Apesar de repetidamente desacreditado e de ter sua falsificação comprovada, o livro Os Protocolos dos Sábios de Sião se tornou o documento anti-semita mais lido, em todos os tempos.
A mais notória fraude política dos tempos modernos, "obra prima" da literatura racista, tornou-se eficiente ferramenta para o anti-semitismo moderno, desde sua criação pela polícia secreta do czar da Rússia, há mais de 100 anos. O pequeno, mas diabólico panfleto, contém minutas de um suposto conclave secreto de líderes mundiais judeus. Composto de 24 capítulos ou protocolos, o livro "descreve" os "planos" traçados na dita reunião, que, supostamente acontecia uma vez a cada 100 anos. O objetivo de tais líderes judeus seria arquitetar a manipulação e o controle do mundo que ocorreria no século seguinte. Acreditam seus seguidores que Os Protocolos contêm a "prova cabal" da existência de uma "conspiração judaica mundial" que teria como propósito "dominar o planeta".
Sobre o texto, Elie Wiesel, Nobel da Paz, foi enfático ao declarar: "Se há um texto que pode produzir o ódio massificado contra os judeus, é este o texto... todo composto por mentiras e difamações". Ao longo de sua nefasta trajetória, Os Protocolos foram usados para justificar a perseguição de judeus na Rússia czarista e no período comunista e continuam em uso, até hoje, pela extrema direita russa. Nas mãos de Hitler, o texto se tornou verdadeira arma mortífera na guerra que travou contra os judeus, a partir da década de 1920. Os Protocolos também fazem parte do embasamento ideológico da extrema-direita americana e européia, bem como da extrema-esquerda da Europa. E, desde 1921, vêm sendo usados no mundo islâmico, sendo que hoje as cópias desta preciosidade anti-semita são impressas e distribuídas gratuitamente. Adotado por todos os inimigos do Estado de Israel, tornou-se a própria "bíblia" dos anti-sionistas.
A pergunta que deixa perplexos estudiosos e leigos é de que maneira um produto da Rússia czarista, oligárquica e cristã, conseguiu perdurar até hoje e foi adotado entusiasticamente por pessoas das mais diferentes ideologias e crenças religiosas? Uma das razões é o fato de, no texto, não haver qualquer definição de tempo ou contexto nacional e ideológico, podendo ser facilmente "adaptado" a qualquer situação.
O texto dos Protocolos é sempre o mesmo, mas cada uma das milhares de edições produzidas ao longo dos anos vem acompanhada de um prefácio que "explica" como o "plano judaico" está em funcionamento naquele preciso momento. As "idéias" contidas nos Protocolos constituem uma poderosa arma em países ou grupos sociais onde prevalece uma situação de frustrações ou incertezas. É sempre mais fácil acreditar que as dificuldades são decorrentes de um "agente externo invencível" - uma conspiração judaica mundial ou o imperialismo americano - do que encarar a realidade. Apesar de outras obras anti-semitas poderem vir a ter maior "embasamento intelectual", foram as imagens conspiratórias dos Protocolos o que conquistou pessoas tão diferentes como o magnata dos automóveis, Henry Ford, membros da Ku-Klux-Klan ou o atual presidente do Irã. O único elo entre os "seguidores" do livro é seu ódio contra os judeus.
Quase inacreditável também é o alcance geográfico de Os Protocolos, que pode ser encontrado nos quatro cantos do mundo, até em lugares onde praticamente não há judeus. Após a 2ª. Guerra Mundial, virou best-seller não só em paises islâmicos, mas também no Japão. No Brasil, são inúmeras as publicações. Com o advento da Internet, Os Protocolos passam a ter uma divulgação jamais vista e, desde 1994, circulam livremente na rede mundial versões completas em vários idiomas, sendo indicados como leitura obrigatória em sites de grupos separatistas, nazistas, nacionalistas, do Poder Branco, KKK e até mesmo do MV - Movimento de Valorização da Cultura, do Idioma e das Riquezas do Brasil.
