Em outubro de 2012, a Hadassah celebrou o seu centenário de fundação. Hoje, a instituição, que fez de sua trajetória um exemplo de idealismo, determinação e solidariedade, conta com 400 mil membros, um orçamento de centenas de milhões de dólares e está presente em mais de 30 países.
A entidade, que se tornaria a maior instituição feminina judaica do mundo e a maior organização sionista dos Estados Unidos, foi criada em Nova York, em fevereiro de 1912, por um grupo de 30 mulheres reunidas numa das salas do Templo Emanu-El. Naquele dia de inverno, sob a liderança de Henrietta Szold, elas traçaram as primeiras diretrizes. Seus objetivos, na época arrojados, eram melhorar as péssimas condições de vida da população judaica em Eretz Israel, principalmente de mulheres e crianças. Nas décadas seguintes, com determinação e energia ilimitada como voluntárias da Hadassah- Organização das Mulheres Sionistas da América (Women’s Zionist Organization of America) - desempenharam um papel fundamental no desenvolvimento da infraestrutura de saúde e bem-estar social na Terra de Israel.
Lançando as bases
A fundadora e alma da organização foi Henrietta Szold, filha mais velha do rabino Benjamin Szold, um dos líderes da comunidade judaica de Baltimore. Com uma mente brilhante e inquiridora, ela era extremamente culta e falava alemão e hebraico, além do inglês. Seu pai lhe transmitira os ensinamentos do Talmud e História Judaica, algo raro entre as moças da época. Professora, assistente social, escritora com colaborações regulares para um jornal judaico de Nova York, o Jewish Manager, Henrietta já era uma ativista respeitada e dinâmica, acompanhando atentamente a luta dos pioneiros judeus na Terra de Israel quando decide conhecer Eretz Israel.
Em novembro de 1909, com 49 anos, chega pela primeira vez a Eretz Israel, em companhia de sua mãe. Ao chegar, ficam horrorizadas com a “miséria, a sujeira e as doenças” que viram em sua volta. No entanto, em visita à Escola Feminina, em Yaffo, constataram que as alunas não haviam contraído muitas das moléstias que atingiam as crianças locais graças ao atendimento médico regular que recebiam na escola. Sua mãe, então com 77 anos, disse-lhe: “Isto é o que o seu grupo deve fazer. Para que serve ficar lendo jornais e organizando festividades? Deviam fazer trabalho prático aqui na Palestina”. O grupo de Henrietta, ao qual ela se filiara em 1907, chamava-se Filhas de Tzion, um círculo de estudos para mulheres que se reunia para discutir os manifestos sionistas.
Ao retornar a Baltimore, Henrietta reassumiu suas atividades, sendo nomeada secretária da Federação Sionista dos Estados Unidos. As condições de vida das comunidades judaicas de Eretz Israel, no entanto, não lhe saíam da mente. Em uma carta enviada a uma amiga ainda durante a viagem, escrevera: “Aqui há homens e mulheres heróicos que fazem um trabalho de grande valor. Se ao menos eles fossem ajudados de forma mais inteligente pelos judeus americanos e europeus... Depois de ver com meus olhos, a concretização do sionismo me parece ser um objetivo mais difícil do que julgava anteriormente. E finalmente estou mais convencida do que nunca de que se não for o sionismo, não há nada a se fazer – será a extinção dos judeus”.
Henrietta vislumbrou um plano: o envio de enfermeiras à região, profissionais treinadas e capacitadas que viveriam e trabalhariam em meio à população. O projeto se inspirara no “sistema de enfermeiras distritais itinerantes”, implementado com sucesso nas comunidades pobres de Nova York. Esse sistema tinha um escopo a um só tempo social, educacional e higienista. Apresentou esse plano ao seu grupo e a outras ativistas sionistas. Após dois anos de planejamento, Henrietta e as fundadoras da nova organização convidaram um grupo de mulheres judias a participar de uma reunião, em fevereiro em 1912. Entre as fundadoras estavam Alice Selingberg, que se tornou a segunda presidente da entidade; Ruth Fromenson, Florence Brodie e Rose Jacobs, que, além de servir como presidente em vários mandatos, foi a primeira mulher a fazer parte do Executivo da Agência Judaica.
