Uma das mais antigas cidades do mundo, sua história se entrelaça com a dos judeus que nela viveram durante cerca de 3 mil anos.

A cidade se localizava em um cruzamento das principais rotas de caravanas que ligavam a região do Mediterrâneo Oriental à Europa, assim como ao Iraque, Pérsia e Índia. As mercadorias do Oriente, principalmente a seda persa e o algodão sírio, passavam através de seus famosos mercados, os suqs de Alepo, a caminho da costa mediterrânea e da Europa, cruzando-se com produtos provenientes de direções opostas.

Grande parte desse comércio estava em mãos dos comerciantes judeus da cidade, que eram integrantes da milenar comunidade judaica cujas raízes remontavam à época do rei David. Durante milênios, a estável e próspera Kehilá de Alepo, conhecida por seu respeito às tradições, havia sido um dos grandes centros de estudos judaicos do mundo. Seu justificado orgulho e fama lhes advinham da antiqüíssima sinagoga e do manuscrito mais antigo que se conhece do texto completo da Torá, o Keter de Aram Tsobá, que guardavam em seu interior.

Durante sua história, a cidade teve vários nomes. Na Torá é chamada de Aram Tsobá, pois, segundo o Seder HaDorot, o assentamento que deu origem à atual Alepo foi fundado por Aram, filho de Tsobá, meio-irmão de Abraão. No entanto, durante a maior parte de sua longa trajetória, a cidade é chamada de Halab, que significa leite, tanto em árabe quanto em aramaico e hebraico. Na tradição judaica e islâmica, o nome está relacionado ao patriarca Abraão. Por estar localizada na antiga rota do sul da Mesopotâmia à Terra de Israel, conta a tradição que, a caminho de Canaã, Abraão teria descansado na cidade, onde ofereceu aos pobres que encontrou leite de seu rebanho. O nome Alepo, mais usado no Ocidente, foi cunhado no século 14 desta Era por italianos que mantinham relações comerciais com seus habitantes.

Os primórdios

Erguida no ponto mais alto de uma árida planície a Noroeste da Síria, a meio caminho entre o Eufrates e o litoral, Alepo inicia sua história nos primórdios da civilização humana, como o comprovam as estelas cuneiformes escavadas em Ebla, onde há menção à cidade, e que datam de cerca de 2500 a.E.C. Similarmente, os textos encontrados nas bibliotecas de Mari e Ugarit, do 2o Milênio, enaltecem a arte do comércio tão bem praticada pelos habitantes da cidade.

No século 18 antes da Era comum, Halab era a capital do Reino Amorita de Yamchad, tendo caído sob domínio dos hititas, egípcios e outros entre os séculos 17 e 14 a.E.C.. Depois disso, a cidade adquiriu certa independência.

Como relata o Livro de Samuel, quando David reinou sobre Israel (1000 a 967 a.E.C.), Alepo foi conquistada por seus exércitos, comandados por Joab Ben Zeruiá. Segundo a tradição, após tomar a cidade, Joab construiu uma torre e uma fortaleza que constituíram os alicerces da antiga Cidadela de Alepo, a Qal'a, tendo gravado em um dos muros de pedra: "Eu sou Joab Zeruiá e conquistei esta cidade". De acordo com Jean Sauvaget, autor de várias obras sobre a história da Síria antiga, achados arqueológicos encontrados comprovam que a Cidadela de Alepo já era uma fortaleza no século 8 a.E.C.

Além de valente guerreiro, Joab Ben Zeruiá era um grande sábio e líder do Sanhedrin e, ao receber do rei David a cidade como prêmio por suas vitórias sobre os inimigos de Israel, decide nela construir uma Morada para D'us. Ainda segundo a tradição, Joab ergueu a estrutura do que viria a ser a Grande Sinagoga de Alepo e, até hoje, muitos judeus alepinos ainda a chamam de "a Sinagoga de Joab".

