Quando se pensa em esforços para salvar judeus da barbárie nazista ou em resistência armada à máquina mortífera de Adolf Hitler, momentos de heroísmo como a lista de Oskar Schindler ou o levante do Gueto de Varsóvia costumam ocupar lugar de destaque.
Mas existe um capítulo da Segunda Guerra Mundial menos conhecido, responsável por salvar mais de 1,2 mil judeus, entre homens, mulheres e crianças. Além de ter sido uma iniciativa que impôs pesados ataques contra os nazistas e seus colaboradores. Um grupo de partisans liderados pelos irmãos Bielski se escondeu durante anos nas florestas da Bielorrússia e, em meio aos horrores da guerra, montou uma vila organizada como uma comunidade judaica, com sinagoga, escola, teatro e enfermaria.
Os "judeus da floresta" protagonizaram uma das mais impressionantes histórias da resistência. Em junho de 1941, os nazistas invadiram a União Soviética, na "Operação Barbarossa". Poucos meses depois, a perseguição aos judeus se intensificava com a instalação de guetos nas regiões ocupadas, como ocorreu na localidade de Novogrudek. Lá, em dezembro daquele ano, foram mortos os pais e outros parentes dos irmãos Tuvia, Asael e Zus Bielski. Após a matança, eles decidiram fugir para a floresta, a fim de organizar um grupo armado e acabaram liderando um dos mais impressionantes episódios do movimento partisan, a guerrilha antinazista que atuou principalmente na Europa oriental.
Décadas após o final da guerra, o escritor norte-americano Peter Duffy navegava pela Internet quando notou uma referência a "judeus da floresta". A expressão capturou sua curiosidade e ele mergulhou numa pesquisa que resultou no livro "The Bielski Brothers: The True Story of Three Men who Defied the Nazis, Saved 1,200 Jews and Built a Village in the Forest" (Os Irmãos Bielski: A História Real de Três Homens que Desafiaram os Nazistas, Salvaram 1,2 mil Judeus e Construíram uma Aldeia na Floresta). Lançado em 2003 e, no ano seguinte, editado no Brasil pela Companhia das Letras, a obra busca resgatar uma história ainda pouco conhecida, se levada em conta a sua relevância.
Duffy recorreu a entrevistas com sobreviventes da guerra, com "judeus da floresta" e descendentes dos irmãos que lideraram a aldeia que fortificou a resistência em terras bielorrussas. Recortes de jornais, documentos e cartas da época também ajudaram-no a montar o mosaico. Em outra iniciativa para documentar a saga da resistência, a socióloga sobrevivente do Holocausto, Nechama Tec publicou o livro "Defiance: The Bielski Partisans" (Desafio: Os Partisans Bielski).
Os dois trabalhos naturalmente dedicam atenção especial a Tuvia Bielski que, com mão-de-ferro, comandava a comunidade. Veterano do exército polonês, onde serviu em 1928, ele aplicou as táticas aprendidas em seu serviço militar na luta contra os nazistas e seus colaboradores. A personalidade forte ajudou a construir a liderança entre seus subordinados. Sua cabeça esteve a prêmio, com uma oferta das forças de ocupação de milhares de reichmarks pela captura.
Quando fugiram para a floresta da região de Naliboki, os três irmãos foram acompanhados por 13 pessoas que escaparam do gueto de Novogrudek. Passaram então, pessoalmente ou com a ajuda de emissários, a circular uma mensagem entre judeus escondidos ou presos pelos nazistas: salvem-se, juntando-se a nós na floresta. Rapidamente, a comunidade reunia mais de 100 integrantes. Uma aldeia surgia em meio às árvores. A vida comunitária florescia com a sinagoga, o teatro. Enfermaria, escola, sapataria, barbearia, padaria foram improvisadas para permitir a sobrevivência. Uma disciplina férrea organizava o dia-a-dia, e os partisans se dividiam nos ataques aos nazistas e a seus colaboradores e também na permanente sentinela. Várias vezes os "judeus da floresta" foram alvos de ofensivas inimigas e tiveram de se deslocar, buscando locais mais protegidos da ameaça da ocupação.
Os comandados de Tuvia Bielski estabeleceram contatos e colaboração com os partisans soviéticos. Ataques e ações de sabotagem contra os nazistas e seus colaboradores deixaram marcas profundas naquela região da Bielorrússia.
