Desafiado pelo relógio da história com o envelhecimento dos herdeiros do nazismo, Zuroff acelerou nos últimos anos suas ações, e, para isso, deslanchou em 2002 a Operação Última Chance, responsável por relevantes esforços e investigações em países tão distantes como Lituânia, Austrália, Chile e Hungria.
Efraim Zuroff nasceu no Brooklyn, em 1948, e já em sua infância perguntava sobre a história do tio-avô, de quem herdou o nome. Chocado, ouvia os relatos de que seu parente, com a mulher e dois filhos, havia sido assassinado no ano de 1941, em Vilna, por lituanos que colaboravam com os nazistas. Mais de 90% dos 220 mil judeus da Lituânia foram exterminados durante o Holocausto.
Com cicatrizes da herança familiar, Zuroff ingressou na Yeshiva University, para se graduar em história. Em 1970, mudou-se para Israel, onde aprofundou seus estudos sobre o Holocausto na Universidade Hebraica de Jerusalém e abordou os esforços de rabinos norte-americanos naqueles anos de tragédia mundial, promovidos, por exemplo, por meio de um comitê chamado Vaad ha-Hatzalá, montado pela Union of Orthodox Rabbis of the United States and Canada, para resgatar judeus ameaçados pela barbárie nazista. Zuroff editou, em 2000, um livro com o seu trabalho de pesquisa acadêmica, o que lhe valeu diversas premiações, como a da Histadrut, a central sindical israelense.
Zuroff retornou aos Estados Unidos em 1978, para se transformar no primeiro diretor do Centro Simon Wiesenthal, em Los Angeles. Começava então a ganhar corpo o trabalho de um caçador de nazistas. Dois anos depois, o nova-iorquino de quase dois metros de altura desembarcava novamente em Israel, para trabalhar como pesquisador para o Escritório de Investigações Especiais do Departamento de Justiça dos EUA. Sua tarefa consistia em contribuir para a preparação de processos contra criminosos nazistas que viviam em solo norte-americano.
Graças aos esforços de Zuroff, centenas de fugitivos foram identificados também em países como Reino Unido, Austrália e Canadá. Em 1986, ele retornou ao Centro Simon Wiesenthal. Atualmente, dirige o escritório israelense da entidade, que se localiza em Jerusalém. De lá, monitora e avalia as 560 acusações recebidas pela Operação Última Chance ao longo dos últimos oito anos. A maioria delas (199) veio da Lituânia.
Os países bálticos (Lituânia, Letônia e Estônia) corresponderam ao front inicial da operação desencadeada pelo Centro Simon Wiesenthal em conjunto com a Fundação Targum Shlishi, de Miami. Independentes com a desintegração da União Soviética, em 1991, essas repúblicas logo entraram no radar de ação de Efraim Zuroff. E não se tratava de uma questão apenas no âmbito familiar, mas também de um cenário político desafiador.
O pesquisador, que auxiliou ainda nas ações para buscar responsáveis pelo genocídio, em 1994, em Ruanda, exortava as sociedades pós-comunismo da Europa Oriental a encarar o problema de crimes de guerra perpetrados por seus descendentes, muitos deles vivendo no exterior, e que planejavam voltar com o fim da dominação soviética. Alguns países, como a Lituânia e Letônia, chegaram a reabilitar criminosos nazistas, sob o manto da “luta contra a URSS” e da “cruzada pela defesa de valores nacionais”. Em 1991, Zuroff jogou holofotes sobre iniciativas em solo lituano para homenagear colaboracionistas e liderou uma campanha para impedir esse processo, que contaminou mais países bálticos.
O caçador de nazistas também agiu em outra ponta do processo. Depois da independência da Lituânia, Zuroff auxiliou o Departamento de Justiça dos EUA na descoberta de lituanos suspeitos de cometerem crimes de guerra e que viviam em território norte-americano. No entanto, a punição ocorreu pela contravenção de mentir sobre o passado colaboracionista nos processos de imigração e de naturalização. Por questões de jurisdição, caberia aos tribunais lituanos julgá-los pelos crimes cometidos durante a 2a Guerra Mundial.
Nesse processo, 19 lituanos perderam a cidadania norte-americana, e 12 acabaram na Lituânia pós-soviética. Após muitos anos, muitas manobras jurídicas e muita pressão internacional, nenhum deles foi punido. Houve três processos. “Os julgamentos foram uma farsa”, sentenciou Zuroff em entrevista divulgada pela CNN no mês de junho. Outros esforços frutificaram com o cancelamento de 47 reabilitações oferecidas pelas autoridades lituanas a criminosos envolvidos nas matanças dos anos 1940. Nomeado pelo então chanceler Shimon Peres, Zuroff participou da comissão israelo-lituana montada justamente para estudar os casos em que homenagens a supostos nacionalistas lituanos poderiam mascarar assassinos e colaboracionistas.
Debruçado sobre a realidade que se descortinava nas sociedades pós-comunistas, Efraim Zuroff mergulhou no caso do croata Dinko Sakic, que havia comandado o campo de concentração de Jasenovac, montado pelo governo pró-nazista da Croácia, durante a 2a Guerra Mundial, e onde centenas de milhares de sérvios, judeus, ciganos e croatas antifascistas foram torturados e mortos. O local macabro ficou conhecido como “Auschwitz dos Bálcãs”.
