Hoje um país predominantemente muçulmano, a Turquia foi palco de muitos eventos mencionados na Torá. O Monte Ararat, onde atracou a arca de Noé, após o dilúvio, localiza-se na região leste do país. Os descendentes de Noé se espalharam pela região de Anatólia.
A atual Turquia teria servido de refúgio para Jacob quando fugia de Esaú. O poço ao lado do qual ele encontrou Raquel também lá se situava. Muitos acreditam que o Jardim do Éden também ficasse em território turco, pois é nesta região que nascem os rios Tigre e Eufrates.
Apesar de a grande imigração judaica para a Turquia - quando esta ainda era parte do Império Otomano - ter ocorrido principalmente a partir de 1492, com a expulsão dos judeus da Península Ibérica, há indícios de sua presença na Anatólia a partir do século IV a.E.C, principalmente na área próxima ao Mar Egeu.
Foram encontradas ruínas que revelam a presença judaica nas cidades turcas de Sardis, Bursa e Ancara. Tais evidências, segundo os estudiosos, fazem da comunidade judaica da Turquia uma das mais antigas do mundo. O historiador Flávio Josefo, por exemplo, afirmou que o filósofo Aristóteles encontrara judeus durante sua viagem pela Ásia Menor.
Império Bizantino
No final do século IV, o Império Romano foi definitivamente partido em dois: o Império Romano do Ocidente, cuja capital era Roma, e o Império Romano do Oriente, com a capital em Bizâncio, posteriormente renomeada como Constantinopla. Enquanto a parte ocidental do Império acabou sendo conquistada pelos bárbaros, o Império Bizantino - como passou a ser chamada a parte oriental - se manteve como um baluarte do cristianismo, que na época já se tornara a religião oficial do Império Romano.
Nessa mesma época, uma série de leis promulgadas pela Igreja retirara dos judeus que viviam em sociedades cristãs a maior parte de seus direitos comunais e todos seus privilégios. A política adotada consistia basicamente em permitir que pequenas comunidades judaicas sobrevivessem entre os cristãos, mas em condições de degradação e impotência. No Império Bizantino, a Igreja Grega Ortodoxa, que incorporara todo o anti-semitismo helenístico pagão, era ainda mais hostil aos judeus. O resultado de tal combinação "ideológica" foi uma legislação altamente discriminatória, que relegou os judeus a um lugar marginal, fora da sociedade maior.
Apesar das restrições, o Império Bizantino e sua capital Bizâncio, maior centro comercial da época, passam a atrair judeus que fugiam da crise econômica que então atingia Eretz Israel. E, a despeito de serem minoria socialmente degradada e politicamente excluída, os judeus conseguem tomar parte no florescimento econômico da região, atuando principalmente na marcenaria e na área mercantil, em especial no comércio internacional.
Por volta do ano 1176, Benjamin de Tudela - viajante judeu procedente da Espanha, que escreveu relatos de suas viagens - visita Constantinopla. Na grande capital bizantina - na época, a cidade mais povoada do mundo - ele encontra uma comunidade composta de dois mil judeus e quinhentos caraítas. Tudela fez a seguinte descrição: "Muitos judeus eram fabricantes de roupas de seda; outros eram mercadores, sendo que alguns eram extremamente ricos. Não havia judeus vivendo na cidade, de onde tinham sido expulsos para longe do mar. Eles estavam cercados pelo Canal de Sofia, por um lado, e só podiam chegar à cidade pela água, mesmo quando o objetivo de sua visita eram os negócios. Estavam sujeitos ao jugo dos governantes: apanhavam nas ruas e eram maltratados. Mas os judeus eram ricos, bons, benevolentes e homens religiosos, que carregavam o infortúnio do exílio com humildade. O bairro onde viviam era chamado Pera".
A condição de inferioridade dos judeus manteve-se praticamente inalterada até os séculos XIV e XV, quando os turcos otomanos, uma tribo muçulmana originária da Ásia Central, invadiram o Império Bizantino e assumiram o poder na região. Sob o domínio islâmico, iniciava-se uma nova era para os judeus. Por serem monoteístas, cristãos e judeus eram diferenciados dos pagãos, sendo-lhes conferido o status de dhimmis - ou seja, protegidos pelo Estado muçulmano. O governo lhes assegurava vida, propriedade e um alto grau de liberdade e autonomia religiosa. Porém, apesar das liberdades concedidas, os dhimmis eram obrigados a aceitar restrições, imposições e humilhações, pois não sendo muçulmanos eram considerados cidadãos de segunda classe.
Além do mais, os turcos, povo guerreiro, consideravam humilhante engajar-se em ocupações que não fossem de cunho militar, político ou religioso, por isto incentivaram a vinda de judeus para as regiões sob seu controle. Estes últimos formavam uma classe média, livre de ambições políticas ou militares - ao contrário dos cristãos, e eram vistos pelos turcos como o povo mais produtivo e leal entre as minorias estrangeiras que viviam em suas terras.