Na reunião inicial, Henrietta Szold pediu às presentes que abraçassem a causa do “sionismo prático”, um trabalho proativo que tinha como objetivo primordial atender as necessidades básicas de saúde da população da então Palestina, em particular suas mulheres e crianças. Henrietta foi eleita presidente e o grupo decidiu que passaria a se chamar Capítulo Hadassah das Filhas de Sion. Hadassah era o nome hebraico da rainha Esther. Em 1914, a entidade passou a se chamar Hadassah – Organização de Mulheres Sionistas da América.
A Hadassah tinha mais um objetivo: transformar as mulheres judias da América, fazendo do sionismo o pilar de sua identidade. As primeiras integrantes da organização eram filhas de imigrantes alemães, já nascidas nos Estados Unidos. Naquela época, além de serem escritoras, professoras e assistentes sociais, poucas eram as profissões consideradas “adequadas” para uma mulher. E, além disso, essas mulheres judias tinham um senso de responsabilidade social, que elas expressavam através do trabalho voluntário e da filantropia. O que Henrietta pretendia era canalizar suas energias e a de todas as mulheres judias para a causa sionista.
Os primeiros anos
Em dezembro de 1912, menos de um ano após sua fundação, o renomado filantropo Nathan Strauss lança um desafio à organização: se a Hadassah conseguisse encontrar uma enfermeira disposta a viver em Eretz Israel e a entidade pudesse pagar seu salário, ele pagaria a viagem e custearia a abertura de uma clínica em Jerusalém. Segundo seus cálculos, a entidade precisaria de cerca de US$ 2.500. Na época, a Hadassah tinha em caixa apenas US$ 238 e menos de três semanas para arrecadar o restante, pois Strauss e sua esposa Lina partiriam para Jerusalém e uma das condições era que a enfermaria os acompanhasse.
A primeira campanha realizada foi um sucesso. Com os recursos levantados, conseguiram enviar duas enfermeiras e ainda tinham caixa para pagar seus salários durante cinco anos. No dia 16 de janeiro de 1913, Rose Kaplan e Rachel Landy, duas conceituadas profissionais, acompanhadas por uma das fundadoras, Alice Seligsberg, partem com o casal Strauss para Eretz Israel.
Na época, viviam na então Palestina, ainda parte do Império Otomano, 60 mil judeus em meio a uma população total de 600 mil pessoas. As condições de vida eram lamentáveis. Pobreza, falta de saneamento básico e doenças faziam parte do cotidiano de árabes e judeus. Mulheres e crianças eram as que mais sofriam: era elevado o número de mulheres que morria durante ou logo após o parto e a taxa de mortalidade infantil era inaceitavelmente alta – quatro em cada dez crianças não completavam um ano de vida.
Logo após sua chegada, Rose Kaplan e Rachel Landy abriram a primeira clínica, “Nurse’s Settlement” (Assentamento das Enfermeiras), em Jerusalém. Além de atender os doentes, começaram a treinar voluntários e parteiras e a ensinar noções básicas de higiene, saúde e aleitamento. A prioridade da clínica eram casos clínicos relacionados à maternidade e de tracoma, doença oftalmológica muito comum no Oriente Médio. Altamente contagiosa, se não for tratado em seus estágios iniciais, o tracoma pode levar à cegueira. Em setembro de 1913, dez mil pacientes já haviam passado pela clínica e a visão de cinco mil crianças fora preservada.
Desde o início de suas atividades, as integrantes da Hadassah consideravam suas ações na educação, saúde, assistência social e bem-estar da criança como contribuição vital feminina à causa sionista. Outras instituições sionistas americanas não compartilhavam das prioridades da organização e acusavam-na de desviar atenção, energia e recursos de outras áreas importantes do sionismo, como agricultura e assentamentos. Mas suas voluntárias permaneceram firmes e leais às suas convicções e o tempo mostrou que sua atuação também foi vital para a criação de um estado judeu em Eretz Israel.
Ampliando o leque de atividades
Com a eclosão da 1ª Guerra Mundial, a vida dos judeus na então Palestina piorou dramaticamente. Em setembro de 1915, a clínica teve que fechar e a comunicação entre a Hadassah e os EUA foi interrompida. Com a deterioração das condições de vida dos judeus na região, a Organização Sionista Mundial fez um apelo à Federação Sionista Americana para o envio de equipes e recursos médicos à região. Por sua vez, a Federação pediu à Hadassah que assumisse a tarefa, pois era a única organização sionista que tinha alguma experiência no campo da mobilização médica. A partir desse momento, a instituição passou a atuar na assistência médica.
