Em 1937, um patologista de Berlim, Dr. Friedrich Wegener, identificou uma enfermidade que passou a ser conhecida como Doença de Wegener. No entanto, descobertas posteriores sobre sua atuação durante o período nazista levaram o mundo científico a alterar o nome da doença.
Um dos grandes reconhecimentos na vida de um médico é quando o seu nome é atribuído a uma enfermidade por ele descoberta. Há um grande número de situações deste tipo, sendo uma prática secular, com inúmeros exemplos conhecidos, como a doença de Alzheimer, que provoca perda da memória, ou uma forma de inflamação dos intestinos de natureza crônica, conhecida pelo nome de um famoso gastroenterologista do século passado, Harold Crohn, médico do Hospital Mount Sinai de New York – a doença de Crohn.
Em 2001, na edição de no 33 de Morashá, tive a oportunidade de ser um dos reumatologistas a divulgar mundialmente o embaraço que estava causando na literatura médica o nome atribuído a uma forma de artrite conhecida como síndrome de Reiter. No período do pós-guerra, surgiram sucessivas informações, devidamente confirmadas, de que Hans Reiter tinha sido adepto do líder nazista Hitler e, nessa condição, conduzira experimentos humanos nos campos de concentração. Em reação imediata, várias sociedades médicas sugeriram a mudança do nome do mal em questão para Artrite Reativa.
Outro caso interessante é o de uma forma de inflamação das artérias e veias dos pulmões, seios da face e dos rins, identificada como sendo um tipo específico de inflamação conhecida como granuloma. A identificação desta enfermidade foi feita, em 1937, por um patologista de Berlim, Friedrich Wegener, e passou a ser conhecida como Granulomatose de Wegener (Verhandlungen der Deutschen Patologischen Gesellshaft, 29:202-10,1937). É considerada uma doença autoimune, em que os anticorpos autoanticorpos atacam o próprio corpo.
Após o término da 2ª Guerra, Wegener foi preso pelos aliados, pois havia suspeitas de sua participação e colaboração na medicina nazista. Mas, foi logo libertado, pois os aliados não encontram provas evidentes de sua participação em práticas médicas criminosas. Entretanto, investigações subsequentes e mais recentes capitaneadas pelo Dr. Eric Matteson, reumatologista de um dos mais prestigiosos centros médicos americanos, a Mayo Clinic, mostraram que Wegener foi um nazista “dedicado”.
Ao contrário de outros colegas médicos que tiveram que se filiar ao Partido Nacional Socialista (NSDAP) para poder continuar exercendo a Medicina, Wegener o fez de livre vontade. Em setembro de 1932 já se havia filiado aos “camisas pardas” – a milícia nazista paramilitar que constituía as tropas de assalto no início do nazismo – e em 1º de maio de 1933, logo após a subida de Hitler ao poder, filia-se ao partido nazista, o NSDAP.
Wegener subiu rapidamente na hierarquia nazista, chegando a uma patente militar relativamente alta. Após a Alemanha ter invadido a Polônia, em 1939, ele foi promovido a patologista do exército, baseado em Lodz, nesse país, passando boa parte da guerra em um consultório a três quarteirões do gueto judaico nessa cidade polonesa, onde os nazistas trancafiaram mais de 250.000 judeus.
Segundo o Dr. Matteson, era impossível que Friederich Wegener, um nazista convicto, de alta patente militar e que vivia e trabalhava perto do gueto de Lodz, não soubesse o que estava ocorrendo. A pergunta a se fazer é que papel efetivo que ele teria desempenhado nas atrocidades perpetradas nessa cidade polonesa? Além de sua função militar, ao que tudo indica, Wegener serviu como patologista no Departamento Municipal de Saúde (Gesundheitsamt), que realizava entre 50-100 autópsias por mês. Há provas de que ele realizou autópsias nos judeus do gueto que faleceram enquanto estavam sendo transportados a Chelmno.
O passado nazista de Wegener ficou para trás, e ele se tornou um professor e pesquisador respeitado. Ele faleceu em 1990, aos 83 anos de idade, tendo recebido várias homenagens da Sociedade Inglesa e da Americana de Doenças do Tórax, entre várias outras.
Já há um movimento entre as sociedades médicas para que se substitua o nome da “doença de Wegener” por “Vasculite Granulomatosa associada ao ANCA” – um teste laboratorial de natureza diagnóstica. A Sociedade Americana de Pneumologia tinha um prêmio com o nome de Wegener para jovens pneumologistas, mas o cancelou. Um ano antes de sua morte, em 1989, Wegener recebeu o titulo de Master Physician do Colégio Americano de Médicos do Tórax, do qual também foi destituído.
Na minha produção científica, tenho alguns trabalhos sobre esta enfermidade, mas pretendo também que modifiquem o título dos mesmos. Muitos progressos ocorreram no tratamento desse mal, mas ele pode ter um curso fatal quando ocorrem perdas de resposta ao tratamento. Esperamos que os pacientes em quem este diagnóstico venha a ser feito, não sejam mais classificados como portadores da “doença de Wegener”, mas de “Vasculite Anca positivo”.
Aos que tiverem a oportunidade de ler este artigo, peço que o divulguem, colaborando para que situações desta natureza não continuem a ocorrer. Pessoas esclarecidas não podem homenagear criminosos de guerra ainda que tenham feito descobertas de vulto para a história da Medicina.
Dr. Morton Scheinberg é Clinico e Pesquisador na área de Reumatologia e Imunologia.
Referências:
Scheinberg MA, Maciel S, Kumar V.: Specificity of Anti-Neutrophil Cytoplasmic Antibody (ANCA). Arthritis and Rheumatism, 1999.
Geller Mario, Morton Scheinberg Diagnóstico e Tratamento das Doenças Imunológicas, Editora Elsevier 2005
Lefrak SS, Matteson EL.: Freidrich Wegener: The past and present. Chest, 2007