No sexto dia do mês hebraico de Sivan, o povo judeu, unido como se fosse uma só pessoa, testemunhava a revelação divina e o recebimento da Torá no Monte Sinai.
Quando D'us se faz ver a Moisés, pela primeira vez, o Todo-Poderoso o elege Seu Emissário, ordenando-lhe: "Vem, pois te enviarei ao Faraó e contigo levarás Meu povo, os Filhos de Israel, para fora do Egito". Mas Moisés desfia uma corrente de argumentos para justificar que talvez ele não fosse adequado para tamanha incumbência. Alega que não conseguiria impor-se perante o poderoso Faraó do Egito; declara ser destituído de talento para missão tão nobre e crucial. E, por fim, diz ao Criador que, apesar dos milagres que Este lhe permitiria obrar em Seu Nome, os judeus jamais creriam nele ou em sua mensagem. Nesse momento, D'us interrompe toda aquela argumentação, pois não permite que ninguém, nem mesmo seu maior profeta, difame Seu Povo. D'us diz a Seu Emissário: "Moisés, se fores tu a liderar Meu povo, antes de tudo tens que saber que eles são gente de fé, que descendem de gente de fé".
Pode-se até entender por que o homem mais humilde de todos os tempos se considerava indigno para desempenhar a maior missão na história da humanidade. Mas, por que razão ele - o grande defensor e modelo de líder do povo judeu - duvidava da fé de sua própria gente? Para isto encontra-se uma resposta nos ensinamentos de Maimônides, também conhecido como o Rambam. Este grande sábio ensina que a verdadeira fé jamais se pode basear exclusivamente em milagres, porque estes podem ser fabricados ou realizados por meios outros que não a Intervenção Divina. Moisés preocupava-se que os judeus talvez não o aceitassem como emissário de D'us porque os milagres não são nem devem ser o fundamento para a fé de um povo. E, a bem da verdade, até mesmo os feiticeiros egípcios sabiam realizar alguns desses.
A história é nossa conhecida e sabemos que Moisés acabou por aceitar a missão. Mas só o fez depois que D'us, em resposta a seus questionamentos, lhe prometeu: "Quando levares o povo para fora do Egito, servirás o Eterno na montanha". Foi a forma escolhida por D'us para lhe anunciar que logo após deixarem o Egito, os judeus seriam levados ao Monte Sinai, onde receberiam a Torá. Portanto, a fé do povo de Israel em Moisés e em seus ensinamentos basear-se-ia não em milagres, mas numa Revelação Divina expressa: todo judeu - homem, mulher e criança - iria ouvir a Voz de D'us. E isto, de fato, aconteceu e é o que celebramos na festa de Shavuot, no 6º dia do mês hebraico de Sivan. A Cabalá ensina que todas as almas judias, inclusive aquelas que ainda nem haviam nascido fisicamente, estavam presentes no momento da outorga da Torá. Por essa razão, todas as futuras gerações de judeus se viram obrigadas a cumprir seus Mandamentos.
Chegando ao Sinai
O clímax e a própria razão do Êxodo ocorreram 50 dias após terem os judeus deixado o Egito. Estavam cientes de que o momento de sua realização plena ocorreria no Sinai; era lá que se tornariam não apenas uma nação, mas um povo único e eterno.
Conta-nos a Torá que "no terceiro mês após o Êxodo dos Filhos de Israel do Egito, eles chegaram à aridez do Sinai". Rabi Shimon Bar Yochai, autor do Zohar, o Livro do Esplendor, revelou a razão para que a Torá fosse dada ao povo judeu em meio à desolação daquela "terra de ninguém". Explicou-nos que se tivesse sido entregue na Terra de Israel ou em qualquer outra, os habitantes judeus do local reclamariam a Torá apenas para si. Assim pois, a Lei foi entregue em um deserto sem dono, para que qualquer judeu que a quisesse possuir, se sentisse habilitado a fazê-lo.
