Há quarenta anos, às 3 horas e 35 minutos do dia 18 de maio de 1965, era enforcado em Damasco um jovem perto de completar 41 anos de idade, chamado Elie Cohen, o mais notável dos agentes secretos que até hoje atuaram nos serviços de inteligência de Israel.
Elie Cohen nasceu no bairro judeu de Alexandria, Egito, no dia 16 de dezembro de 1924, um dos oito filhos do casal Shaul e Sofie Cohen, originários de Alepo, Síria. O pai importava tecidos de Paris e confeccionava gravatas, sem obter lucros expressivos. Sua casa era estritamente ortodoxa em matéria de religião, para a qual Elie se devotava com fervor. Com inteligência precoce, ganhou uma bolsa de estudos para o Liceu Francês e tornou-se fluente no hebraico por conta das constantes orações, dizendo-as de cor num verdadeiro prodígio de memória. Um de seus passatempos era ficar na varanda do apartamento anotando as placas dos carros que passavam, para depois repeti-las sem cometer sequer uma falha. No bar-mitzvá, ganhou dos pais uma câmera Kodak e fez da fotografia uma obsessão, a par do interesse pelo judaísmo, que o dirigiu para o Midrash Rambam, um centro de estudos talmúdicos. Ali também se revelou um aluno excepcional. Na adolescência, desistiu de ser rabino para dedicar-se à ciência. Na esfera política, considerava-se um nacionalista egípcio, inclusive participando de manifestações contra a presença britânica no país.
Àquela altura, estava em atividade no Cairo um ramal da organização Aliá Beit, que tinha como tarefa levar famílias judaicas para a antiga Palestina, cujas portas os ingleses haviam fechado. Ao terminar a Segunda Guerra Mundial, os líderes da Haganá decidiram incrementar sua ação no Egito, onde prevalecia uma onda de anti-semitismo. Acima de tudo, a Haganá necessitava de sólidas informações sobre as movimentações britânicas no Cairo, o quartel-general britânico no Oriente Médio. Quais eram os planos dos ingleses para a região? Como estavam reagindo os líderes árabes em face da criação de um futuro estado judaico? O que fariam se isso de fato se concretizasse? O homem encarregado de expandir a rede de espionagem foi o sabra Levi Avrahami, que chegou ao Egito na primavera de 1944, disfarçado como oficial britânico. Elie Cohen conheceu Avrahami e logo se integrou à sua equipe. Sua missão consistia em subornar funcionários públicos e militares egípcios, em busca de informações, além de se insinuar junto a diplomatas estrangeiros. Era uma tarefa que desempenhava com êxito, valendo-se de sua fluência nos idiomas árabe e francês, já acrescidos do italiano e do alemão.
Juntamente com a imigração ilegal, a intensa atividade do grupo recebeu o nome de "Operação Goshen". Entre 1945 e 1948, Elie trabalhou de forma incessante para contrabandear judeus para fora do país. Quando as Nações Unidas votaram pela partilha da Palestina, recrudesceu o anti-semitismo no Egito, onde já se dizia que o Estado Judeu seria estrangulado antes mesmo de nascer. Centenas de judeus começaram a ser presos sem motivo e propriedades foram confiscadas. Em julho de 1949, vitorioso na Guerra da Independência, Israel assinou um armistício com o governo do Cairo, inclusive liberando unidades militares egípcias que haviam sido cercadas e numa das quais se encontrava um jovem oficial chamado Gamal Abdel Nasser. Humilhados, os egípcios desfecharam novas e violentas ofensivas contra os judeus. Em 1950, a família de Elie Cohen tomou o rumo de Israel. Ele decidiu permanecer em Alexandria para dar prosseguimento às ações clandestinas. Naquela ocasião, chegou ao Egito um novo agente israelense, chamado Avraham Dar, sob a pele de um comerciante inglês de nome John Darling. Sua tarefa consistia em aprofundar a espionagem e uma das primeiras pessoas que recrutou foi o jovem Elie Cohen. O agente mandou-o para Israel onde, ao lado de quatro rapazes, permaneceu por três meses em treinamento de inteligência básica e técnicas de sabotagem. Ao fim do curso, Elie voltou para o Egito. Aplicado, tornou-se um excelente operador de rádio.
Em julho de 1952, o general Muhamad Naguib liderou um golpe de estado que derrubou a monarquia do Rei Farouk e determinou novos ataques terroristas contra os judeus. Em Alexandria, Elie continuou seu trabalho de espionagem, enviando freqüentes e valiosas mensagens para Tel Aviv. Em um dos despachos, advertiu sobre a presença no Egito de ex-oficiais nazistas, o que deu origem a uma posterior e bem-sucedida ação do Mossad, comandada por Zvi (Zvika) Malkin.