Verdadeira ponte para o trânsito de mercadores e exércitos, a região onde se localiza Alepo foi disputada pelas grandes potências da Antigüidade. Os assírios a conquistaram em 732 a.E.C., dez anos antes de infligir uma derrota final sobre o Reino de Israel, deportando e dispersando toda a população. Em 604 a.E.C. é a vez do império neo-babilônico subjugar a Síria. O número de judeus que vivia em Alepo aumentou após 586 a.E.C., quando Jerusalém foi arrasada e o Templo destruído pelo exército babilônico de Nabucodonosor II. Os habitantes do Reino de Judá são levados cativos para o exílio, mas nem todos vão para a Babilônia. Alguns fugiram para o Egito, outros para Média, Pérsia e Síria, estabelecendo-se em cidades como Damasco e Alepo, e se acredita que alguns tenham mesmo chegado à Península Ibérica.

Apenas 70 anos após a destruição do Templo, o Império Babilônico cai em mãos de Ciro, o persa. O novo imperador autoriza a volta dos judeus à Terra de Israel, mas muitos decidem permanecer nas comunidades onde se haviam estabelecido.

A cronologia do retorno dos judeus à Terra de Israel não é tão clara nas crônicas de Ezra e Nehemias. Sabe-se ter ocorrido em diferentes levas e que, em seu caminho de volta, alguns grupos seguiram uma antiga rota comercial que passava por Alepo, onde já havia uma comunidade judaica.

O grupo liderado por Ezra, ha-Sofer, o Escriba, seguiu esta rota e parou em Tedef, vilarejo a alguns quilômetros da cidade. Foi nessa ocasião que Ezra se viu obrigado a persuadir os judeus de que seus conhecimentos sobre a Torá eram inspirados pelo Ruach Hacodesh, o Espírito Divino. Escreveu, então, uma Torá onde omitiu o Sagrado Nome de D'us. Ao terminar, guardou o pergaminho em uma caverna, durante a noite. No dia seguinte, ao examiná-lo, os judeus viram que o Nome de D'us estava em todas as lacunas que Ezra deixara em branco. Para celebrar tal milagre, construiu-se uma sinagoga próximo à caverna.

No ano de 330 a.E.C., Alexandre, o Grande, derrota o Império Persa e, três anos mais tarde, conquista a Síria. Depois de sua morte prematura, seus generais dividem entre si o gigantesco império. A parte oriental, cujo território inclui a Síria, fica com Seleucos I Nicator. Sob domínio selêucida, os judeus da cidade sofreram as mesmas pressões e perseguições para helenizá-los que seus irmãos do Reino de Judá. No período helênico, a cidade, então denominada "Beroia", adquire prestígio e se torna uma importante convergência comercial entre o Mediterrâneo e as terras do Extremo Oriente.

Roma

Durante o século 1º a.E.C., Roma amplia seu domínio sobre o Oriente Médio e, no ano de 64 a.E.C., a Síria se torna província romana. Apesar de os romanos desviarem de Alepo as rotas comerciais e militares, a cidade conhece um período de prosperidade, graças ao desenvolvimento da agricultura e a fabricação de produtos locais, como o famoso sabão de Alepo.

Para a comunidade judaica, o período também foi de prosperidade e tranqüilidade. A lei romana reconhecia o judaísmo como religio licita - religião lícita, dando aos judeus permissão de erguerem suas sinagogas e cemitérios, assim como de estabelecer casas de estudo.

A comunidade judaica de Alepo cresceu ainda mais no primeiro século desta Era com a vinda de judeus da Terra de Israel fugidos da repressão romana. Especialmente após os anos 70 e 132, quando os exércitos romanos esmagaram a Primeira e a Segunda Revoltas Judaicas, houve verdadeira explosão comunitária.

Nos séculos seguintes a comunidade continuou florescente. Uma estela em pedra esculpida, datada do ano de 241, encontrada em um dos muros da atual Grande Sinagoga, comprova que o porte da comunidade justificava a construção de uma casa de orações condizente.

No entanto, a tranqüilidade judaica tinha seus dias contados. Paralelamente à progressiva afirmação do cristianismo - legalizado através do Édito de Constantino, em 313, e declarado religião oficial do Império Romano com o Édito de Teodósio, em 380 - são promulgadas restrições discriminatórias contra os judeus.