Ao descrever a chegada do povo judeu ao Monte Sinai, a Torá relata que "Israel acampou lá, em frente à montanha". Cabe mencionar que nas outras passagens em que a Torá descreve os acampamentos do povo judeu, diz, apenas, "...e eles acamparam..." - assim, no plural. Na passagem em questão, diz "...Israel acampou", no singular. Rashi, o grande comentarista da Torá, escreveu que essa aparente peculiaridade visa mostrar-nos que quando os judeus alcançaram o Monte Sinai, todos eles acamparam como se fossem uma só pessoa, com um só coração, com um sentimento em uníssono. Foi o momento em nossa história em que os judeus estiveram mais unidos do que nunca. E tal união era a condição necessária para que merecessem testemunhar a Revelação Divina e receber a Torá - isto porque apenas quando está verdadeiramente irmanado, o povo judeu consegue alçar-se à plenitude de sua realização e de sua grandeza soberana entre as nações. No primeiro dia do mês de Sivan, chegam os Filhos de Israel ao Monte Sinai. No dia seguinte, chamou o Eterno ao alto da montanha a Seu profeta, para anunciar que Ele tomaria para Si, como Seu Povo Escolhido, aos Filhos de Israel. O processo do recebimento da Torá iniciou-se, pois, no dia seguinte, o segundo do mês, quando o Todo-Poderoso pronuncia sua primeira mensagem a Israel, por intermédio de Moisés. Nesta, Ele menciona Seu Infinito amor pelo povo judeu e lhes promete que se ouvissem atentamente a Sua Voz e assumissem a grande responsabilidade de guardar a Sua aliança e aceitar a Sua Lei, seriam para Ele, "o tesouro de todos os povos, ...um reino de sacerdotes e um povo santo".
Moisés, então, desce do Monte Sinai, convoca os anciãos e os líderes de seu povo e a eles expõe tudo quanto lhe ordenara o Eterno. Prontamente após ouvir o chamado Divino, o povo todo proclama sua aceitação unânime de tudo o que dissera o Eterno. Moisés então retorna a D'us, no terceiro dia do mês. E ouve do Todo-Poderoso a promessa que lhe fizera quando por primeira vez Se fizera ver diante dele, de que Se revelaria a todos os judeus. D'us falaria a Moisés em meio a uma espessa nuvem, de tal forma que todo o povo pudesse ouvir Sua Voz para que, assim, soubessem todos que ele, Moisés, era profeta verdadeiro. Só assim poder-se-ia ter a garantia de que todas as futuras gerações aceitariam a origem Divina da Torá e a incontestabilidade dos ensinamentos de Moisés. De modo a estabelecer a Torá como a Palavra - eterna e imutável - de D'us, a Revelação no Sinai se fez diante de todos. Ao contrário de todas as outras religiões, o judaísmo não se iniciou através de um ser humano que alegava ter recebido uma mensagem das Alturas. Iniciou-se quando o Eterno revelou a Si mesmo diante de 600.000 homens e seus familiares. A veracidade da Torá é, pois, irrefutável, sendo esta a razão para que nem mesmo as demais religiões fundadas a partir do judaísmo tenham sequer ousado negar sua origem Divina.
A Revelação
No quarto dia do mês de Sivan, Moisés retorna ao local onde estavam acampados os judeus e anuncia ao povo que eles ouviriam a Voz de D'us revelando-se perante eles. A reação foi entusiástica, pois, como disseram nossos sábios, "receber uma mensagem através de um emissário não se compara a ouvi-la diretamente do Rei!" E como nos conta Rashi, os judeus disseram a Moisés: "Ansiamos por ver nosso Rei!" Para que o povo estivesse em estado de pureza ritual durante a Revelação, o Eterno ordena a Moisés que os instrua a se abster de relações carnais e a se purificar - eles próprios e suas vestes - em um mikvé, o banho ritual que purifica a alma. D'us também ordena que Moisés demarque limites ao redor do Monte para o povo. Não tinham permissão para subir, nem sequer tocar em suas encostas. Isto porque ser vivente algum, à exceção de Moisés, poderia ascender ao Monte Sinai, tão intensa era a esfera de santidade lá reinante. Um simples toque em qualquer parte do Monte causaria morte instantânea. Convém esclarecer que tal restrição somente se aplicava ao Monte Sinai enquanto a explícita Presença Divina lá pairasse. No monte não havia, então, santidade intrínseca alguma, como tampouco o há, hoje. Pois que o que conferia a santidade ao monte era a Presença Divina e a Sua Torá.
