A maior parte das nações sob jugo nazista ora agiu passivamente, ora colaborou ativamente para mandar seis milhões de judeus para os campos de extermínio. No entanto, mesmo no meio da loucura de uma guerra, há momentos de esperança e luz. Um desses momentos aconteceu em 1943.

Durante os dez dias de penitência entre Rosh Hashaná e Yom Kipur, o povo da Dinamarca ocupada desde 1940 pela Alemanha conseguiu levar toda a população judaica do país para a Suécia, uma nação neutra e segura. O rabino chefe da Dinamarca, Marcus Melchior, lembra com clareza a seqüência dos eventos durante aquele período. Os nazistas haviam planejado encurralar oito mil judeus em 1º de outubro de 1943 - segundo dia de Rosh Hashaná, quando todos estariam "convenientemente" reunidos na sinagoga ou em seus lares. Seriam presas fáceis para as unidades do Sonderkommando (comando especial), escolhidas a dedo por Adolf Eichmann, que tinha por missão coordenar a implementação da famigerada "Solução Final", e organizar as rotas dos trens para os campos de extermínio.

Os navios das tropas alemãs estavam ancorados em Copenhague, prontos para transportar as futuras vítimas para um depósito na costa alemã. Veículos fretados já os esperavam para levá-los rumo aos fornos crematórios de Auschwitz e Bergen-Belsen. Entretanto, quando as tropas de assalto, em uma série de incursões cuidadosamente executadas, foram às sinagogas e às casas judaicas, descobriram que suas presas tinham sumido.

O protecionismo do rei

Segundo uma lenda, quando os alemães determinaram que os judeus da Dinamarca ocupada fossem obrigados a usar na roupa uma Estrela de David, como já acontecia em outros países sob o jugo nazista, o próprio rei Christian X também a colocou em suas vestes. Ainda de acordo com a lenda, imediatamente todos os cidadãos dinamarqueses não-judeus passaram a usá-la para evitar a identificação dos judeus e também como demonstração de que todos os dinamarqueses eram iguais.

No entanto, embora a população do país tenha tomado atitudes heróicas para proteger "seus" judeus dos nazistas e do registro de outros gestos simbólicos de desacato contra os ocupantes, não há documentos sobre estes fatos ou outros similares. Na verdade, nem o rei nem os dinamarqueses jamais usaram a faixa amarela que identificava os judeus. Sequer houve qualquer ordem oficial dos alemães nesse sentido.

O fato é que o rei Christian X tornou-se uma figura proeminente entre a população do país: não o abandonara após a invasão alemã, como outros governantes. Tinha por hábito cavalgar todas as manhãs, sozinho, desarmado e sem escolta, por Copenhague, para enfatizar sua soberania. Tornou-se um símbolo nacional, um verdadeiro contraste ao militarismo germânico e ao culto do "Führer". De fato, o rei Christian discursou em várias ocasiões contra as forças invasoras e ficou conhecido como o protetor dos judeus. O bem-estar dos judeus dinamarqueses era importante para o rei e para o governo, tanto que, no outono de 1941, o ministro das Relações Exteriores, Erik Scavenius, disse a Hermann Goering, segundo homem na hierarquia do III Reich e tido como sucessor direto de Hitler: "Não há uma 'questão judaica' na Dinamarca".

Plano de fuga

Em agosto de 1943 foi declarado estado de emergência na Dinamarca e os nazistas decidiram que chegara a hora de agir contra os judeus. Em setembro de 1943, Hitler aprovou a deportação da população judaica. No dia 28 desse mês, o chefe da SS no país recebeu a ordem para iniciar a deportação. O horário previsto para o início da operação era 22h de 1º de outubro.

Dois navios alemães de passageiros atracados no porto de Copenhague estavam prontos para embarcar cinco mil judeus para Auschwitz e Bergen-Belsen. Os demais seriam levados em ônibus.

Um oficial adjunto da Marinha deixou vazar a instrução para o social democrata dinamarquês, Hans Hedtoft, que advertiu C. B. Henriques, o líder da comunidade judaica. Hedtoft teve participação decisiva na salvação dos judeus da Dinamarca. Membro do movimento de resistência dinamarquesa, ele foi ministro dos Negócios Sociais no primeiro governo do pós-guerra, em 1945. Dois dias antes do planejado cerco em Rosh Hashaná, o rabino Marcus Melchior, implorou a toda a comunidade judaica que se escondesse imediatamente.