No final do século 4, ocorre a divisão do Império Romano em dois: do Ocidente e do Oriente. Metade do Povo Judeu vive no Império Bizantino - como passou a ser chamada a parte oriental, que incluía as comunidades da Terra de Israel, Síria, Egito, Norte da África e Ásia Menor. A outra metade vive sob domínio persa-sassânida.

Os bizantinos

Apesar de convulsionada internamente por disputas dogmáticas entre cristãos, a Síria entrou em um período de prosperidade, pois sua localização no centro das rotas comerciais para a Índia e o Extremo Oriente lhe garantia substancial receita.

Na época, os judeus de Alepo viviam em um bairro próprio, a Noroeste da cidade, onde está localizada a sinagoga Kanisat Mithkal, hoje uma mesquita. A sinagoga foi erguida no século 4, no bairro de Farafra, em uma rua conhecida como Zukak Alkanais, a alameda das sinagogas. É bem verdade que, sob os bizantinos, os judeus sofreram discriminações e ocasionais perseguições. Isso, no entanto, não os impediu de participar do florescimento econômico da região, atuando principalmente na área mercantil e, em especial, no comércio internacional. O bem-estar econômico foi acompanhado por igual ímpeto na vida religiosa, sendo freqüentes os contatos com outros importantes centros judaicos em Eretz Israel, na Babilônia e no Egito.

Remonta ao século 5, aproximadamente, a ala ocidental da atual Grande Sinagoga, que é a parte mais antiga ainda de pé. Originalmente tinha o formato de três corredores em colunata, separados por arcos. Esse estilo de nave com fileiras de colunas, os capitéis e a estrutura básica em forma de basílica são traços típicos da arquitetura bizantina. Esta ala ainda era utilizada em 1947, quando do célebre Pogrom de Alepo (v. Morashá no 59), fazendo da mesma a sinagoga mais antiga ainda em funcionamento. Construída sobre a antiga estrutura erguida por Joab Ben Zeruiá, estava localizada no bairro de Bahsita, construído nesse mesmo período.

A importância de Alepo como centro comercial cresce no final do século 6, depois que Antioquia, então a maior cidade bizantina, foi atingida por um terremoto, no ano de 546.

Sob o Islã

No ano de 636, na esteira da expansão árabe, os exércitos de Khaled ibn al-Walid chegam aos portões de Alepo, que se entrega sem oferecer resistência. Pouco depois, retoma seu antigo nome, Halab. Os judeus continuaram a viver no mesmo local, então já chamado de Mahal Al-Yahud. A área fazia fronteira Sul com a rua do suq, a Oeste com a Cidadela, a Leste com Dar Al-Beith ou Dar Kura e, a Norte, com a muralha da cidade e Bab Al-Yahud, um de seus principais portões.

Quando, em 661, a dinastia omíada toma o poder, Damasco se torna capital do imenso Império Islâmico e Alepo, a segunda cidade da Síria. Em todo o império a vida dos judeus melhora significativamente sob essa dinastia, que fica no poder até 755.

O Oriente Médio passa por tremendas revoltas e profundas mudanças sociais, nos dois séculos que seguem, afetando todos os segmentos da população, inclusive os judeus. O árabe se torna a língua do cotidiano e do comércio, mesmo entre os judeus, que começam a ser chamados de must' arabim (palavra hebraica para árabes), pois falavam árabe e liam o hebraico com esse sotaque. Em Alepo, a islamização ocorre de forma muito lenta e, até o século 12, a cidade continua um verdadeiro mosaico de minorias religiosas e étnicas. Mesmo depois, continuaram a conviver em Alepo inúmeras minorias. A cidade, que se manteve aberta a estrangeiros, jamais vivenciou o fanatismo islâmico contra estrangeiros que havia em Damasco.