Uma porta aberta
Quando o sultão Muhamad II conquistou Constantinopla, em 1453 - mudando o nome da cidade para Istambul - a comunidade judaica o considerou uma espécie de "libertador", que a salvou do jugo cristão. Há alguns historiadores que acreditam terem os judeus participado do processo de conquista da cidade. Seu reinado, de 1421 a 1451, deu início a alguns séculos de prosperidade judaica na Turquia. Ao assumir o governo, Muhamad II determinara: "Deixem os judeus cultivarem a melhor terra, abençoando suas videiras e suas figueiras e também o seu rebanho. Deixem que se estabeleçam na terra, desenvolvam o comércio e dela se apossem".
A Sublime Porta, nome pelo qual ficou conhecida a corte dos sultões otomanos, mostrou ser uma porta aberta para os judeus, um refúgio para aqueles que fugiam das perseguições e expulsões em várias regiões da Europa.
E, como no início do século XVI quase toda a Europa Ocidental estava fechada aos judeus, muitos rumaram para o Oriente. Foi nesse mesmo período que o rabino Isaac Sarfati, de Adrianópolis, estimulou a vinda das populações asquenazitas da Alemanha, Áustria e Hungria.
Quando, no final do século XV, os judeus foram expulsos da Espanha e, logo a seguir, de Portugal, o Império Otomano os recebeu. Sobre sua saída forçada da Península Ibérica e seu estabelecimento na região da Turquia, o sultão Beyazid II, que governou o império de 1481 a 1512, afirmou: "O rei espanhol Ferdinando é erroneamente considerado um sábio, pois com a expulsão dos judeus, empobreceu o seu país e enriqueceu o nosso".
Ao chegarem, os judeus sefaraditas trouxeram consigo não apenas sua cultura e conhecimentos acadêmicos, mas também vasta experiência em outras áreas. Entre eles havia inúmeros rabinos e eruditos, além de um grande número de famílias muito abastadas, comerciantes e banqueiros. A partir do início do século XVI, outra diáspora encontrou refúgio seguro na Sublime Porta.Entre os otomanos conversos, também de origem sefaradita, que, fugindo da Europa cristã voltaram a viver abertamente seu judaísmo.
Foi imediata a influência desta diáspora sobre a vida comunitária. Mais cultos e abastados e mais estruturados comunitariamente do que os judeus bizantinos, também chamados de romaniotas, os sefaraditas não "assimilaram" a cultura das novas terras, preservando suas tradições e sua língua, o ladino.
Apesar da vida sob o domínio turco não ser um mar de rosas, nem mesmo nos dias dos sultões do século XVI, era infinitamente melhor do que na Europa cristã. O clima de maior liberdade fez com que fosse cada vez maior a presença de judeus na corte, na diplomacia e na medicina. Graças a seus contatos, os judeus tiveram uma intensa participação no comércio internacional, além de atuarem ativamente no sistema financeiro e econômico do Império Otomano. Istambul foi lar de rabinos influentes, de ieshivot e de estudiosos, além de um grande centro de impressão de livros em hebraico. A primeira gráfica da região havia sido fundada em 1493.
A convivência entre os otomanos e os judeus foi benéfica para ambos os povos, tendo os judeus da Turquia contribuído amplamente para o brilho, prosperidade e luxo desse grande surto civilizador. Foi no Império Otomano do século XVI que o judaísmo sefaradita entrou em sua segunda "Idade de Ouro". Entre os nomes de destaque deste período está a família Hamon, que, por três gerações, dominou a vida comunitária e as relações com a corte. Seu membro mais notável foi Moshe Hamon (1490-1567), médico e administrador dos bens do sultão Suleiman, o Magnífico. Atuou também como diplomata e foi um dos responsáveis pela ida a Istambul de Doña Gracia e de seu sobrinho, Don Joseph. Este último também foi conselheiro dos sultões Suleiman e Selim II, exercendo enorme influência nas relações exteriores do Império Otomano.
Durante este período a presença judaica era tão marcante que saltava aos olhos de qualquer visitante que percorresse as ruas das cidades, seus bazares e campos. Em meados do século XVI havia cerca de 200 mil judeus na região, número bem superior aos 65 mil que ainda permaneciam na Europa. Eles representavam, então, a maior comunidade judaica do mundo. Mas, ainda que aceitos pelo poder dominante, continuavam vivendo dentro de núcleos próprios, comunidades geralmente organizadas de acordo com seu país de origem.
O Império Otomano, no entanto, não acompanhou o surto de modernização que vivia a Europa, progressivamente entrando em decadência, a partir do século XVII. Incapazes de acompanhar a Revolução Industrial, suas províncias entraram em um processo de irremediável estagnação, arrastando consigo toda a Turquia e os judeus que lá viviam.