A precária situação dos judeus egípcios atingiu um ponto crucial em 1956, por ocasião da Guerra de Suez, na qual Israel aliou-se à França e à Inglaterra, num ataque destinado a garantir a passagem de navios de todas as bandeiras pelo Canal de Suez. Dos 300 mil judeus que viviam no Cairo em 1948, restavam menos de 45 mil. Sinagogas e escolas judaicas foram fechadas, o uso do hebraico, mesmo nas orações, estava proibido, médicos judeus e outros profissionais liberais viram-se impedidos de exercer suas profissões e propriedades foram tomadas. Nos cafés e restaurantes, lia-se o seguinte aviso: "Interditada a entrada de judeus e de cachorros". Nos meses anteriores, Elie Cohen havia sido duas vezes preso, suspeito de espionagem, mas com grande habilidade soube resistir aos interrogatórios. Quando o prenderam pela terceira vez, decidiram expulsá-lo do Egito. No dia 20 de dezembro de 1956, foi embarcado à força num navio da Cruz Vermelha Internacional, ancorado em Alexandria. Elie desembarcou em Nápoles e seguiu para Gênova, onde esperou oito semanas até que o governo israelense lhe desse lugar no navio italiano "Felipe Grimoni". No dia 12 de fevereiro aportou em Haifa.
Com 32 anos de idade, ele se sentia confuso e sem destino. Como era proibido mandar cartas do Egito para Israel, desconhecia o paradeiro da família. Acabou conseguindo o endereço de um de seus irmãos, Maurice, em Ramat Gan, até reencontrar-se, seis anos depois, com os pais, em Bat Yam.
Foi difícil sua adaptação ao novo país. Fiel à religião, surpreendeu-se com o comportamento secular da maioria dos israelenses. Deprimido, refugiou-se em novos estudos, familiarizando-se com o hebraico moderno e aprendendo grego. Num canto do apartamento da família montou um quarto escuro e voltou a se dedicar à fotografia. Depois, passou meses pedindo carona para conhecer Israel de norte ao sul. No fim de 1957, ofereceram-lhe um emprego no Ministério da Defesa. Seu trabalho era no campo da contra-inteligência e consistia na leitura de jornais dos países árabes. Os tópicos que julgasse relevantes, traduzia para o hebraico. Contudo, não suportou o tédio daquilo. Disse a seus superiores que preferia algo mais ativo, se possível espionagem no exterior. O Mossad, porém, não aceitava voluntários para missões dessa natureza e seu pedido foi recusado. Sentindo-se insultado, pediu demissão e foi trabalhar como contador numa cadeia de supermercados. Em 1959, conheceu uma bela jovem de cabelos negros, Nádia, enfermeira do Hospital Hadassah. Em apenas duas semanas decidiram casar-se.
No começo de 1960, esbarrou na rua com uma pessoa que tinha conhecido superficialmente no Ministério da Defesa. Começaram a conversar e o homem lhe perguntou por que havia pedido demissão. Elie respondeu que julgava uma perda de tempo ficar lendo jornais árabes porque a boa informação só poderia ser colhida naqueles próprios países. Seu interlocutor chamava-se Isaac Zalman, um dos mais qualificados agentes do Mossad. Ele lhe revelou que sabiam tudo o que havia feito no Egito, que o tinham em mira desde o primeiro dia da chegada a Israel e que, agora, o consideravam apto para servir como oficial de inteligência. Elie foi conduzido ao quartel-general do Mossad, onde um agente de codinome Dervixe, encarregou-se de polir o novo recruta.
Seu primeiro compromisso foi no sentido de assegurar aos superiores que ninguém, nem mesmo a mulher ou a mãe, saberiam de suas atividades. O salário seria apenas um pouco do maior do que ganhava e seu comprometimento com a disciplina deveria ser radical. O passo seguinte foi submetê-lo a uma sofisticada bateria de exames médicos. Aceito pelo Mossad, Elie Cohen começou um treinamento que se prolongaria por seis meses, sempre acompanhado de perto por Dervixe, e que incluía tudo que poderia acontecer na vida de um espião, com ênfase em técnicas de codificação e decodificação, além do uso da hoje obsoleta tinta invisível. Seu conhecimento de fotografia colaborou para que dominasse o manuseio de microfilmes.