Depois que o exército britânico conquistou Jerusalém, em dezembro de 1917, a liderança da Hadassah inicia os preparativos para o envio de profissionais e suprimentos a Eretz Israel.
A Unidade Médica Sionista Americana (American Zionist Medical Unit – AZMU), como foi chamada a missão encabeçada porAlice Seligsberg, chega à então Palestina em agosto de 1918. Era composta de 45 médicos e enfermeiras, dentistas e engenheiros sanitaristas, além de levar, também, 400 toneladas de suprimentos – medicamentos, equipamentos médicos e roupas, entre outros itens. Imediatamente a AZMU começou a atuar como um hospital itinerário atendendo pacientes e implantando programas de atendimento permanente de saúde e assistência social. Desde o princípio, a Unidade atendia toda a população, judeus, árabes e cristãos, sem qualquer discriminação, ainda que não tenham sido poucas as vezes em que médicos e enfermeiras, além das instalações, terem sido alvo de violência por parte de extremistas árabes.
Em 1920, a própria Henrietta vai a Jerusalém para supervisionar a Unidade Médica Sionista Americana que, em 1919, passara a se chamar Organização Médica Hadassah (Hadassah Medical Organization – HMO). A HMO transformaria o atendimento médico na então Palestina, tornando-se o núcleo do sistema de saúde do futuro Estado. Em 1948, quando Israel conquistou sua independência, a instituição já tinha aberto mais de 130 hospitais, clínicas, centros para atendimento infantil e abrigos para os carentes, além de instituir inúmeros programas de atendimento social.
A Hadassah tinha “portas abertas” para atuar na área de educação, saúde e bem-estar social, porque a autoridade britânica, que controlava a então Palestina, relutava em fazer investimentos para desenvolver a infraestrutura necessária para o bem-estar da população, preferindo que tanto árabes quanto judeus assumissem os gastos e a responsabilidade pelos serviços e instituições essenciais. Apesar de sua prioridade ainda ser a melhora das condições de vida e de saúde das mulheres e crianças do Yishuv, a organização assumiu e desempenhou um papel importantíssimo para a implantação das bases de um sistema social viável em Eretz Israel.
Na área educacional, além de programas educativos sobre hábitos de higiene, em 1918 foi aberta uma Escola de Treinamento de Enfermeiras em Jerusalém, a primeira de nível superior para mulheres, em Israel. No mesmo ano, ainda em Jerusalém, no antigo Edifício Rothschild – que estava sendo usado como estábulo – foi aberto o primeiro Hospital Hadassah; e, logo em 1921, seria aberto um outro em Tel Aviv. A instituição foi responsável, também, pela abertura de unidades para tratamento de tuberculose. Na década de 1920, implantou clínicas para atendimento pediátrico, unidades para processamento de leite pasteurizado, além de inúmeros programas, entre os quais a distribuição de merenda escolar e leite pasteurizado para mães e bebês (Gota de Leite, em hebraico, Tipat Halav).
Em 1926, após ser convidada para assumir o Departamento de Saúde e Bem-Estar Social do Congresso Sionista Mundial como integrante do Conselho Executivo da instituição, na então Palestina, Henrietta renuncia à presidência da Hadassah. Mas, apesar de abrir mão de sua posição oficial, continua a ser a força motriz da entidade, seu coração, seu espírito e sua alma até a sua morte, em 1945.
Na década de 1930 a situação dos judeus na Alemanha fez com que a Hadassah ampliasse ainda mais seu leque de ação. Em 1932, Recha Freier, judia alemã, pediu ajuda à Hadassah na realização de operações de resgate de jovens judeus da Alemanha. Henrietta Szold é nomeada diretora da Aliat Hanoar, a Aliá Juvenil. A meta era retirar da Europa o maior número possível de crianças e jovens judeus e levá-los para a então Palestina. Em 1934, os primeiros jovens chegam a Eretz Israel e são recebidos pela própria Henrietta. Entre 1934 e 1939, quando se inicia a 2ª Guerra Mundial e as portas da Europa se fecham, a Aliat Hanoar consegue resgatar cerca de cinco mil crianças e jovens. Hadassah foi a única entidade americana a atuar na Aliat Hanoar. Às vésperas da 2ª Guerra Mundial, a organização já contava com 66 mil membros e era a maior instituição sionista dos EUA.