Denunciar os Protocolos como uma mentira deslavada não é novidade; isto tem sido feito ao longo de quase um século, por profissionais idôneos e muito respeitados. Por que, então, a necessidade de expor, mais uma vez, essa fraude centenária? Lamentavelmente, com a proliferação do anti-semitismo em diferentes partes do mundo, as "verdades" dos Protocolos servem, uma vez mais, de alimento para fomentar sentimentos anti-judaicos.
O primeiro a denunciar o texto, ainda em 1920, logo após sua introdução na Europa Ocidental pela mão de refugiados russos, foi o historiador judeu britânico, Lucien Wolf. No ano seguinte, Philip Grave, jornalista do The Times, denunciou em vários artigos como se forjara aquele embuste. Centenas de outros artigos e livros e atualmente até documentários se seguiram, sempre de respeitados autores, que, no entanto, fracassaram em seu intento de convencer seus seguidores de que o panfleto nada mais era de uma grande fraude.
Incontáveis são as vezes em que Os Protocolos foram derrotados nos tribunais de vários países. Em 1933, a comunidade judaica da Austrália e, no ano seguinte, da Suíça, moveram ações vitoriosas, para proibir a distribuição do execrado livro. No ano de 1993, em Moscou, houve um processo contra o grupo ultra-nacionalista russo, Pamyat, que alegava ser o texto historicamente legítimo. No Brasil, federações judaicas denunciaram o panfleto e houve sentenças favoráveis pronunciadas nos tribunais estaduais de praticamente todas as cidades onde surgiram seus exemplares, sendo confiscados os estoques dos livros.
Raízes "ideológicas"
As acusações contidas nos Protocolos dos Sábios de Sião não são totalmente novas. Algumas, como o mito de reuniões secretas de rabinos para arquitetar planos para subjugar cristãos, fazem parte da literatura medieval cristã anti-semita. Mas, uma fonte de inspiração mais moderna remonta à época da Revolução Francesa, quando, em 1797, o abade Barruel, defensor do Antigo Regime, publicou um trabalho em que afirmava que os revolucionários franceses faziam parte de uma conspiração secreta maçônica, cujo objetivo era tomar o poder. Alegação totalmente sem sentido, pois era a nobreza francesa quem estava profundamente envolvida com a instituição maçônica. No documento inicial, o abade não faz acusação aos judeus, mas, em 1806, ele "enriquece" sua teoria conspirativa lançando e distribuindo uma carta forjada, na qual os judeus eram acusados de fazer parte da conspiração que o autor, anteriormente, atribuíra aos maçons.
No entanto, o antecessor direto dos Protocolos foi uma sátira política, os Diálogos no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu ou A política de Maquiavel no séc. 19, por um contemporâneo (1864), de autoria do advogado parisiense Maurice Joly. A trama do livro é um complô elaborado no Inferno. O alvo, Napoleão III e seu regime despótico. No texto, os judeus sequer são mencionados...
A sátira de Joly chega à Alemanha em plena efervescência liberal, auge da proliferação das teorias racistas. O livro cai nas mãos de Herman Goedsche, anti-semita convicto, agente incitador da polícia secreta prussiana, conhecido por forjar cartas usadas para incriminar líderes democráticos. Escrevendo sob o pseudônimo de Sir John Retcliffe, Goedsche "adapta" a sátira política de Joly de modo a criar uma "fantasia" sobre a existência de uma conspiração judaica; e incluiu tal "conto" em seu romance, Biarritz, publicado em 1868. No capítulo denominado "O Cemitério Judaico em Praga", o autor "narra" um encontro secreto de rabinos, à meia-noite, quando eram avaliadas as ações realizadas nos últimos cem anos, para dominar o mundo, e eram planejadas as do século seguinte.
O conto de Goedsche encontrou terreno fértil na Rússia czarista, onde foi traduzido pela primeira vez em 1872, reaparecendo em 1891 sob o título de Discursos do Rabino. O texto foi utilizado pela Okhrana, a polícia secreta do Czar Nicolau II, para dar substância às suas posições anti-semitas.
A criação dos Protocolos
Após o Caso Dreyfus, em Paris, por volta de 1895, os agentes da Okhrana viram a possibilidade de "adaptar" o texto de Joly. E assim - sem que se saiba ao certo por quem - "criou-se" um panfleto que recebeu o título de Os Protocolos dos Sábios de Sião. O manuscrito foi levado à Rússia e, em 1903, teve sua publicação iniciada, em capítulos, no jornal russo Znamya (A Bandeira).