Em todo o mundo islâmico, as relações da sociedade muçulmana com os "infiéis" eram guiadas por um arcabouço jurídico. Judeus e cristãos podiam viver em terras muçulmanas mediante uma cláusula legal que lhes concedia o "status protegido" de al-Adhimma. Nesta condição de dhimmis, aceitavam a supremacia do Islã, submetendo-se ao Estado muçulmano que lhes garantia a vida, a propriedade e o direito de praticar sua religião. Em contrapartida, tinham que cumprir uma série de obrigações, conhecidas como o Código de Omar, cujo rigor variava muito, dependendo do humor e interesse dos governantes. Os dhimmis eram obrigados a pagar tributos especiais, sendo que o mais importante era o jizya, imposto anual que recaía sobre todo judeu adulto. Havia também o kharaj, sobre as terras cultiváveis, bem como impostos sobre transações comerciais e viagens, sempre bem mais elevados do que a tributação cobrada aos muçulmanos.

Em teoria, os dhimmis estavam em constante risco, já que a al-Adhimma apenas suspendia temporariamente o "direito" do conquistador de matar o conquistado e de lhe confiscar a propriedade. Na prática, no entanto, os governantes islâmicos não tinham interesse algum em acabar com as minorias, cuja contribuição na arrecadação tributária era a maior fonte de ingresso dos cofres públicos.

De modo geral, a vida dos judeus sob o Islã era melhor do que a daqueles que viviam em domínios cristãos; podiam possuir terras e propriedades e eram livres para exercer a profissão que lhes aprouvesse. Como constituíam grande parte da intelligentsia administrativa do império, muitos acabaram como funcionários ou médicos da corte. Quando os governos muçulmanos restringem os direitos religiosos judaicos, as restrições se limitaram ao número de sinagogas permitido por lei.

Os abássidas

No ano de 750, uma sangrenta revolta leva os abássidas ao poder, que transferem a capital do império de Damasco para Bagdá, fazendo com que a Síria perdesse sua posição de centralidade no império.

Nos anos seguintes, começa a se fragmentar a unidade do império islâmico e, devido à sua localização geográfica, Alepo vira um campo de batalha constante, foco de confrontos entre muçulmanos e cristãos, bem como entre as diferentes dinastias islâmicas. A insegurança crônica em que viviam seus habitantes muda a face da cidade, sendo os bairros e as ruas fechados com muros e pesados portões. Aos poucos, a cidade, construída como uma polis grega, com ruas retas e abertas, torna-se um confuso mosaico de bairros relativamente autônomos.

Em torno do 3o século do domínio do Islã vemos um agressivo crescimento da economia mercantil, acompanhado pelo desenvolvimento do urbanismo. Paralelamente, desabrocha um renascimento cultural. Os judeus que vivem no mundo islâmico participaram ativamente dessas transformações.

Já no século 9, Alepo era um importante centro comercial e bancário, além de grande produtor de seda. Também sua comunidade judaica atingira significativo crescimento e posição. Documentos encontrados na Guenizá do Cairo revelam que os judeus participavam ativamente na economia da cidade, atuando especialmente no comércio. Essa prosperidade é também comprovada em cartas e documentos sobre o grande número de shelichim que iam à cidade arrecadar contribuições para as ieshivot da Babilônia e de Eretz Israel. Na época, Alepo já era um dos importantes centros judaicos do mundo, principalmente no estudo da Torá. Sábios renomados costumavam visitar a cidade, entre os quais o Rabi Saadia Gaon (882-942), que viveu algum tempo na cidade após deixar Fayoum, no Egito, a caminho de Bagdá, onde se tornaria o líder espiritual dos judeus babilônicos.

Em 929, a Síria se torna parte central do Reino de Hamadan e, em 944, Alepo é elevada à capital do Emirado do príncipe Seif Al-Dawleh Al-Hamadani. O emir, que fez de seu governo um período de grande prosperidade e renascimento cultural, entrou para a História por seu mecenato a artistas e eruditos, e por suas campanhas militares contra Bizâncio. A população judaica de Alepo floresceu sob Seif Al-Dawleh, continuando a se desenvolver, principalmente quando, com o declínio dos abássidas na Babilônia, agravaram-se as condições de vida e muitos judeus que lá viviam emigraram para a Síria.