O alerta foi dado. Muitos dinamarqueses ofereceram ajuda aos judeus procurando lugar para escondê-los. Sentiram que aquela perseguição era uma violação à sua cultura e tradições e não estavam dispostos a se submeter passivamente. De todos os escalões da sociedade e de todas as partes do país - sacerdotes, operários, médicos, comerciantes, fazendeiros, pescadores e professores - surgiu auxílio para os judeus. Uma das Igrejas Luteranas Unidas desafiou aberta e persistentemente a ofensiva alemã. Muitos Rolos de Torá da sinagoga Krystalgaade, do rabino Melchior, foram escondidos na cripta da Igreja Trinity.

Dr. Koster, responsável pelo Hospital Bispebjerg, foi de grande ajuda ao esconder os judeus no hospital antes de escaparem para a Suécia. O prédio da psiquiatria e os quartos das enfermeiras abrigaram os refugiados, que foram alimentados pela cozinha do hospital. Na prática, todo o corpo médico do hospital cooperou na salvação daquelas vidas. Quando o povo soube o que o hospital estava fazendo, começaram a chegar doações de todas as partes do país.

Muitos refugiados foram levados à costa nas ambulâncias do hospital. Pescadores locais concordaram em transportá-los para a Suécia. Mas, mesmo assim, não estavam a salvo dos barcos das patrulhas alemãs até que completassem a viagem de duas milhas sem ser interceptados.

Gilleleje, um grande porto pesqueiro situado no ponto mais ao norte da Ilha de Zealand, foi um dos locais de fuga de mais de um quinto da população judaica. A presença dos judeus era familiar na região, durante as férias de verão, e o comitê local agiu rapidamente para salvá-los, mesmo antes da chegada de representantes de Copenhague.

Um dos sobreviventes, Leif Wassemann, tinha apenas cinco anos quando ele e sua família foram ajudados por Henny Sondig, de 19 anos, filho do proprietário do barco Gerda III, e por seus quatro tripulantes. Conta que ficaram bem abaixados no chão e que ouviam as vozes dos alemães vasculhando com suas lanternas através das janelas do barco. Embora o Gerda III fosse freqüentemente abordado pelos soldados alemães, os refugiados nunca foram descobertos e o barco fez mais de uma dúzia de viagens com grupos de cinco a vinte pessoas, livrando todas essas famílias da aniquilação. Leif Wassermann e sua família só puderam retornar à pátria em maio de 1945, quando a Dinamarca foi libertada.

Em poucos dias, mais de sete mil judeus dinamarqueses chegaram a salvo na Suécia. As SS só conseguiram capturar 481 judeus dinarmaques que, graças à intervenção de seu governo, foram encaminhados para o campo de concentração de Theresienstadt. Apesar das péssimas condições, não era um campo de extermínio. Autoridades governamentais dinarmaquesas haviam conseguido convencer Adolf Eichmann a manter os judeus da Dinamarca fora da Polônia e dos campos de exterminação. Quase todos os 481 prisioneiros sobreviveram, graças à preocupação e ao apoio recebido pelo serviço civil dinamarquês e organizações religiosas que lhes enviavam mensalmente mais de 700 pacotes com roupas, comidas e vitaminas, para o campo. Em junho de 1944, devido à insistência da liderança dinamarquesa, a Cruz Vermelha desse país inspecionou o campo de Theresienstadt para se assegurar das condições de seus compatriotas.

A Constante Proteção

O fim da guerra não significou para os judeus europeus o fim de seu sofrimento. Os que tinham um lugar para onde voltar eram muitas vezes recebidos com hostilidade, longe de serem bem vindos. Mas os judeus da Dinamarca, ao retornar às suas casas, encontraram-nas exatamente como as haviam deixado. Seus lares, animais, jardins e pertences pessoais haviam sido cuidadosamente preservados pelos vizinhos. Nos Estados Unidos, um comitê de "Agradecimento à Escandinávia" mantém viva a memória do histórico resgate. O grupo, fundado por Richard Netter, proeminente advogado nova-iorquino, e Victor Borge, um pianista judeu nascido na Dinamarca, arrecadou mais de US$ 1 milhão para fornecer bolsas de estudos a alunos escandinavos nos Estados Unidos.

Para homenagear o povo dinamarquês foi construído um barco-monumento em Jerusalém, que marcou o 25º aniversário do resgate. Muitos nomes de ruas e praças de cidades em Israel também celebram o heroísmo da população da Dinamarca. Além disso, está em posição de destaque, no Museu do Holocausto - Yad Vashem, em Jerusalém, um pequeno barco que foi usado para transportar os judeus para a Suécia. A embarcação está localizada próxima à Vila dos Justos, significando resgate, esperança, vida e confiança na alma humana. Esta mostra é um tributo aos dinamarqueses, pois eles realmente fizeram a diferença durante a época mais trágica do século passado.

 

Bibliografia

· Gross, David C., The Jewish People's Almanac

· Bulow, Louis., Rescue of the Danish Jews

· Berenbaum, Michael, The World Must Know, United States Holocaust Memorial Museum