Ao final da guerra, Ante Pavelic, líder do regime ustasha (pró-nazista) e vários de seus colaboradores, entre eles Sakic, encontraram refúgio sob as asas do ditador argentino Juan Domingo Perón. Em 1959, Pavelic morreu num hospital em Madri, na Espanha do ditador Francisco Franco. Na distante Argentina permaneceu Dinko Sakic, que levava uma vida discreta e acabou se aposentando. Até ser encontrado, aos 77 anos de idade, por Efraim Zuroff.
Corria o ano de 1998. O caçador de nazistas capitaneou intensa campanha pela extradição de Sakic na Croácia, que ainda se recuperava das feridas das guerras que modelaram a violenta desintegração da Iugoslávia. Dinko Sakic foi finalmente extraditado, julgado e condenado a 20 anos de prisão, pena máxima de acordo com a lei croata de então. Encerrava-se o primeiro julgamento de um criminoso nazista numa sociedade pós-comunista.
“Numa sala do tribunal croata, com a bandeira croata, com um juiz croata em idioma croata, e diversas testemunhas. Os croatas disseram a verdade”, salientou Zuroff, avaliando a importância de um país enfrentar as marcas de sua história. Neste aspecto, o caçador de nazistas observou também ser necessário reconhecer que a Alemanha tem feito “um esforço honesto para enfrentar o seu passado”.
A Operação Última Chance espalhou suas redes pelos países bálticos, Polônia, Romênia, Áustria, Croácia, Hungria e Alemanha. Em 2008, a recompensa oferecida por informações relevantes passou de 10 mil dólares a 25 mil dólares. O tempo urge.
Em 2006, Zuroff localizou em Budapeste Sandor Kepiro, atualmente com 95 anos, descrito como o mais idoso criminoso de guerra do mundo. Em 1942, Kepiro participou de um massacre na cidade de Novi Sad, na Sérvia, quando mais de 1,2 mil pessoas foram fuziladas e, seus corpos, jogados no rio Danúbio.
Em 1945, Kepiro conseguiu fugir para a Argentina. Foi condenado à revelia pelo governo comunista húngaro no ano seguinte. Após a desintegração do bloco soviético, Kepiro retornou à Hungria, onde vive até hoje. Em liberdade. “Então, por que ele ainda é um homem livre?”, questionou Zuroff em artigo publicado pelo jornal britânico The Guardian, em abril. “Uma explicação possível é que as autoridades esperavam que ele morresse e os poupasse do problema e do constrangimento de um julgamento que destacaria cumplicidade húngara nos crimes do Holocausto; mas nesse aspecto, Kepiro não cooperou e, até mesmo com a idade avançada de 95 anos, ele apresenta relativa boa saúde e em inúmeras ocasiões concedeu entrevistas à imprensa”, prosseguiu o caçador de nazistas.
As ações de Zuroff não se limitam à Europa Oriental. Em 2008, fez um tour por países sul-americanos, que incluiu o Brasil, na busca por Aribert Heim, médico da SS nazista responsável por experimentos, tortura e morte de prisioneiros no campo de Mauthausen. Os paradeiros investigados correspondem a Argentina e Chile.Segundo alguns relatos, Heim teria morrido em 1992, no Cairo. Zuroff rejeita a versão. Um filho do criminoso nazista trouxe um atestado de óbito emitido na capital egípcia. A ausência do cadáver seria explicada por ter sido jogado numa vala comum. O diretor do Centro Simon Wiesenthal destilou ceticismo: compra-se o documento em qualquer “shouk” (mercado) do Cairo, sustentou ele, em entrevista ao jornalista Roberto Simon, de O Estado de S. Paulo. Heim, conhecido também como “Doutor Morte”, nasceu em 1914. Teria, portanto, 96 anos. Sobre o passar do tempo, Zuroff comentou: “A idade deles não é relevante. Eles são tão culpados hoje como quando cometeram os seus crimes, e as vítimas merecem que os assassinos sejam trazidos à Justiça”. A declaração foi feita em entrevista ao portal R7, em São Paulo, onde o caçador de nazistas esteve em junho, a convite da Confederação Israelita do Brasil.
Na capital paulista, Zuroff proferiu palestra na mostra Shoá – Reflexões por um Mundo mais Tolerante, realizada no Sesc Pompéia. Também visitou escolas judaicas e universidades. Repetiu roteiro semelhante no Rio de Janeiro e em Fortaleza.
A sempre intensa agenda de Zuroff ganhou contornos ainda mais trepidantes com o lançamento, no final de 2009, do livro “Operation Last Chance; One Man´s Quest to Bring Nazi Criminals to Justice”, ainda não publicado no Brasil. A obra revela os bastidores dos esforços envidados para trazer criminosos aos tribunais e narra a saga de um incansável caçador de nazistas. E, naturalmente, é dedicada à memória de Simon Wiesenthal. Nós, descendentes de vítimas do Holocausto, agradecemos aos dois ativistas, em nome de nossos antepassados. E em nome de nosso futuro.
O Jornalista Jaime Spitzcovsky é editor do site www.primapagina.com.br. Foi editor internacional e correspondente em Moscou e em Pequim