A versão do texto, que circula até hoje, foi publicada pela primeira vez por Sergei Nilus, em 1905, como adendo de seu livro, The Great within the Small. Naquele mesmo ano, após a Revolução de Outubro, o czar Nicolau II, a contragosto, promulgou a Constituição e criou o Duna, parlamento russo. Ansioso para esvaziar a revolução, o Czar achou por bem culpar nosso povo por todos os males da Rússia. Manda publicar, então, para incitar as massas, panfletos incendiários. Os de distribuição mais ampla foram Os Protocolos, que, segundo a Okhrana, eram a "prova incontestável" das intenções judaicas contra a Rússia.
Foi após a Revolução de 1917 que Os Protocolos adquirem vida própria. Quando a elite russa foge para outros países da Europa, leva consigo o panfleto, apresentado como "prova" de que a Revolução Bolchevique era parte de uma conspiração judaica mundial. Rapidamente, o conteúdo dos Protocolos se difundiu por vários países, tornando-se excelente munição para qualquer governo que desejasse perseguir os judeus. No ano de 1920, são lançadas em vários países (Alemanha, Polônia, França, Inglaterra e Estados Unidos) as primeiras edições não escritas no idioma russo.
Provas da falsificação
Vimos acima que, ao longo dos anos, Os Protocolos foram repetidamente denunciados como fraude. Em agosto de 1921, o jornalista inglês Philip Graves faz uma denúncia pública do embuste, em dois artigos no jornal The Times, de Londres, onde prova que o panfleto difamatório era um plágio da sátira de Joly, Os Diálogos no Inferno. Nos artigos Graves aponta, uma a uma, as "extraordinárias semelhanças" entre os dois textos, publicando, até, uma tabela comparativa dos mesmos, lado a lado; a paráfrase é irrefutável. Até o suposto "plano judaico de dominação mundial" não passa de uma transposição do discurso entre Maquiavel e Napoleão, no original de Joly, e os planos dos dois para os Estados europeus se tornam, nos Protocolos, o "plano judaico para dominar todo o mundo cristão".
Graves aponta, também, as inúmeras versões sobre como o texto teria chegado às mãos de Sergei Nilus. Pela edição russa de 1905, as minutas teriam sido obtidas através de uma mulher que as roubara de "um dos mais influentes líderes da franca maçonaria". Outra versão afirma que são a ata de uma reunião secreta de "iniciados", na França. Na versão de 1917, consta que os "Protocolos" eram notas de um plano apresentado por Theodor Herzl, no Primeiro Congresso Sionista, que teria "deixado vazar" a informação. Uma outra, ainda, que o texto fora lido secretamente no Primeiro Congresso Sionista e que tinha sido encontrado por um amigo de Nilus, na "sede francesa da "Sociedade de Sião" - instituição inexistente!
Quanto às denúncias dos Protocolos contra os judeus, trata-se de acusações que fazem parte do secular arsenal anti-semita, facilmente refutadas através de referências bíblicas e talmúdicas.
Uso por diferentes correntes ideológicas
Nos Estados Unidos, onde, como vimos, aterrissaram em 1920, Os Protocolos encontraram em Henry Ford III, capitão da indústria automobilística, fervoroso defensor. O empresário os fez publicar, em capítulos, no Dearborn Independent, jornal de sua propriedade, entre maio e setembro daquele ano. A série foi intitulada "The International Jew: the World's Foremost Problem" (O judeu internacional, principal problema mundial).
No ano seguinte, Herman Bernstein, do New York Herald, publica "A História de uma Mentira: Os Protocolos dos Sábios de Sião", levando pela primeira vez ao público norte-americano a verdade sobre a fraudulência dos Protocolos. Mesmo denunciada aos quatro cantos como falsa, a série foi publicada em livro, que acabou sendo traduzido para mais de doze idiomas. Ford continuou a citar o texto para provar uma suposta "ameaça judaica", até 1927, quando escreve um pedido oficial de desculpas aos judeus americanos por ter publicado Os Protocolos, os quais ele admite serem "falsificações grosseiras".