Após a guerra, ajudou a resgatar, abrigar e educar milhares de jovens judeus sobreviventes da Shoá. Esse trabalho preparou a instituição para auxiliar no processo de absorção dos filhos dos refugiados vindos do Oriente Médio e do Norte da África, ao longo da primeira década de existência do Estado de Israel. Desde 1935, a Aliat Hanoar ajudou mais de 300 mil crianças e, atualmente, atende cerca de 12 mil adolescentes e jovens no país.
A Organização e Israel
O massacre do comboio médico da Hadassah durante a Guerra de Independência de Israel foi um dos momentos mais difíceis de sua história. Nos meses que antecederam a declaração de Independência de Israel, forças árabes, com a tácita aprovação britânica, passaram a ocupar posições estratégicas. Entre outros, bloquearam o acesso ao Hospital Hadassah e ao campus da Universidade Hebraica de Jerusalém, no Monte Scopus. Em 13 de abril de 1948, um comboio escoltado pela Haganá, transportando médicos e suprimentos, caiu em uma emboscada. O saldo foi trágico: 79 médicos e enfermeiras judeus, além de um soldado britânico, foram assassinados a tiros ou morreram queimados quando os veículos foram incendiados. Com o acesso ao Monte Scopus totalmente interrompido, a Hadassah transfere seu atendimento para cinco hospitais temporários, ao redor de Jerusalém.
Com a criação do Estado de Israel, em maio de 1948, a organização amplia novamente suas atividades, executando projetos novos e arrojados. Em 1939, inaugura, no Monte Scopus, em Jerusalém, o Hospital Universitário Rothschild-Hadassah, o primeiro centro médico e hospital-escola do país. Várias outras instituições de nível internacional são abertas nas décadas seguintes. Em 1952 a Hadassah transfere ao governo israelense sua rede de 134 clínicas de atendimento à saúde.
Em 1961, é aberto o Centro Médico Hadassah-Universidade Hebraica de Jerusalém em Ein-Kerem. No ano seguinte, como parte do cinquentenário de fundação da instituição, nele foi inaugurada uma sinagoga com magníficos vitrais com desenhos de Marc Chagall retratando as 12 tribos de Israel. Depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, e a retomada por Israel da parte oriental de Jerusalém, começaram as obras de reconstrução do campus no Monte Scopus. O novo hospital foi inaugurado em 1975.
O ano de 1983 registra mais um marco na história da Hadassah, com a abertura de núcleos fora das fronteiras americanas. A Associação Médica de Ajuda Internacional Hadassah, atualmente denominada Hadassah Internacional, atua em mais de 30 países, centrando suas atividades, principalmente, no setor de arrecadação de fundos para projetos em Israel e no exterior.
Ao longo das décadas de 1980 e 1990, a organização teve que enfrentar novos desafios. As gerações mais jovens de mulheres, cada vez mais presentes no mercado de trabalho, não encontravam tempo para o ativismo voluntário. Para atraí-las, a entidade passou a criar e intensificar programas nos Estados Unidos. A proteção ao meio ambiente, imigração e pesquisas de células-tronco passaram a fazer parte de sua agenda. Foram implantados, ainda, abrigos para mulheres e programas de alfabetização. Em 1997, a instituição criou o primeiro centro de pesquisa universitário sobre a mulher judia, denominado International Research Institute of Jewish Women, posteriormente renomeado Instituto Hadassah-Brandeis.
Arrecadadora e gerenciadora de um significativo volume de recursos financeiros injetados na estrutura médica do Estado de Israel, a Hadassah ainda mantém programas e projetos nas áreas de saúde, educação e formação profissionalizante em Israel e nos EUA. Em Israel, seus dois hospitais – o Hospital Universidade Hadassah Ein-Kerem e o Hospital Universidade Hadassah Monte Scopus, respondem por mais de um milhão de atendimentos por ano, como símbolo da ardente fé sionista de Henrietta Szold.
Em outubro último, a Organização Médica Hadassah celebrou o centenário de sua fundação. Em uma longa agenda de eventos e celebrações para marcar a data, a mais importante foi, sem dúvida, a inauguração da Torre Hospital Sarah Weisman Davidson, em 19 de março deste ano. Trata-se de um novo complexo de 19 andares, anexo às unidades Hospital Universidade Hadassah Ein-Kerem (Ver Morashá 73). A Torre Sarah Westman Davidson é a resposta da Hadassah para o seu próximo desafio: de que a medicina de amanhã não pode ser praticada com os padrões de ontem.
Bibliografia:
Simmons, Erica B. Hadassah and the Zionist Project, Rowman & Littlefield Publishers, 2006
www.hadassah.org/