Tradicionalmente vinculadas a profissões como o professorado, as habitantes da cidade de Modiin Illit vêm demostrando seu potencial profissional e conquistando espaço no mercado de alta tecnologia de Israel.

Redução nos subsídios governamentais é a razão principal que está mudando o dia-a-dia das mulheres ortodoxas que vivem em Israel. Tradicionalmente restritas às atividades do lar ou a funções que não exigem muita qualificação profissional e, portanto, são mal remuneradas, elas vêm sendo obrigadas a entrar no mercado de trabalho. E, muitas vezes, acabam sendo a principal fonte de renda familiar. Sobreviver com os rendimentos que as famílias ortodoxas recebem do governo, exige muita criatividade e se torna cada vez mais difícil.

Há décadas, de modo geral, as mulheres vêm conquistando o seu espaço no campo profissional, nas mais diferentes áreas. No entanto, o processo é relativamente novo no universo feminino ortodoxo. Geralmente, elas enfrentam dificuldades para encontrar uma atividade que, além de suprir suas necessidades financeiras, atenda às suas especificidades religiosas e, ainda, permita-lhes cuidar dos filhos e do lar. A resistência dentro de alguns segmentos desse mundo ainda é forte, mas o vento das mudanças começou a soprar irreversivelmente.

Chaya Milgraum, de 22 anos, moradora do assentamento de Modiin Illit, mãe de dois filhos, é um exemplo concreto do processo de transformação. Casada com um estudante de ieshivá - atividade que exige dedicação integral - ela começou a trabalhar há dois anos. Apesar de seus pais e sogros não concordarem totalmente com a idéia, a realidade se impôs acima de tudo: "Nós realmente precisávamos aumentar a nossa renda. Se eu não conseguisse um emprego, a situação ficaria cada vez pior. O difícil era conseguir uma ocupação que me permitisse manter as nossas convicções religiosas e, ao mesmo tempo, ter um salário regular e satisfatório".

A solução para o dilema de Chaya veio através de uma iniciativa encabeçada por Joe Rosenbaum, judeu ortodoxo de New Jersey (EUA), fundador da empresa norte-americana CityBook. Rosenbaum decidiu montar um centro de serviços de sua empresa de seguros em Modiin Illit, na área de terceirização de serviços, outsourcing business, seguindo a tendência internacional. Ele escolheu Israel por várias razões, entre as quais, a qualidade de sua mão-de-obra e os salários mais baixos do que os vigentes nos EUA, apesar de mais altos do que os da Índia ou das Filipinas. Queria também abrir oportunidades profissionais para mulheres religiosas.

"Elas não poderiam trabalhar em qualquer companhia de alta tecnologia de Tel Aviv, pois o ambiente não condiz com seu estilo de vida. Na CityBook, além de treinamento e bons salários, elas estão em um ambiente de trabalho moderno, mas que respeita seus valores religiosos. Ou seja, separação total entre homens e mulheres, roupas simples para ambos os sexos, cozinhas casher e tempo livre para fazer suas preces", explica Rosenbaum. O salário médio varia entre US$ 800 e US$ 1.000.

Para Chaya e sua família novas perspectivas se abriram, levando seus pais e sogros a mudarem de opinião. "Depois de algum tempo, eles me disseram que ter um emprego era muito bom, pois eu estava saindo de casa durante um período do dia, aprendendo a tomar conta de mim mesma, sentindo-me muito bem comigo mesma por estar sendo útil e, o mais importante, ajudando meu marido e meus filhos a ter uma vida melhor", afirmou. Para o empresário, os resultados também estão sendo positivos, tanto que ele está-se preparando para repetir a experiência de Modiin Illit em outras áreas de Israel com grande concentração ortodoxa, como Jerusalém. "As mulheres religiosas são excelentes profissionais, extremamente responsáveis e eticamente comprometidas com suas funções".

Chaya é apenas uma dentre as centenas de mulheres de Modiin Illit que, atualmente, por algumas horas do dia, trocam seu trabalho no lar por um tempo em alguma empresa. Esta é uma mudança significativa na rotina de uma cidade na qual a maioria dos homens não trabalha, pois estuda, em tempo integral, nas ieshivot, enquanto suas mulheres tomam conta dos filhos.

Esta realidade começou a mudar há alguns anos, quando Ya'akov Guterman, prefeito da cidade, tomou a decisão de combater a profunda crise econômica e a pobreza crescente no meio religioso. Ao andar pela cidade, diz que costumava perguntar a si próprio por que aquelas mulheres, sentadas nas praças ao redor de carrinhos de bebês e cuidando de seus filhos, não estavam contribuindo para aumentar a renda familiar em uma cidade em que a falta de recursos era gritante e a média de filhos é de 5,8% por casal. "Com a redução dos subsídios do governo e cerca de 70% da população masculina nas ieshivot, em período integral, não havia dúvida de que mais uma geração estava sendo criada na penúria. Por que, então, elas não poderiam trabalhar, considerando-se que a maioria possuía boa formação educacional?"

A solução, em sua opinião, é incentivar a implantação de empresas de alta tecnologia interessadas em oferecer empregos adequados à população religiosa do município. Esse modelo econômico seria adequado ao perfil de uma cidade cuja população masculina estava dedicada aos estudos e cujas mulheres precisavam conciliar suas atividades profissionais com suas convicções religiosas e sua vida no lar. Os primeiros sinais de mudança no assentamento, construído há dez anos, apareceram em 2002, um ano após Guterman assumir a prefeitura. Dois anos mais tarde, o governo decidiu incluir Modiin Illit em um projeto de Call centers que oferecia benefícios às empresas que contratassem mulheres desempregadas. Quando a prefeitura publicou um anúncio em jornal local sobre o projeto, recebeu em um único dia 800 currículos de mulheres jovens, com diploma secundário e universitário.