Rumo à modernidade
A partir do século XIX, inicia-se, no seio do Império Otomano, um processo de modernização e luta por uma sociedade mais igualitária, com abertura para uma educação mais secular, inclusive entre as minorias. Mais uma vez, os judeus foram influenciados pelas tendências da sociedade maior. Instituições mais modernas, como a francesa Alliance Israelite Universelle, em 1860, além de britânicas e alemãs, começaram a encontrar terreno fértil na região. Nos anos seguintes, tornou-se cada vez mais comum encontrar judeus em escolas técnicas e médicas, sendo-lhes, também, permitido o acesso à Universidade de Istambul.
No entanto, o novo século trouxe consigo não apenas a modernidade; assistiu, também, o despertar do nacionalismo entre as minorias que integravam o Império. Enquanto gregos e armênios revoltavam-se contra o poder dominante e outros grupos étnicos lutavam pela independência, os judeus permaneciam fiéis ao governo otomano central, passando a ser vistos como a única minoria confiável e, portanto, a usufruir de um status privilegiado. No final do século XIX crescia também a população judaica nas fronteiras otomanas, acrescida de refugiados vindos da Alemanha, do Império Austro-húngaro e da Rússia. No início do século seguinte, a população judaica era de 400 mil, sendo que apenas em Istambul viviam 100 mil judeus.
As lutas internas aumentavam dentro das fronteiras do Império, ameaçando cada vez mais o sultanato, que ainda contava com o apoio de grande parte de sua comunidade judaica. Com o final da I Guerra Mundial, crescia gradativamente a oposição ao poder central e o Império Otomano via, cada vez mais próximo, seu final. Até que em 1923, Mustafá Kemal, ou simplesmente Ataturk, como se tornou conhecido - derrubou o governo imperial, criando a República da Turquia. Virava-se, uma vez mais, uma nova página na história da comunidade judaica.
Em sua luta para fazer da Turquia um estado ocidental, Ataturk tinha como uma de suas bandeiras a secularização do país. Mudou a capital de Istambul para Ancara, separou completamente Estado e religião, impondo o turco como a língua oficial das preces, nas mesquitas. Até os clérigos eram proibidos de usar trajes especiais em público. Para manter a identidade nacional, proibiu o funcionamento de todas as organizações com vínculos internacionais, incluindo na lista entidades como a Organização Sionista Mundial e a B'nai B'rith.
Apesar de não mais possuírem os antigos privilégios, a Turquia de Ataturk foi, para os judeus, um lugar seguro durante a II Guerra Mundial. Contudo, registraram-se alguns atos anti-semitas. Entre estes, a imposição de uma taxa de alto valor sobre as propriedades para todos que não seguiam o islamismo, o que acabou provocando a falência de muitos membros da comunidade.
Os problemas financeiros somados a uma política não mais tão acolhedora acabaram estimulando a emigração judaica. Entre 1948 e 1980, cerca de 25% da população judaica emigrou para os Estados Unidos, França, Canadá; e aproximadamente 50% - principalmente os menos abastados - foram para Israel.
Segundo vários estudiosos, a política otomana em relação aos judeus, ainda que marcada pela condescendência, pode ser considerada ambígua, mesmo tendo acolhido imigrantes europeus ao longo de sua história. Quando Theodor Herzl apresentou a proposta de compra de terras na então Palestina, teve seu pedido recusado pelo sultão. O apoio dado aos britânicos pelos judeus, na então Palestina, durante a I Guerra Mundial, também era considerado uma ameaça, pelos turcos. No entanto, quando, em 1947, a Organização das Nações Unidas votou a Partilha da Palestina, o governo turco se manifestou a favor da moção que defendia a criação de um Lar Nacional para os judeus e outro para os árabes. E, em 1975, quando, na mesma ONU foi votada a resolução que equiparava sionismo a racismo, a Turquia se absteve, na votação.
Apesar de ser um país muçulmano, a Turquia mantém importantes relações políticas, econômicas e militares com Israel desde a década de 1990. Os laços sobrevivem, apesar do tumultuado relacionamento entre Israel e o mundo islâmico.
Em 2001, a Turquia recebeu a visita do primeiro-ministro israelense Ariel Sharon, apesar das pressões do mundo árabe e de grupos islâmicos turcos.
Bibliografia:
Lewis, Bernard, The Jews of Islam, Princeton University Press
Stilman, Norman, The Jews of Arab Lands, History and Source Book, The Jewsih Publication Society of America
"Istambul", artigo publicado no Guide to the World's Jewish Communities and Sight, editado por Alan M. Tigay
"Turkey", artigo publicado no Jewish Communities of the World, editado por Avi Beker - Institute of the World Jewish Congress, Edição 1998-1999.