No dia 18 de fevereiro de 1947, o gordo e macilento Ernest Bevin, ministro das relações exteriores do Reino Unido, num tom de voz que aliava resignação e indignação, declarou à Câmara dos Comuns: "Chegamos à conclusão de que o único caminho viável é
O que ele pretendia, na verdade, é que fosse renovado o Mandato Britânico naquele território, que lhe havia sido conferido pela Liga das Nações após a Primeira Guerra Mundial, ou então a criação de um só estado árabe sob a tutela da Transjordânia, atual Jordânia. Aos judeus residentes na Terra Santa seria dada apenas autonomia interna. Dois anos antes, quando os trabalhistas haviam chegado ao poder na Inglaterra, a Agência Judaica tinha analisado essa ascensão com justificável otimismo. O partido liderado por Clement Atlee sempre se havia manifestado a favor do sionismo e, além disso, compartilhava ideais socialistas com a maioria dos líderes do ishuv, os judeus da Palestina.
Entretanto, partindo do princípio de que as nações não têm amigos, mas somente interesses, a posição trabalhista inglesa, uma vez instalada no número 10 da Downing Street, mudou de forma radical. O diplomata britânico encarregado de assuntos pertinentes ao Oriente Médio, Harold Beeley, uma espécie de eminência parda de Bevin, estava convencido de que o problema palestino deveria ser encarado em função do expansionismo soviético, já que os russos se empenhavam seriamente para ter uma presença influente naquela região. Assim, caberia à Inglaterra, juntamente com os Estados Unidos, a iniciativa de estabelecer algo como um cordão sanitário em torno dos países árabes, dentre os quais a Palestina era um elo importante, além de reforçar as posições britânicas na Líbia, no Sudão, no Canal de Suez e no Golfo Pérsico. Contudo, o presidente norte-americano, Harry Truman, estava longe de se deixar convencer por essa lógica. No plano interno, levava em conta o potencial do voto judaico nas eleições que se realizariam em 1948, quando ele concorreria à Casa Branca, tendo assumido como vice após a morte de Roosevelt. No plano externo, permanecia engasgado com o apoio que diferentes países árabes haviam dado à Alemanha nazista, mesmo depois de os ingleses terem imposto severas restrições à entrada de judeus na Palestina. Além disso, também se comovia com a desesperada situação dos sobreviventes do Holocausto. Tanto assim que, logo depois da guerra, havia designado um enviado especial, Earl Harrison, para analisar a questão in loco na Europa. Harrison recomendou, e o presidente endossou, que a Inglaterra acolhesse pelo menos cem mil judeus na Palestina. Ernest Bevin e o primeiro-ministro Atlee ficaram furiosos. Acusaram os Estados Unidos de interferir no assunto da Palestina enquanto não assumiam qualquer responsabilidade referente à segurança do Oriente Médio. Bevin, então, persuadiu Truman a juntar-se à Inglaterra na formação de uma comissão de inquérito anglo-americana, certo de que essa comissão aprovaria sua política anti-sionista. O relatório final frustrou por completo suas expectativas: insistia na absorção imediata do maior número possível de refugiados. Frustrado e inconformado, Bevin não somente desprezou a recomendação, como chegou ao cúmulo de declarar, em 1946, que Truman preferia os sobreviventes na Palestina para evitar a presença de mais judeus em Nova York. Acossado no meio desse inóspito tiroteio diplomático, o ishuv decidiu agir por conta própria, lutando desesperadamente contra o bloqueio naval britânico para promover a entrada de imigrantes ilegais na Palestina. Ao mesmo tempo, quando a organização clandestina Irgun começou a atacar alvos ingleses na Palestina, Atlee passou a questionar a posição de Bevin, segundo a qual a presença militar britânica ali deveria ser mantida a qualquer custo. Apoiado pelo gabinete, o primeiro-ministro percebeu que seria mais sensato o Reino Unido abdicar da Palestina, assim como havia feito na Índia, na Birmânia e no Ceilão. Contudo, Ernest Bevin não desistiu do seu desejo de permanência naquela região. No dia 27 de janeiro de 1947, deu início a uma série de reuniões em Londres, com uma delegação árabe e com outra judaica, separadamente. Após dez dias de conversas, propôs às partes uma prorrogação de quatro anos do mandato britânico na Palestina, seguido de independência para ambas as partes, caso chegassem a um posterior entendimento, e permissão para uma entrada limitada de judeus. Não houve acordo Em abril de 1947, Bevin decidiu jogar mais uma cartada, propondo a criação de uma Comissão Especial das Nações Unidas Para a Palestina, correspondendo à sigla Unscop em inglês, que a partir de junho percorreria a região e apresentaria novas recomendações para a solução do problema entre árabes e