A divisão interna no mundo islâmico abriu caminho para o avanço dos Cruzados, no século 11. Após a queda da Antioquia ao jugo cruzado, em 1098, a região de Alepo foi estrangulada, sendo cortado seu acesso ao litoral. A cidade foi sitiada pelos Cruzados duas vezes, em 1098 e em 1124, sem no entanto ter sido conquistada. Para os habitantes muçulmanos e judeus, a queda de uma cidade em mãos dos cristãos era uma sentença de morte, pois poucos escapavam com vida da crueldade e violência desses invasores cruzados.

Vida judaica nos séculos 12 e 13

Em meados do século 12, Nur ad-Din al-Malik al-Adil Nur, governante da Síria e Mesopotâmia, consegue reintroduzir segurança às rotas das caravanas, fazendo com que a atividade comercial alcance uma euforia desconhecida há mais de um século. Poderoso rei, Nur ad-Din passa a congregar uma frente unida para conter o avanço cruzado. Foi durante seu reinado que Alepo adquiriu todas as características de uma cidade islâmica; a maioria da população se tornara muçulmana sunita e a estrutura arquitetônica da cidade era toda ao gosto do Islã.

Revelações sobre a vida dos judeus em Alepo, nos séculos 12 e 13, nos são fornecidas pelas informações em documentos e cartas encontrados na Guenizá do Cairo, em Responsas rabínicas da Idade Média e na literatura hebraica secular, em geral.

Sabe-se que havia inúmeros judeus das classes mais altas nas cortes dos governantes muçulmanos, servindo principalmente como tesoureiros ou médicos da corte. Quando havia alguma resistência à sua participação na vida da corte ou à sua integração na burocracia estatal, isto não provinha do governo muçulmano. Geralmente decorria de interesses conflitantes judaicos entre as obrigações do posto e seus mandamentos religiosos.

Rabi Benjamin de Tudela (em hebraico, Binyamin ha-Nossêa, o Viajante), autor de um famoso Diário de Viagem, onde faz um relato de sua longa viagem pelo Norte do Mediterrâneo e Oriente Médio, visitou Halab, em 1173. Ele relata ter encontrado 3 mil judeus na cidade e três rabinos, descrevendo-a como "um lugar muito grande", e faz menção à Qal'a, a Cidadela, à qual se refere como o "castelo do rei Nur-el Din".

Nas últimas décadas do século 12, o mundo islâmico vê surgir Salah al-Din Yusuf bin Aiub, conhecido no Ocidente como Saladino, o Grande. Após derrotar os fatímidas e conquistar a Síria - Damasco em 1174 e Alepo em 1183 - Salah al-Din se torna sultão do Egito, Síria e Terra Santa. E, uma vez consolidado seu poder, vira-se contra os cristãos, reconquistando os territórios perdidos pelo Islã. Liderando 12 mil guerreiros, toma Jerusalém em 1187 e expulsa os cruzados. Seu próximo ato é convidar os judeus a retornar à cidade.

Na mesma época, Maimônides, o Rambam, já no Egito, termina seu principal trabalho filosófico, o Guia dos Perplexos, que dedicou, em 1191, ao Rabi Yosef bar Yehuda ben Akanin, seu amigo e discípulo. Este, que se estabelecera em Alepo em 1186, tornou-se respeitado médico na corte de Saladino, que na época era príncipe de Alepo. Rambam tinha um apreço especial pela comunidade judaica de Alepo, com a qual estava muito familiarizado devido à sua volumosa correspondência com o Rabi ben Akanin. Em uma missiva dirigida à comunidade de Lunel, na França, que descrevera de forma negativa a qualidade do estudo da Torá na maioria das grandes cidades e em toda Terra de Israel e Síria, o Rambam afirma que os sábios de Alepo eram como "uma luz nas trevas". Os judeus alepinos acabaram adotando o método de estudo da Torá de Maimônides, que recebeu o nome de "Haiyun ha-Halabi".