Em setembro de 1960, Elie ganhou uma folga para rever a mulher e conhecer Sofie, sua filha recém-nascida. De volta ao batente, Dervixe disse que o levaria para conhecer a fronteira com a Síria. Contou-lhe como os sírios disparavam sem cessar do alto das colinas do Golã, atingindo a população civil que vivia nas margens do mar da Galiléia, e concluiu: "No futuro, ocorrerão muitas batalhas nesta região e seus resultados vão depender em grande parte de você. Sua missão será na Síria". Ao retornar do Golã, Elie mergulhou fundo em estudos sobre a Síria: história, economia, comportamento social, instituições do governo, geografia e topografia. Ouvia a rádio de Damasco dia e noite e designaram um professor para aperfeiçoar seu domínio do árabe com sotaque sírio. Ao mesmo tempo, passou a estudar tudo sobre a Argentina, que seria sua primeira escala.
No dia primeiro de março de 1961, o vôo da Swissair vindo de Zurique taxiou no aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires. Um dos primeiros passageiros a deixar a primeira classe do avião foi um jovem muito bem vestido, com aparência de rico executivo. No hotel da Avenida 9 de Julho, apresentou o passaporte. Nome: Kamil Amin Taabes. Profissão: comércio exterior. Nacionalidade: síria. De imediato fez contato com um agente israelense conhecido apenas como Abraham, que lhe forneceu papéis timbrados do que seria sua empresa, alugou-lhe um belo apartamento no número 1405 da Rua Taquara e informou-o sobre os restaurantes e cafés onde seus supostos compatriotas costumavam se encontrar. Em pouco tempo, Taabes introduziu-se nos grupos de imigrantes árabes e discorreu sobre a sua procedência. Seus pais, ambos sírios, haviam-se radicado em Beirute. Ali os negócios não deram certo e a família partiu para Alexandria, onde passara a maior parte da infância. O pai fazia questão que ele conservasse a nacionalidade síria e lhe havia incutido um profundo amor por seu país de origem. Kamil revelou, ainda, que tinha imigrado com a família para Buenos Aires com 17 anos de idade, graças à ajuda de um tio rico. Na Argentina, mais uma vez os negócios desandaram. Após a morte dos pais, tinha viajado para a Europa, conseguindo abrir uma próspera firma de importação e exportação. Agora, tinha decidido radicar-se novamente em sua amada Buenos Aires, mostrando um perfeito conhecimento de todos os caminhos da cidade.
Em pouco tempo, Kamil tornou-se uma figura popular entre os sírios e libaneses. Convidava-os para suntuosos jantares em seu apartamento e sempre falava sobre o enorme desejo de conhecer a Síria. No Clube do Islã, fez amizade com Abdullah Latif Alheshan, editor do principal jornal em língua árabe da Argentina, e com o major Amin Al-Hafez, adido militar da embaixada da Síria. Ambos ficaram impressionados com o ardor nacionalista de Kamil Taabes. Em maio de 1961, ele anunciou a seu vasto círculo de amizades que, finalmente, estava pronto para conhecer a Síria. Muitos prometeram, e cumpriram, que escreveriam para Damasco recomendando que ele tivesse a melhor recepção. Em agosto, Kamil disse que iria para a Alemanha, ficaria um tempo na Europa e depois chegaria a Damasco.
Elie Cohen desembarcou em Munique, pegou um vôo para Zurique, onde se encontrou com seu agente de contato, fez-lhe um detalhado relatório sobre a temporada em Buenos Aires, comprou presentes para a família e embarcou para Tel Aviv. Quando mostrou aos superiores do Mossad os destinatários das cartas de recomendação obtidas, o espanto foi geral. Enquanto em Israel, recebeu um pequeno e poderoso transmissor de rádio escondido no fundo falso de uma batedeira, o fio do barbeador elétrico serviria como antena, explosivos estavam acondicionados dentro de dentifrícios e tubos de creme para barba. Ele voltou a Munique e de lá seguiu para Gênova, onde Kamil Amin Taabes embarcou na primeira classe do navio italiano "Ausonia", rumo a Beirute. Era o início de uma das mais fantásticas operações de espionagem do século XX.