No sexto dia, chega o momento tão ansiado. A Torá descreve a manhã em que D'us, pela primeira e única vez na história, revela-Se aberta e declaradamente. Moisés acompanhou o povo à saída do acampamento, levando-os ao sopé da montanha para o encontro com D'us. O Monte Sinai fumegava, por completo, pois sobre ele descera, em fogo, a Shechiná, a Presença Explícita do Todo-Poderoso, fazendo estremecer a formação rochosa. Ao descer, Ele convocou Moisés ao topo da montanha e este assim fez. Novamente, D'us disse a Moisés que alertasse o povo a não ultrapassar os limites demarcados, ao que ele retrucou que não seria necessário, pois os judeus sabiam que qualquer violação da ordem resultaria em morte. Mesmo assim, D'us ordena-lhe que repita o aviso, pois sabia que o povo, cego por sua tremenda sede de espiritualidade, poderia passar por cima da ameaça de morte, atendendo o incontrolável desejo de se aproximar da Shechiná.
Relata o Midrash que no momento em que D'us entregou a Torá, dos pássaros não se ouviu gorjeios nem asas a bater, do gado nenhum mugido, dos anjos o farfalhar das asas; dos serafins não se ouviu o eco de "Santo, Santo", das ondas não se ouviu marulho algum e dos seres humanos sua voz não se fez ouvir. Todo o imenso universo se aquietou em um silêncio inerte e, somente então, se fez ouvir, tonitruante, a Voz do Eterno, a proclamar: "Eu sou o Senhor, teu D'us!"
Há uma dúvida quanto a ter o povo judeu ouvido todos os Dez Mandamentos ou apenas os dois primeiros. Pois, naquele momento, durante a Revelação, eles disseram a Moisés que aquela vivência era por demais intensa para eles; preferiam que D'us falasse apenas a ele e, por sua vez, ele lhes transmitisse a Torá. Os sábios do Talmud ensinam que o valor numérico da palavra Torá é 611, porque Moisés ensinou 611 dos 613 mandamentos da Torá aos judeus. Os outros dois - ou seja, os dois primeiros Mandamentos - eles haviam recebido diretamente do Todo-Poderoso.
Rashi e Rambam explicam que o povo judeu ouviu os Dez Mandamentos simultaneamente, de D'us, mas como todas as palavras foram proferidas de uma só vez, o povo não poderia tê-las entendido. Foi então que D'us começou a repetir os Dez Mandamentos, palavra por palavra, para que todo o povo os pudesse compreender. Contudo, após a proclamação do Segundo Mandamento, eles fizeram saber a Moisés que não tinham condições físicas e emocionais para suportar momento espiritual tão intenso. Daí o pedido para que ele lhes transmitisse o restante.
Vem à tona uma pergunta óbvia: qual a razão para ter D'us proferido todos os mandamentos em uma única proclamação, se o povo não os podia abarcar? Assim foi para nos ensinar que não devemos dar importância maior ou menor a nenhum dos mandamentos Divinos e também para nos fazer entender que a Torá é um todo integral e unificado. Argumentar que é possível mudar alguma de suas partes - uma letra sequer - é o mesmo que rejeitá-la por completo.
Analisando o Primeiro Mandamento - as primeiras palavras que emanaram de D'us a todo o povo judeu - perguntam nossos Sábios: não teria sido mais apropriado se D'us tivesse identificado a Si próprio como o Criador e Sustentáculo deste mundo? "Não", respondem os mestres chassídicos. No Sinai, D'us não Se dirigiu a nós como o Autor da natureza, mas como o Executor de um milagroso Êxodo. No Primeiro Mandamento, no qual D'us nos diz ser Ele nosso Senhor, Ele se dirige ao povo judeu na primeira pessoa. Isto significa que está falando a cada um dos judeus, em cada uma das gerações, individualmente. O fato de ser o Criador e Mestre do Universo é de menor importância do que o fato de ser Ele um D'us pessoal, individualmente envolvido nos mais ínfimos assuntos de cada um de Seus filhos. Os mestres chassídicos vão além e nos ensinam que, no Sinai, forjamos um pacto com D'us mediante o qual nos comprometemos a superar todos os limites da natureza e das convenções em favor de nosso compromisso com Ele; e Ele prometeu revogar todas as leis da natureza e das convenções sob Sua Providência em nosso benefício. Isto explica os milagres que recaem sobre nós - como indivíduos e como nação - e é esta a resposta ao mistério da eternidade do povo judeu.