Hoje o assentamento passa por uma espécie de revolução tecnológica, que está mudando o perfil sócio-econômico da região. Atualmente, mais de 800 mulheres, das 6.500 famílias que integram a população da cidade, trabalham em companhias de tecnologia de ponta que se estabeleceram nas redondezas nos últimos três anos.

A própria esposa do prefeito de Modiin Illit, Yonah, é, atualmente, funcionária de uma empresa na cidade, a HMO. Seu dia começa cedo, em casa, e, após preparar as crianças para a escola, despede-se delas com um beijo e parte para uma jornada de trabalho que se encerra, pontualmente, todos os dias, às 14h30. "A qualidade dessa mão-de-obra é inegavelmente superior àquela empregada em países que atualmente competem com Israel na área de área de centro de serviços terceirizados, como a Índia e outros países do Terceiro Mundo. Este diferencial atrai cada vez mais empresas israelenses e internacionais para a nossa região. Acredito que, nos próximos anos, Israel será uma referência no mercado internacional", ressalta Guterman.

Como confirmação do sucesso da iniciativa da CityBook, a israelense Matrix Talpiot, empresa na área de computação e informática sediada em Herzliya, instalou um centro de serviços de outsourcing em Modiin Illit, há dois anos e meio, atendendo clientes em vários países do Ocidente. A empresa atua na área de programação, análise de sistemas, desenvolvimento e gerenciamento de projetos. Com 2.000 funcionários e um capital de giro anual de cerca de US$ 100 milhões, a companhia criou, na unidade de Modiin Illit, as condições adequadas para atrair mulheres religiosas, incluindo uma Sala de Amamentação, para aquelas cujos filhos ainda são muito pequenos e necessitam de atenção especial. Este é um detalhe importante, considerando-se que a média de nascimentos por semana, na região, é de 40 bebês.

Será que todo este cuidado é realmente necessário? Segundo Libby Affen, esposa de um rabino que dirige uma ieshivá local e uma das gerentes do centro da Matrix Talpiot, não há dúvida que sim. A qualificação da mão-de-obra feminina religiosa é superior à de seus concorrentes no exterior. Especialista em programas de computação e com ampla experiência, Libby foi indicada pela Matrix para gerenciar uma série de serviços de TI para o Ministério das Relações Exteriores de Israel. Vem atuando também como elemento de ligação entre a comunidade ortodoxa e a Matrix, mantendo contato com centros educacionais e rabinos em todo o país, no sentido de estimular o aperfeiçoamento da mão-de-obra feminina. Libby tem sido também um elemento fundamental para atrair as jovens mulheres religiosas, estimulando-as a fazer opções profissionais mais ligadas à alta tecnologia e menos às funções tradicionalmente exercidas por elas, como por exemplo, a de professora.

Atualmente, a Matrix Talpiot possui 300 funcionários na unidade de Modiin Illit, na maioria, mulheres. Em grande parte, elas cursaram escolas e faculdades religiosas onde estudaram computação durante três anos, tendo a respectiva certificação. Assim que começam a trabalhar na empresa, recebem um treinamento específico, de acordo com as funções que irão desempenhar e com as necessidades dos clientes. "A Matrix desenvolveu um método especial para treinar os funcionários em diferentes disciplinas e linguagens de computador", explica Libby.

A empresa vem recebendo também incentivos do governo israelense que se traduzem em um subsídio de US$ 200 mensais, para cada funcionário contratado por cinco anos. "Não é por acaso que estamos em Modiin Illit e pretendemos abrir mais um centro em Beit Shemesh, outra área de grande concentração ortodoxa", diz Ronen Engler, vice-presidente de marketing da Matrix Talpiot. "Estamos aqui por causa das qualidades especiais da população, pelo nível educacional relativamente alto, pela disponibilidade de mão-de-obra e porque o governo tem interesse em gerar empregos na região. Some-se a estes fatores o baixo custo de vida em Modiin Illit e nas redondezas, o que torna o salário mínimo de aproximadamente US$ 800 bastante atraente". Para as jovens mulheres ortodoxas, a carga horária menor do que a exigida em outras empresas do país, das 8h às 16h, é mais um ponto positivo.

De acordo com a filosofia da empresa, cada funcionário ou grupo de funcionários atende um cliente específico - pode ser um banco local ou uma empresa de software nacional, como a gigante israelense do setor de telecomunicações, Amdocs, ou internacional, como a alemã SAP. Cada cliente é encaminhado para uma sala especial na unidade de Modiin Illit, seleciona os profissionais que atuarão em seu projeto e pode enviar ou não, dependendo de seu interesse, alguém de sua própria empresa para trabalhar junto ao coordenador indicado pela Matrix Talpiot.

A empresa possui atualmente 35 clientes e vem-se empenhando em aumentar sua participação na América do Norte. A empresa aposta na força de trabalho feminina ultra-ortodoxa para garantir a qualidade de seus serviços e a satisfação de seus clientes. Uma aposta que vem sendo ganha.

Bibliografia

· Kalman, Matthew, "US firms turn to Israel as outsourcing alternative", artigo publicado no The Boston Globe, em 24 de novembro de 2006

· Eisen, Sara K., "Israel's Matrix reinvents the high tech workplace - for religious women", artigo publicado no http://www.israel21c.com, em 18 de fevereiro de 2007