Com os sucessores de Saladino, a dinastia aiúbida, inicia-se um período de estabilidade e grande opulência na história síria. Os novos governantes estreitaram as relações comerciais com a Europa. As cruzadas haviam desenvolvido o comércio entre o Oriente e o continente europeu, onde crescera a demanda por produtos como sedas e brocados, jóias, especiarias e perfumes. Nem a ameaça do papa de excomungar qualquer cristão que praticasse o comércio com os muçulmanos conseguiu impedir esse desenvolvimento. Alepo foi uma das cidades que mais se beneficiou com a vinda dos comerciantes europeus.

Em 1207, o sultão Al Malik al-Zaher Ghazi, um dos filhos de Saladino, que fizera de Alepo a capital de seu reino, fecha um acordo comercial com Veneza. Tendo o monopólio das mercadorias da Rota da Seda, que passava pelo Irã, a cidade se tornou um dos três maiores pólos comerciais e urbanos no mundo islâmico. Além de importante centro comercial, Al-Zaher Ghazi fez da cidade um centro de estudo da astronomia, geografia, matemática, botânica e também da medicina. Eram intensos os contatos e a troca de conhecimentos entre os eruditos judeus e muçulmanos, cujas relações eram pautadas por amizade e um profundo respeito mútuo.

Tomado por frenética febre de construção, o sultão al-Ghazi inicia a reconstrução da cidade. Mesquitas e madrassas são construídas, assim como Khans e suqs. A Cidadela é transformada em uma imponente fortaleza muçulmana. O Portão dos Judeus é transformado em majestoso portão, com altas torres, renomeado de Bab Al-Nasir (Portão da Vitória). A área, onde até então ficava o cemitério judaico da cidade, foi aplanada, sendo destruído o cemitério. No local foi construído um depósito de grãos e madeira, para venda. As lápides judaicas foram reaproveitadas para a reforma da Cidadela. Sauvaget relata ter encontrado 5 lápides em suas torres, enquanto o arqueólogo israelense Alexander Dotan, que visitou Alepo às vésperas da 2a Guerra Mundial, afirma ter contado mais de 10 nas muralhas da fortaleza, e que grande parte das pedras do teto da Cidadela eram lápides judaicas cujas inscrições tinham sido disfarçadas.

Foi no período aiúbida que a comunidade judaica perde a sinagoga Kanisat Mithkal, construída no século 4. Confiscada pelas autoridades islâmicas, é transformada em mesquita, com o nome de Al-Jamil al-Nasiri, ou Jami´al Hayat, em funcionamento até os dias de hoje.

As apropriações e destruições de locais religiosos pelos governantes aíúbidas foram atos movidos mais pelo ímpeto de executar obras e ampliar o número de construções religiosas muçulmanas do que por hostilidade contra a comunidade judaica. Esta, à época, desfrutava de tranqüilidade e prosperidade, havendo uma integração ainda maior de sua classe alta na florescente sociedade muçulmana.

No ano de 1225, o poeta espanhol Rabi Yehuda al-Hirizi passou algum tempo em Aram Tsobá, participando ativamente da vida da comunidade. Sua principal obra poética, "Tahkemoni", contém informações sobre Halab, descrita como "uma cidade bonita" com uma comunidade respeitada, onde havia inúmeros rabinos, médicos, escritores e chazanim, cantores litúrgicos. Al-Hirizi menciona o Rabi Ibn Akanin, referindo-se a ele como "o Chacham Yosef ben Yehuda, il-Maghrabi" (o Sábio, Yosef ben Yehuda, o "norte-africano").

Rabi Petahia de Ratisbon e Rabi Jacob, o Mensageiro, também visitaram Alepo no século 13. Este último, que esteve na cidade em 1238, afirmou em seus relatos que lá havia três sinagogas.

Os mamelucos

No ano de 1260, Alepo foi tomada e devastada por mongóis liderados por Hulagu, neto de Genghis Khan, que haviam invadido a Síria. Segundo relatos de historiadores árabes, muitos judeus se salvaram por se terem refugiado na Grande Sinagoga. Donos da situação, os mongóis se dirigiram ao Egito, mas são derrotados pelos mamelucos.