Chegando a Damasco, a primeira providência de Elie foi achar um lugar para morar. Alugou um belo apartamento no quarto andar de um edifício localizado no elegante bairro de Abu-Ramanah. Bem em frente, do outro lado da rua, situava-se o prédio do quartel-general do exército sírio. Em seguida, tratou de instalar sua firma de importação e exportação, que prosperou com incrível rapidez. Os fornecedores o tinham em alta estima pela pontualidade com que quitava os compromissos e seu círculo de amizades era cada vez maior. No terraço do edifício havia diversas antenas de televisão e ele não teve dificuldade para instalar a sua própria. Nas mensagens e microfilmes que fazia chegar a Tel Aviv, informava sobre alguns bons amigos que tinha cativado entre os funcionários civis e militares do governo sírio: o tenente Maazi El-Din, sobrinho do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Síria; George Seif, diretor de propaganda da rádio de Damasco; e o coronel Salim Hatoum, comandante dos pára-quedistas. Conforme as luzes que permaneciam acesas, depois do expediente normal no prédio da chefia do exército, Elie podia pressupor se havia alguma crise em curso; e o número de veículos que entravam e saíam do edifício poderia significar o planejamento de alguma ofensiva contra Israel. Além disso, ficavam na vizinhança a sede da missão de paz das Nações Unidas e muitas embaixadas, todas fazendo uso de transmissões de rádio. Em uma de suas mensagens, Elie escreveu: "Muitas luzes acesas no quartel-general, mas sem perspectiva de golpe de estado. Causa provável: investidas contra Israel. Rádios, jornais e televisões particularmente anti-israelenses nos últimos dias. Intenso movimento de tropas nas ruas".
Em julho de 1962, seis meses depois de sua chegada a Damasco, seguiu para uma breve temporada de férias em Israel, tendo passado todo o tempo com Nádia e a pequena Sofie. Ao retornar a Damasco, encontrou-se com o xeque Magd Al-Ard, a quem conhecera no navio, saindo da Itália. O xeque propôs-lhe que conhecesse um ex-nazista chamado Franz Radmacher, citado por Eichmann como um de seus principais auxiliares. Elie teve que apertar sua mão suja de sangue judeu e decidiu matá-lo, para o que pediu permissão a Tel Aviv. O Mossad julgou arriscado e enfatizou que sua missão de espionagem era muito mais importante. Entretanto, diplomatas israelenses informaram ao governo alemão sobre o paradeiro de Radmacher e ele foi extraditado e submetido a julgamento. Assim como em Buenos Aires, Elie promovia magníficos jantares em seu apartamento, com abundância de comida, bebida e haxixe. Além disso, durante o dia emprestava o local para encontros amorosos de seus importantes amigos sírios. Foi através do tenente Maazi que realizou uma de suas maiores proezas. Acompanhado pelo militar, fez uma longa excursão pelas colinas do Golã, área estritamente proibida ao trânsito de civis. Pode ver, então, os extensos bunkers ali construídos e as armas de artilharia de longo alcance fornecidas pelos russos, entre as quais 80 morteiros de 122 milímetros apontados na direção de Israel. Os sírios tinham tanta confiança no jovem Kamil que até permitiram que ele fotografasse algumas das instalações, inclusive os depósitos subterrâneos de munições.
Toda a região estava protegida por centenas de minas terrestres. Elie chegou a passar algumas noites na cidade de Kuneitra, o centro nervoso do comando sul do exército da Síria. Em junho de 1963, ganhou outra folga para ir a Tel Aviv. No mês seguinte, de novo em Damasco, participou da reunião do partido Baath que resultou no golpe que levou ao poder o general Al-Hafez, o adido militar com quem havia feito amizade na Argentina. Al-Hafez deu um grande jantar após a posse, na residência oficial do palácio Mojaherin, tendo Elie Cohen como um de seus convidados.
Em outra viagem a Israel, conheceu sua segunda filha, Irit, então com três meses de idade. Em agosto, soube em Damasco que seu nome estava sendo cogitado para um dos ministérios do novo governo, eventualmente o da Defesa. Em conversa com El-Hafez declinou humildemente de qualquer convite e sugeriu ir a Buenos Aires com a finalidade de arrecadar fundos para o partido Baath. Partiu e voltou com 9 mil dólares, uma expressiva soma para a época, à qual adicionou um cheque por ele mesmo assinado no valor de mil dólares, entregando tudo nas mãos do presidente. Novamente em curta temporada em Tel Aviv, pode segurar nos braços seu terceiro filho, Shaul. Nessa ocasião, disse a Nádia que já não suportava mais passar tanto tempo longe da família e percebeu que ela suspeitava de suas atividades, quando a mulher respondeu: "Não se preocupe, eu também sou uma idealista". Numa noite de janeiro de 1965, Elie Cohen estava em seu apartamento em Damasco, aguardando junto ao rádio uma resposta de Tel Aviv. De súbito, o lugar foi invadido por um grupo de militares que apontaram armas para sua cabeça. Era o fim da grande aventura.
