Dois pequenos países demonstram como é possível desafiar grandes pressões internacionais e proteger suas convicções.
Costa Rica e El Salvador mantêm suas embaixadas na capital israelense, Jerusalém, apesar das retaliações do mundo árabe. Até mesmo os Estados Unidos, maior aliado de Israel, deixam a sede de sua representação diplomática em Tel Aviv, para, na argumentação da Casa Branca, não ferir "suscetibilidades" e não dificultar eventuais processos de paz no Oriente Médio. Para Israel, Jerusalém é sua capital e uma cidade indivisível. "Por três mil anos, Jerusalém tem sido o centro da esperança e das aspirações judaicas. Nenhuma outra cidade desempenha um papel tão dominante na história, na cultura, na religião e na consciência de um povo como Jerusalém na vida dos judeus e do judaísmo", declarou certa feita Teddy Kollek, que governou a cidade entre 1965 e 1993. Lideranças árabes, no entanto, reivindicam que a porção oriental de Jerusalém seja a capital de um Estado palestino. A pressão árabe se intensificou em 1980, chegando a obter, com patrocínio da União Soviética, uma resolução das Nações Unidas que pedia a retirada das embaixadas de Jerusalém. Os EUA se abstiveram naquela votação, pois o presidente egípcio Anuar Sadat ameaçara se retirar do processo de Camp David, o acordo de paz entre Egito e Israel, assinado em 1979, com apoio decisivo de Washington.
Nos anos 80, portanto, se consolidou a tendência de os países que mantêm relações diplomáticas com o Estado judeu contarem com embaixadas em Tel Aviv, numa concessão à ofensiva do mundo árabe. Costa Rica e El Salvador resolveram desafiar essa lógica, em consonância com seu histórico de estreitas relações com Israel e hoje, são os dois únicos países com embaixadas em Jerusalém. A opção costarriquenha foi definida como um "exercício pleno de soberania e de justiça com o povo judeu" por Luis Alberto Monge, presidente entre 1982 e 1986 do país centro-americano conhecido mundialmente por sua longa tradição pacifista. O Exército foi abolido em 1948 e uma guarda civil protege a Costa Rica, um oásis de estabilidade democrática no conturbado cenário político da América Central. Em 1980, a ONU criou em San José, capital costarriquenha, a Universidade da Paz.
Luis Alberto Monge, o presidente responsável pela opção de ignorar a resolução 478 das Nações Unidas e de colocar a Embaixada de seu país em Jerusalém, criticou o que ele chamou de "terrorismo diplomático": "A Liga Árabe reagiu violentamente contra a nossa decisão. A suas ameaças, respondemos que o povo da Costa Rica sempre repudiou todo tipo de terrorismo e que não nos dobraríamos ao terrorismo diplomático".
O caso da Guatemala ilustra, por exemplo, a tática do boicote comercial. No começo dos anos 90, Ramiro de Leon Carpio, então presidente do país, decidiu pela instalação da embaixada em Jerusalém. A Arábia Saudita anunciou que a decisão significaria retaliação nas importações de produtos guatemaltecos. O pequeno país centro-americano acabou revendo sua opção, e a embaixada permaneceu em Tel Aviv. A situação produz um quadro único no cenário diplomático internacional. Israel naturalmente concentra suas principais instituições na capital, onde ficam a sede de governo, ministérios, Parlamento, entre outras. Os embaixadores cotidianamente se deslocam de Tel Aviv a Jerusalém para participar de encontros de trabalho. Dos cerca de 180 países com quem os Estados Unidos mantêm relações diplomáticas, Israel é o único no qual a embaixada norte-americana não fica na capital.
A Casa Branca tem que mudar a embaixada para Jerusalém por uma questão de princípio, sustentou recentemente o senador norte-americano Sam Brownback, do Partido Republicano. Para ele, a representação diplomática de seu país deve se instalar na capital. "Isso não está relacionado com Israel, isso está relacionado com a política dos Estados Unidos", afirmou o senador. Sam Brownback se apóia também em uma resolução do Congresso norte-americano, de 1990, sustentando que "Jerusalém é e deve ser mantida como capital do Estado de Israel" e "permanecer como uma cidade indivisível, na qual os direitos de todas as etnias e de todos os grupos religiosos sejam protegidos". Cinco anos depois, mais uma importante ação dos congressistas norte-americanos resultou na aprovação da Lei da Embaixada de Jerusalém, a qual exorta a Casa Branca a instalar a representação diplomática do país na capital israelense antes de 1999.
A legislação, no entanto, prevê que o governo norte-americano pode adiar a mudança da embaixada "em nome de interesses estratégicos e de segurança" dos Estados Unidos. Os presidentes Bill Clinton e George W. Bush recorreram a esse mecanismo, embora os dois, durante campanhas eleitorais, defenderam que a sede da representação diplomática norte-americana ficasse em Jerusalém. Por enquanto, Costa Rica e El Salvador aguardam que sua decisão seja seguida por mais países.
O jornalista Jaime Spitzcovsky é editor do site www.primapagina.com.br. Foi editor internacional e correspondente em Moscou e em Pequim.