A Síria e o Egito são unidos em um único reino, governado entre 1260 a 1277 por Baybars. Após subjugar todos os "principados independentes" e se envolver em uma campanha contra os mongóis - que ainda atormentavam as fronteiras da Síria - esse poderoso sultão mameluco lança as bases de um dos mais sólidos impérios de toda a História do Islã, que perduraria até a chegada dos otomanos, em 1516.

A Síria demorou a se refazer da destruição deixada pelos mongóis. O domínio mameluco proporcionou a Alepo uma série de vantagens comerciais, principalmente após a expulsão dos cruzados da região, e a reorganização das rotas das caravanas para que voltassem a passar pela cidade. Além do mais, em 1302, menos de 11 anos após a rendição dos Reinos Latinos, o embaixador veneziano solicitou a renovação dos históricos privilégios do sultão mameluco.

No ano de 1401, hordas mongólicas lideradas pelo cruel Tamerlão, ou "Timur, o Coxo", retornam à Síria, destruindo e matando tudo o que encontram pelo caminho. Dele se conta ter assassinado 800 mil pessoas em um único dia. Alepo foi conquistada por Timur, havendo entre os mortos milhares de judeus, ao passo que outros tantos foram levados como escravos. A cidade é devastada e a Grande Sinagoga, destruída, sendo reconstruída somente em 1418.

Sob o domínio mameluco, a vida dos judeus e dos cristãos se torna difícil. As lutas internas pelo poder entre as diferentes facções e a adoção de medidas drásticas contra os dhimmis atingiram as comunidades judaicas, que se viram vítimas de medidas discriminatórias e de severas imposições. A população, especialmente os dhimmis, foi dilapidada financeiramente pelo opressivo sistema fiscal. Ainda que não houvesse perseguições diretas quando chegam os otomanos, os judeus os olharam como os próprios "libertadores".

O apogeu

Para a História judaica a ascensão, no século 15, dos turcos otomanos ao poder foi um evento de grande importância. Quando os judeus são expulsos da Espanha em 1492 e, posteriormente, de Portugal, em 1498, a maioria dos países da Europa já estavam fechados a qualquer judeu praticante. Ao abrir suas portas a eles, o Império Otomano passa a ser visto como um refúgio seguro para os milhares que fugiam da Europa cristã. Assim, os que se recusavam a abrir mão de seu judaísmo decidiram viver sob domínio islâmico, principalmente no Império otomano, pois era difícil a vida dos judeus sob os mamelucos. A maioria se estabeleceu em Constantinopla, Esmirna, Salônica e na região dos Bálcãs.

No ano de 1516, os turcos otomanos conquistam a Síria, e um número respeitável de judeus ibéricos se estabelecem em cidades sírias. Alepo, cidade com um clima ameno e uma vegetação de belos ciprestes, atraiu inúmeros sefaradim que se estabelecem no bairro judaico de Bahsita. Sua chegada teve grande impacto sobre a comunidade judaica e sobre a própria cidade, que entrou em uma era de prosperidade jamais vista e que perdurou até o século 19.

Apesar de a atividade comercial de Alepo com a Europa já existir antes da chegada dos europeus, suas enormes caravanas viajavam com mais freqüência para o Oriente. A diáspora sefaradita, por outro lado, desenvolvera em todo o Império Otomano um comércio internacional de altíssimo nível. Mercadores e financistas sefaraditas possuíam conexões internacionais com outros correligionários da mesma origem que viviam no Império otomano, assim como com cristãos novos que viviam na Europa. Freqüentemente as conexões eram familiares, pois diferentes membros da mesma família podiam viver na Grécia, Turquia ou Alepo. Estas redes comerciais se tinham tornado de vital importância para a economia internacional.