Há outra razão que explica por que o povo judeu conseguiu sobreviver e preservar a Torá. Consta no Midrash que quando o povo de Israel estava no Sinai pronto para receber a Torá, D'us lhes disse: "Trazei-Me garantias de que ireis preservá-la - e então darei a Torá a vós". Ao que o povo respondeu: "Nossos ancestrais serão nossas garantias". Mas D'us lhes retrucou: "Encontro falhas em vossos ancestrais ... mas trazei a Mim garantias firmes e eu vos entregarei a Torá". O povo respondeu: "Rei do Universo, nossos profetas serão nossas garantias". E o Eterno: "Também em vossos profetas encontro faltas ... Insisto, apresentai diante de Mim boas garantias e a vós entregarei a Minha Torá". Por fim, o povo respondeu: "Nossos filhos serão nossos fiadores e nossas garantias". Ao que o Todo-Poderoso respondeu: "Isto, sim, são garantias excelentes. Em consideração e por amor a eles, vos darei a Minha Torá!".
No último capítulo do Livro dos Profetas, o profeta Malaquias fala sobre a chegada da Era Messiânica, quando a Presença Divina será palpável, como o foi no Monte Sinai. Este profeta tem inúmeras mensagens a dar a nosso povo. A mais importante é a que diz que nunca devemos esquecer-nos nem tampouco deixar de cumprir a Torá que Moisés nos trouxe das alturas do Monte Sinai. Malaquias conclui sua profecia proferindo uma declaração que nos ajuda a entender a razão pela qual D'us aceitou as crianças judias como fiadoras da Torá: ele profetiza que saberemos que a Era Messiânica está por chegar "quando as crianças trouxerem de volta o coração de seus pais".
As Leis de Shavuot
Shavuot, uma das três Festas da Peregrinação do calendário judaico marca a entrega da Torá ao povo judeu, no Monte Sinai. Celebrada exatamente 50 dias após o primeiro dia de Pessach é também chamada de Zman Matan Torateinu - "A época da entrega de nossa Torá". Shavuot é comemorada durante um dia, em Israel, e dois na diáspora, sempre no 6o dia do mês de Sivan, este ano, dia 13 de junho.
Leis e costumes
Tikun Leil Shavuot - Noite de vigília e estudo - Na primeira noite de Shavuot, este ano, domingo, 12 de junho, é costume se realizar nas sinagogas uma vigília, que dura toda a noite, dedicada ao estudo da Torá. A Cabalá enfatiza a importância desse ritual, conhecido como Tikun Leil Shavuot. Uma explicação para esta tradição é que o povo judeu não acordou cedo no dia em que D'us lhes iria outorgar a Torá, tendo sido necessário que Ele Mesmo os acordasse. Como uma espécie de contrapartida a essa atitude, foi instituído o costume de se permanecer acordado, estudando a Torá.
Primeiro dia - Leitura dos Dez Mandamentos - No dia seguinte, o primeiro dia de Shavuot, este ano, 2ª feira, 13 de junho, ouve-se, em todas as sinagogas, a leitura dos Dez Mandamentos. É da maior importância que os pais participem junto com seus filhos.
Segundo Dia - Livro de Ruth - No segundo dia de Shavuot é lido nas sinagogas o Livro de Ruth. Os sábios consideravam a história de Ruth - uma moabita que abraçara o judaísmo - apropriada para a data não apenas por se passar durante a colheita, mas especialmente em razão de seus ensinamentos. Na célebre passagem bíblica, símbolo de profunda devoção e fé, Ruth, após a morte do marido judeu, declara à sogra: "Teu povo será meu povo e teu D'us será meu D'us". Ruth voltou a se casar e seu bisneto foi o rei David, que nasceu e faleceu durante Shavuot.
Plantas Verdes - Em Shavuot é costume enfeitar casas e sinagogas com flores e folhagens. O Midrash relata que quando a Torá foi entregue ao povo judeu, o Monte Sinai - uma montanha deserta e árida - foi repentinamente coberto de flores, árvores e grama. Entretanto, as folhagens simbolizam, acima de tudo, o costume vigente na época do Templo Sagrado, de se levar para Jerusalém as primícias, ou seja, os primeiros frutos colhidos dentre as sete espécies que caracterizam a Terra de Israel.
Comidas a base de leite - Outro costume é consumir alimentos derivados do leite, já que a Torá é comparada ao leite. A palavra hebraica para leite é chalav. Quando se soma o valor numérico de cada uma das letras desta palavra chega-se ao total de quarenta. Quarenta é o número de dias que Moisés passou no Monte Sinai. Alem do que a Torá é a fonte de vida para tudo, da mesma maneira que o leite para um recém-nascido. Existem outras explicações para este costume. A partir da outorga da Torá, as leis da cashrut tornaram-se obrigatórias. No entanto, como a Torá foi entregue no Shabat, nenhum animal podia ser abatido e nem os utensílios casherizados.