O trabalho de Peter Duffy descreve em detalhes o sofrimento imposto pela barbárie nazista e narra os momentos de extrema violência produzidos pela realidade da guerra. O livro também é rico em descrições sobre o cotidiano dos "judeus da floresta", sobre seus esforços pela sobrevivência e para manter intacta sua identidade cultural e religiosa, em meio a um ambiente de massacres e de sangrentos conflitos entre os grupos, militares e civis, envolvidos no drama da Segunda Guerra Mundial.Os partisans soviéticos tentaram em diversas ocasiões absorver a unidade chefiada pelos irmãos Bielski. No entanto, essas tentativas foram rechaçadas, embora ao mesmo tempo se buscasse manter boas relações com as forças de resistência apoiadas pelo Kremlin. O comandante Tuvia acreditava que sua missão não consistia apenas numa operação militar, mas também num esforço para salvar judeus não-combatentes.
Em 1943, os nazistas protagonizaram uma violenta ofensiva contra os partisans na região da floresta de Naliboki. O comandante soviético exortou Tuvia a dividir sua comunidade entre guerrilheiros e civis, para que os não-combatentes "não fossem um fardo". O líder judeu sabia que essa opção implicaria abandonar uma parte do grupo e, por conta disso, se recusou a seguir a ordem. Preferiu mudar a aldeia de lugar, levando-a para uma posição mais protegida em meio à floresta bielorrussa.
A situação começou a melhorar em 1944, devido à contra-ofensiva soviética que levaria ao triunfo contra os nazistas, no ano seguinte, em Berlim. O Exército Vermelho, em sua marcha rumo à Alemanha, conseguiu liberar áreas da Bielorrússia, o que permitiu aos "judeus da floresta" emergirem de seu esconderijo. Sob o comando dos irmãos Bielski, 1.230 homens, mulheres e crianças, que se espalhavam por uma fila com cerca de um quilômetro de extensão, caminharam de volta às ruínas da pequena cidade de Novogrudek.
Asael Bielski morreu durante a batalha de Königsberg, em 1944, servindo no Exército Vermelho. Tuvia e Zus trabalharam para autoridades soviéticas por um breve período e, em 1945, emigraram, com suas famílias, para Israel. Lutaram na Guerra da Independência, em 1948, e, em meados dos anos 1950, decidiram mudar para os Estados Unidos. O motivo: Tuvia viajou em busca de outras formas de assistência médica para uma úlcera no estômago, que provocava uma rápida deterioração em sua saúde.
Os irmãos e seus familiares se instalaram no bairro do Brooklyn, em Nova York. Tuvia trabalhou, por exemplo, como motorista de caminhão, e Zus teve uma companhia de táxi. Em 1987, o personagem principal da história dos "judeus da floresta", Tuvia, morreu, aos 81 anos de idade. Em 1988, seu corpo foi levado a Israel, para ser enterrado, com direito a honras militares, num cemitério na região de Jerusalém. Zus faleceu em 1995, em solo americano, assim como o irmão mais velho. Nos anos seguintes, a saga dos "judeus da floresta" passou a ser resgatada por iniciativas como a de Peter Duffy. Planos também surgiram para levar esse episódio da luta contra o hitlerismo à televisão, como um documentário do History Channel, e às telas do cinema. O diretor australiano Phillip Noyce planejava lançar o filme "The Bielski Brothers", com roteiro de Kathleen McLaughlin, ainda em 2006, segundo o site TheMovieInsider.
Os partisans judeus protagonizaram também histórias de heroísmo, perseverança e de combate à barbárie nazista em países como França, Bélgica, além de Ucrânia, Polônia e Lituânia. Unidades de resistência surgiram em mais de cem guetos. Estima-se que entre 20 mil e 30 mil judeus atuaram como guerrilheiros na Segunda Guerra Mundial, em unidades exclusivamente judaicas ou em movimentos mais amplos da resistência ao nazismo. E, nesse cenário, a trajetória dos "judeus da floresta" e dos irmãos Bielski ocupa um lugar de especial destaque.
O jornalista Jaime Spitzcovsky é editor do site www.primapagina.com.br. Foi editor internacional e correspondente em Moscou e em Pequim.