Em 1921 é a vez dos árabes, na então Palestina e Síria, de usar Os Protocolos para incitar as massas contra os judeus, sugerindo que a criação de um Estado Judeu, na região, era parte da tal "conspiração judaica internacional".
É inegável a influência de Os Protocolos sobre Hitler. O mito da conspiração judaica permeia todo o seu pensamento e pode ser constatado no livro Mein Kampf, em que ele "explica", entre outros, seus planos para livrar o mundo dos judeus e de seus complôs traiçoeiros. Ao assumir o poder, Hitler utilizou inúmeras vezes Os Protocolos para justificar as leis e atos anti-semitas, até mesmo o extermínio em massa, como forma de impedir os judeus de exercerem o "domínio" mundial. Uma guerra de propaganda sem fronteiras foi empreendida pelos nazistas para convencer o mundo dos malefícios do judaísmo e os Protocolos foram instrumento fundamental, sendo distribuídos na maioria dos países ocidentais.
No Brasil da Era Vargas, Os Protocolos mereceram atenção especial, ganhando comentários de Gustavo Barroso, ideólogo do integralismo. Foi o aval deste historiador laureado, presidente da Academia Brasileira de Letras, que deu ao famigerado panfleto "o ar de respeitável literatura". Reeditados oficialmente até há pouco tempo, ainda hoje Os Protocolos podem ser encontrados na Internet e em diversas livrarias e feiras de livros.
Nos países islâmicos, como mencionado acima, Os Protocolos também se tornaram, desde 1921, uma ferramenta para disseminação do anti-semitismo. Ainda mais intensamente a partir da 2ª. Guerra Mundial e após a criação do Estado de Israel, quando se tornaram um dos principais instrumentos da metódica campanha de propaganda anti-sionista. Apesar de haver uns poucos intelectuais que, de certa forma, timidamente admitem que Os Protocolos sejam realmente uma impostura, de modo geral o mundo muçulmano acredita nas mentiras contidas no panfleto.
Nos últimos anos, o texto dos Protocolos tem sido usado para produzir, em vários países do Oriente Médio, mini-séries de TV. O "plano judaico de dominação mundial", incluindo todo o Oriente Médio, e outras "verdades" contidas no panfleto são o tema central dos enredos. Transmitidas em todo o mundo árabe durante o Ramadã, quando da reunião familiar para a quebra do jejum religioso, essas "verdades" conseguem incendiar os ânimos. Entre essas produções destacamos duas - uma, em 41 capítulos, transmitida pela televisão estatal egípcia, "Cavaleiro sem Cavalo", em 2002; e a outra, uma produção síria em 21 episódios, levada ao ar em 2003 pela rede de televisão a cabo libanesa, Al-Manar.
Em 2002, o panfleto foi disseminado ainda mais por todo Oriente Médio, quando jornais controlados pelos governos do Egito, Síria, Jordânia e Arábia Saudita, em uma ação coordenada, passam a imprimir e distribuir gratuitamente cópias dos Protocolos dos Sábios de Sião. No ano seguinte, a UNESCO denunciou publicamente a exibição de livros sagrados de religiões monoteístas na Biblioteca de Alexandria, no Egito, onde, ao lado de uma Torá estava exposto um exemplar dos famigerados Protocolos. E, enquanto o atual Presidente do Irã anunciava publicamente o seu intento contra Israel, ordenava a edição e distribuição do panfleto; além disso, uma versão inglesa do livro foi exposta, para espanto geral, no estande de seu país, na conceituadíssima Feira Internacional do Livro de Frankfurt.
Nos anos de 2004 os Protocolos são publicados respectivamente em Okinawa, no Japão; no ano seguinte, uma edição na Cidade do México sugere que o Holocausto foi organizado pelos Sábios de Sião em troca da criação do Estado de Israel.
Já transcorreu mais de um século desde que o mundo foi exposto a tão perigosa mentira, que acusa os judeus por todas as ruínas da humanidade - uma acusação de que a nossa existência enquanto Povo seria uma ameaça à paz mundial. Faz quase 100 anos, portanto, que é nosso dever repudiar esta conspiração, expondo-a e a desmascarando, por todos os meios a nosso alcance.