A chegada dos sefaradim em Alepo criou, durante algum tempo, certa tensão entre os recém-chegados e a antiga liderança local. Além de falar ladino, um dialeto que mistura hebraico e espanhol, os sefaradim tinham tradições e hábitos diferentes dos judeus locais. Estas diferenças criaram uma série de conflitos relacionados, principalmente, à organização comunitária e à integração dos recém-chegados. Em praticamente todos os locais do Império Otomano onde os sefaradim se estabeleciam, o elevado nível de erudição de seus rabinos e o número de eruditos os favoreciam, fazendo com que, quase sempre, a integração fosse ao contrário: eram os judeus locais que se adaptavam aos recém-chegados. No entanto, a tradicional comunidade de Alepo foi uma exceção, pois apesar de assumir posições de destaque, os sefaradim não chegaram a suplantar por completo a antiga liderança comunitária de Aram Tsobá nem tampouco a impor totalmente seus costumes. Ambos os grupos tiveram que fazer concessões até que a comunidade se reorganizassse por completo.

Como parte da expansão econômica e comercial da região, Alepo tinha posição de destaque em seu relacionamento com a Europa, mas foi o comércio com a Inglaterra o que levou a cidade e seus comerciantes judeus ao enorme sucesso que alcançaram. Carente de recursos naturais, mas detentora de avançada tecnologia industrial, a Inglaterra foi o país que mais se beneficiou do comércio com o Oriente.

No ano de 1580 a Rainha Elizabeth I assinou tratados comerciais com o sultão Murad III, muito similares aos selados com a França em 1535, que se tornaram conhecidos como "Capitulações". Tais acordos davam privilégios e garantias pessoais e materiais aos comerciantes europeus, na região do Levante. O geógrafo inglês, Richard Haklyut, em suas famosas viagens de 1589, descreveu as atividades da companhia inglesa "Levant Company" e dos mercadores de Elizabeth I em Alepo. Criada pela Coroa britânica em 1581, a Companhia fundou centros mercantis em algumas cidades, como Constantinopla e Esmirna, mantendo no entanto a sede em Alepo. Em seu livro, Haklyut relata a vida dos comerciantes europeus nesta cidade. Descreve suas residências dentro dos "khans" fechados por enormes portões que, quando abertos, permitiam a entrada dos camelos carregados de mercadorias, até os pátios internos.

Esse comércio enriqueceu as famílias judias, bem como armênios e cristãos greco-bizantinos, além de ter tal importância na Inglaterra de Shakespeare ao ponto de o celebrado dramaturgo mencionar Alepo em duas de suas peças: Othello e Macbeth.

Os tratados de Capitulação com suas proteções contra as perseguições muçulmanas representaram uma grande vantagem para os mercadores da Europa Ocidental. Isso fez com que uma leva de mercadores judeus italianos se estabelecesse em Alepo, no século 17, para tomar parte no lucrativo comércio entre a Pérsia e o sul da Europa. Conhecidos como "francos", ou mais popularmente franj, eram também chamados de Signarum, plural de Signor, uma referência à sua origem italiana. Geralmente imigravam solteiros e ainda jovens, com o objetivo de retornar à Itália em alguns anos, já tendo amealhado certa fortuna. No entanto, a prosperidade os levou a se estabelecer definitivamente, casando-se com jovens judias da comunidade e lá constituindo família.

Segundo testemunhos da época, os mercadores judeus de Alepo eram muito respeitados pelos europeus por sua honestidade e profissionalismo. E a maioria das casas de comércio internacional estabelecidas na cidade, que, no ano de 1775, eram quase 90, negociavam exclusivamente através de comerciantes judeus. Tamanha era a influência de nossos banqueiros e comerciantes que as saídas de caravanas oriundas da Pérsia eram adiadas quando coincidiam com as festas judaicas.

Até o final do século 19, o algodão e a seda eram as exportações básicas do Oriente Médio para a Ásia e a Europa. Os primeiros sinais de dificuldades econômicas sérias surgem com o início da Revolução Industrial e a abertura do Canal de Suez, em 1869. Em conjunto, foram um golpe duro no mercado, que culminou com a erosão do comércio pelas rotas das caravanas, Alepo não ficando imune, apesar de ter sido Damasco a cidade mais impactada.

A estagnação econômica no final do século 19 e a falta de esperanças de uma melhora radical na condição social e jurídica dos judeus da Síria vão provocar a emigração dos judeus de Alepo para diversas partes do mundo. Iniciava-se um novo capítulo na história da comunidade judaica da importante cidade.