe lembrar que, durante a recitação do Kidush, todos os presentes permanecem de pé, pois sua recitação (em particular, a do trecho de Vayechulu) serve de testemunho de que D’us criou os Céus e a Terra, e, de acordo com a Lei Judaica, toda pessoa deve permanecer de pé enquanto presta testemunho.

O dia do Shabat

De acordo com o judaísmo, a escuridão da noite simboliza a ocultação. A noite de Shabat, horas de escuridão, é comparada a um dos símbolos da Shechiná – a lua, que não possui luz própria. Já que a noite de Shabat, como a lua, não possui sua própria luz, ela recebe e é preenchida pela luz do dia do Shabat, o dia seguinte. Mas já que a iluminação é sentida de forma mais contundente do que a própria fonte de luz – à noite, por exemplo, percebemos a iluminação advinda da lua e não a fonte de luz que ela reflete – é comum sentir a santidade do Shabat de forma mais intensa na sexta-feira à noite do que no sábado. Esse fenômeno também se deve ao elemento de novidade – a transição dos seis dias mundanos da semana para o Shabat.

O dia de Shabat, em contraste com a noite anterior, representa não a iluminação, mas a própria luz do Sétimo Dia. Em tal dia, encontramo-nos na presença do próprio Altíssimo, acima e à parte de todos os mundos, em um nível denominado pela linguagem da Cabalá de Atiká Kadishá – “o Sagrado Ancião”. Esse termo se refere a Keter (Coroa) – uma Sefirá tão elevada que nem sequer é considerada uma das 10 Sefirot. Keter é a fonte de todo prazer e desejo. Esse nível se manifesta dentro da alma por meio da ligação com o prazer intrínseco do próprio dia do Shabat. Portanto, a refeição do dia de Shabat, que é realizada após as rezas matinais na sinagoga, é denominada de a refeição de Atiká Kadishá, pois nela, o homem deve desfrutar do nível do Eterno – a Fonte de todos os prazeres.

Um Kidush também é recitado antes da refeição do dia de Shabat. Esse Kidush é chamado de Kidush Rabá, o “Grande Kidush”, mas, na realidade, o texto recitado é curto.

A tarde do Shabat

Seudat Shlishit, a terceira refeição do Shabat, ocorre logo após a oração da tarde, Minchá. Essa refeição, como a do dia do Shabat, é conduzida antes do pôr do sol. Ensina a Cabalá que durante essas horas, as glórias de todo o Shabat se concentram.

Diz-se sobre tal refeição: “Eu os sustentarei com a herança de Jacob seu pai” (Isaías 58:14), que se refere a uma herança ilimitada, como consta na Torá sobre nosso Patriarca: “Você se espalhará para o oeste e o leste, o norte e o sul” (Gênese 28:14). A partir desse nível de herança ilimitada, o Shabat ilumina os seis dias mundanos que o seguem.

A luz e a revelação do Shabat atingem seu ápice no crepúsculo. Nos dias da semana, a tarde é um período em que a benevolência Divina é gradualmente sobreposta pela severidade Divina. O período da tarde dos dias da semana é um momento de vitalidade minguante, associada à Sefirá de Guevurá. No Shabat, contudo, ocorre exatamente o oposto: o horário da tarde do Sétimo Dia é considerado o ponto máximo do dia sagrado – o momento da “graça Divina” – de iluminação suprema. Não é um momento de severidade Divina, mas, muito pelo contrário, “um descanso de paz, tranquilidade, serenidade e segurança”, como recitamos na oração da Amidá de Minchá do Shabat. Desde a época talmúdica, as pessoas se congregavam na sinagoga antes de Minchá para estudar a Torá. Durante a terceira refeição do Shabat, é costume se aprofundar em assuntos relacionados à Torá e à fé.

A Despedida do Shabat

Quando termina o Shabat, é realizada a cerimônia da Havdalá, que literalmente significa “separação”. De certa forma, corresponde ao Kidush de sexta-feira à noite.

A Havdalá serve para distinguir o Sétimo Dia sagrado dos demais, mundanos, que estão prestes a se iniciar. Por meio de tal ritual religioso, homenageamos o Shabat ao acompanhá-lo em sua partida, da mesma forma que fomos recebê-lo no dia anterior, por meio das orações na sinagoga e do Kidush. É digno de nota o fato de darmos as boas-vindas ao Shabat e de nos despedimos dele por meio da luz – as velas de Shabat e a tocha da Havdalá, respectivamente. Assim, cumprimos o mandamento de: “Glorifique o Eterno com luz” (Isaías 24:15).