Elie Cohen havia sido descoberto em virtude de repetidas queixas da embaixada da Índia aos serviços sírios de telecomunicações de que suas transmissões de rádio estavam sofrendo estranhas interferências. Os assessores russos sediados em Damasco logo concluíram que alguém estava fazendo contatos por rádio não autorizados, decerto oriundos de algum lugar próximo à embaixada indiana, mas como as transmissões eram rápidas, ficava difícil precisar sua origem. Naquela manhã fatídica tinha ocorrido uma falta de energia em Damasco, fato que Elie ignorava, e ele estava usando seu equipamento através de baterias. Assim, era o único no ar e chegar a seu endereço foi questão de minutos. Os militares vasculharam o apartamento e encontraram os explosivos nos tubos de dentifrícios, além de outros objetos incriminatórios. O governo sírio e os amigos de Kamil Amin Taabes ficaram pasmos. O presidente El-Hafez ordenou que o prisioneiro fosse trazido à sua presença. Os dois homens se olharam fixamente e Elie falou determinado: "Meu nome é Elie Cohen, soldado do exército de Israel".
Nas semanas seguintes, apesar de submetido às mais cruéis torturas, Elie nada revelou. No dia 24 de janeiro, os captores o obrigaram a transmitir a seguinte mensagem: "Para o primeiro-ministro e para o chefe do serviço secreto de Israel. Kamil é nosso hóspede em Damasco. Vocês em breve saberão sobre o seu destino. Assinado: Serviço de Contra-espionagem da Síria". Elie Cohen foi levado a julgamento, sem direito a advogado de defesa. No dia 8 de maio, foi proferida a sentença: morte por enforcamento. Pouco depois das duas horas do dia 18 de maio, Elie foi visitado em sua cela por Nissim Andabo, rabino-chefe de Damasco, ao lado de quem recitou orações. Permitiram que escrevesse uma carta para a família, mas não em hebraico, em árabe:
"Para minha querida mulher Nádia e para minha família. Peço-lhes que permaneçam unidos. Rogo a Nádia que me perdoe. Cuide bem de você e dos nossos filhos para que cresçam de forma correta. Fique sempre em bons termos com a minha família. Quero que você se case para que nossos filhos tenham um pai. Dou-lhe para isso plena liberdade. Não percam tempo chorando por mim, pensem sempre no futuro. Mando meus últimos beijos para você, Sofie, Irit e Shaul, bem como para o resto da família. Não deixem de rezar em memória de meu pai e também por mim. Para todos vocês, meus últimos beijos e shalom. Elie Cohen, 18 de maio de 1965".
Elie subiu as escadas do cadafalso, dispensando a escolta militar. Estava calmo e pálido. O carrasco ofereceu uma venda para os olhos que ele recusou. O alçapão foi aberto às 3 horas e 35 minutos. Elie Cohen estava morto. Nádia Cohen nunca mais se casou.
Relembrando...
Quatro anos e meio antes de ser executado, em dezembro de 1960, Elie Cohen tinha comparecido a um jantar fechado em Tel Aviv, uma reunião comandada por Isser Harel, então chefe dos serviços secretos de Israel, com a equipe de elite que havia seqüestrado em Buenos Aires e levado para julgamento, em Israel, o criminoso de guerra nazista, Adolf Eichmann. Dentre os presentes encontrava-se o agente Zvi Malkin, meu queridíssimo amigo (guardo, com carinho, uma foto dele com meus dois filhos, ainda pequenos, no alto do Pão de Açúcar). Foi o Zvika, como era chamado, quem abordou Eichmann na rua, imobilizou-o e jogou-o dentro de um carro e, em seguida, foi o primeiro a interrogá-lo. Zvika foi um dos instrutores de Elie Cohen, por quem conservou inabalável respeito e admiração. Ele me contou, no decorrer de nossas longas conversas, que Elie tinha nascido para ser um agente secreto, assim como Arthur Rubinstein tinha nascido para tocar piano: "Era um rapaz dotado de uma inteligência fora do comum, de um sentido de dever jamais igualado, dono de uma acuidade sem par em matéria de observação; seu olhar e percepção pareciam abranger um raio de 360 graus". Zvika, que além do seqüestro de Eichmann, foi o protagonista de algumas das mais difíceis e importantes missões do Mossad, aposentou-se anos atrás e radicou-se em Nova York, onde ganhou destaque como artista plástico. Morreu em março deste ano e seu elogio fúnebre, à beira do túmulo, em Tel Aviv, coube ao primeiro-ministro Ariel Sharon, a quem serviu por mais de vinte anos como assessor particular para assuntos de segurança.
Zevi Ghivelder é escritor e jornalista
Bibliografia:
"Mossad - Inside Stories", por Dennis Eisenberg, Uri Dan e Eli Landau. Paddington Press, 1978.