A recitação da Havdalá e os objetos utilizados para cumprir esse mandamento – o vinho, a vela trançada e as especiarias – auxiliam a alma a fazer a transição do Shabat para os dias da semana. O propósito dessa cerimônia é trazer a luz do Shabat para dentro do mundano, para que os dias da semana não sejam inteiramente cinza, desprovidos de cor, e sim, iluminados pela luz do Sétimo Dia. Por esse motivo, a Havdalá costuma ser seguida por orações e apelos ao Divino para que a semana que se iniciou caminhe bem.

Desde a época talmúdica, era comum fazer uma refeição especial após o término do Shabat – a “quarta refeição do Shabat”, denominada em muitas fontes judaicas de Seudat Melaveh Malka – a refeição para escoltar a Rainha. (O Shabat, que reflete Malchut, a Sefirá “feminina” de Realeza, é frequentemente chamada de “Rainha”). Essa refeição é também conhecida como a “refeição do Rei David”, pois complementa as três refeições de Shabat, que representam os três Patriarcas, Avraham, Isaac e Jacob. A Cabalá ensina que a Carruagem Divina contém “quatro rodas” – os três Patriarcas e o Rei David. Há, portanto, uma quarta refeição, associada à quarta roda da Carruagem Celestial. Como a Havdalá, a Seudat Melaveh Malka é feita em homenagem ao Shabat – uma despedida com celebração e alegria. Da mesma forma que se recebe o Shabat com muita alegria e com uma refeição – o Kidush e o jantar de sexta-feira à noite – o Povo Judeu se despede do dia sagrado com uma refeição festiva – a Refeição da Escolta da Rainha.

A Lei Judaica determina que a Seudat Melaveh Malka deva ser preparada da mesma forma pela qual foram preparadas as outras refeições de Shabat: a mesa deve ser posta, mesmo que não se coma muito. É costume utilizar dois pães para essa refeição, como nas outras três refeições de Shabat. Também é costume continuar vestindo os trajes de Shabat durante Seudat Melaveh Malka.

Os Sábios enfatizaram a  importância dessa refeição e os benefícios espirituais recebidos por aqueles que a conduzem meticulosamente. Os místicos ensinam que o alimento ingerido durante a Seudat Melaveh Malka sustenta um certo osso humano chamado de luz. Não se sabe exatamente onde fica localizado tal osso. O que é significativo é que a luz tem a qualidade singular de não se decompor após a pessoa falecer. Ensina-se que quando houver a Ressurreição dos Mortos, na Era Messiânica, D’us utilizará tal osso para reconstruir os corpos daqueles que faleceram.

Shabat e o Sétimo Milênio

O Talmud ensina que os seis dias da Criação correspondem aos seis mil anos de história humana. O sétimo dia, Shabat, corresponde ao sétimo milênio, o “dia em que todos os dias serão Shabat”.

Em seu comentário sobre a Torá, Nachmanides cita o verso dos Salmos que afirma: “Mil anos em Seus olhos são como um dia que se passou” (Salmo 90:4), e explica como cada um dos seis dias da Criação está associado a um dos milênios da história humana.

Shabat, o dia sagrado de descanso e deleite, é o sétimo e último dia da semana. Corresponde ao sétimo milênio, a Era Messiânica – a era em que todo o mundo será permeado pela Shechiná – a Presença Divina. Nesses mil anos, a santidade, a bondade e o deleite preencherão o mundo e a humanidade nunca mais conhecerá o sofrimento e a morte.
A Torá nos ordena trabalhar durante os seis dias da semana, para que possamos nos aperfeiçoar e melhorar o mundo que nos foi confiado por Aquele que o criou. O sétimo dia, Shabat, é um alívio garantido que ocorre ao final da semana. O mesmo vale para a história da humanidade. Por quase seis mil anos, a humanidade trabalhou para melhorar o mundo e tornar a vida nele melhor para seus habitantes. Com o advento do sétimo milênio, os seres humanos, judeus e não judeus, poderão desfrutar dos frutos de seu trabalho.

De fato, a história humana tem início e destino – um destino feliz para todas as pessoas de bem. Por meio do Shabat, foi dado ao Povo Judeu um vislumbre do Mundo Vindouro – a utopia que muito em breve chegará. Toda semana, durante um dia, somos lembrados do propósito máximo e do destino da Criação – a era em que o mundo todo será aperfeiçoado e se deleitará com a Luz do Infinito.

Bibliografia:
Rabi Steinsaltz, Adin (Even Israel), The Miracle of the Seventh Day: A Guide to the Spiritual Meaning, Significance and Weekly Practice of the Jewish Sabbath, Jossey Bass
Rabi Steinsaltz, Adin (Even Israel), The Mystical Meaning of Shabbat, Merkos L’Inyonei Chinuch
Rabi Finkelman, Shimon The Sabbath – Its Essence and Significance, Artscroll Mesorah Series