judeus. Mais uma vez, ao contrário do que esperava o ministro, o relatório da Unscop concluiu, em setembro de 1947, pelo encerramento definitivo do Mandato Britânico na Palestina e que seu respectivo território deveria ser partilhado em dois estados soberanos, um árabe, outro judeu. Segundo narrativa do historiador Dan Kurzman, em seu livro "Genesis 48", quando o relatório chegou à Casa Branca, um dos assessores de Truman, chamado David K. Niles, que era judeu, convocou alguns líderes sionistas americanos para virem ao seu escritório em Washington. Com lágrimas nos olhos, disse-lhes em ídiche: "O presidente aceitou o plano de partilha! Mazal Tov! Eu só queria que minha mãe estivesse viva para presenciar esse momento". Em seguida, representantes do Ishuv tentaram conversar com os árabes sobre a futura partilha, sem obter resposta. Entretanto, certo dia, o jornalista judeu inglês Jon Kimche, defensor do sionismo, telefonou para David Horowitz, um dos dirigentes da Agência Judaica, informando-o de que o egípcio Azzam Pasha, influente secretário-geral da Liga Árabe, estava disposto a recebê-lo, em Londres. Os dois, mais o jovem Abba Eban, foram ao seu encontro no Hotel Savoy. Horowitz, segundo seu relato no livro "State in the Making" ("Um Estado em Gestação"), foi o primeiro a falar. Disse que a presença dos judeus no Oriente Médio era um fato consumado e que, mais cedo ou mais tarde, os árabes teriam que aceitar essa realidade porque lhes seria impossível eliminar uma comunidade de meio milhão de pessoas. Em seguida, apresentou um plano de acordo político, de garantias mútuas de segurança e de desenvolvimento econômico conjunto. Azzam Pasha respondeu que o mundo árabe não estava propenso a nenhum entendimento, acrescentando: "Seu plano é lógico e racional, mas os destinos das nações não são determinados por lógicas racionais. Nações não concedem, lutam. Talvez vocês consigam algo, mas somente através da força das armas. Nós vamos tentar derrotá-los. Ignoro se seremos bem-sucedidos, mas vamos tentar. Nós fomos capazes de derrotar os Cruzados, mas perdemos a Espanha e a Pérsia. Talvez até percamos a Palestina. Agora é tarde para uma solução pacífica". Abba Eban interveio, sugerindo uma conferência em torno da recomendação de partilha da Unscop. Pasha manteve-se inamovível: "Um acordo só seria aceitável segundo os nossos termos. O mundo árabe vê os judeus como invasores e está pronto para lutar contra vocês". Horowitz interrompeu: "Então, vocês só acreditam na força das armas?" O egípcio respondeu: "É da natureza dos povos lutar por aquilo que julgam vital e o nacionalismo é a maior de todas as motivações. Além disso, nós não precisamos da sua ajuda em matéria de desenvolvimento econômico". Depois de duas horas de conversa, Kimche, Horowitz e Eban chegaram à rua atônitos. Eles não haviam percebido nenhum sinal de ódio nas palavras de Azzam Pasha que, inclusive, se referira aos judeus como primos. O que lhes aterrorizou foi a impassível postura árabe no sentido de ignorar a lógica, até mesmo a lógica do rancor, dando lugar a um cego fatalismo. Ainda em Londres, Horowitz avistou-se com Harold Beeley, a sombra por trás de Bevin, que lhe jogou um balde de água fria, afirmando que os Estados Unidos e a União Soviética jamais chegariam a um acordo sobre a Palestina e, caso chegassem, não havia a menor chance de os judeus terem dois terços dos votos da Assembléia Geral, número necessário para a aprovação de qualquer decisão nas Nações Unidas. Enquanto isso, em Washington, as perspectivas não eram favoráveis à partilha. A recomendação da Unscop esbarrava na firme oposição do general-secretário George Marshall, apoiado por altos funcionários do Departamento de Estado. O presidente Truman, por seu turno, convenceu Marshall de que como os Estados Unidos haviam apoiado de forma decisiva a criação das Nações Unidas, não fazia sentido rejeitar o parecer de uma comissão da própria ONU. A União Soviética favorecia a solução dos dois estados com a intenção de cada vez mais afastar os ingleses do Oriente Médio. Mesmo assim, baseados na atmosfera da guerra fria, Bevin e Beeley insistiam que as duas potências discordariam, já que nunca tinham concordado em nenhuma votação importante na Assembléia Geral. Nesse quadro, foi com enorme espanto que os repórteres creditados nas Nações Unidas viram o embaixador norte-americano Herschel, Johnson, e o soviético, Semion Zarapkin, anunciarem em novembro de 1947 que tinham chegado a um acordo quanto ao Oriente Médio e endossavam a partilha. A Palestina a ser dividida contava com uma população de 1 milhão e 200 mil árabes e 570 mil judeus, cabendo às Nações Unidas a tutela de Jerusalém.
A Palestina a ser dividida contava com uma população de 1 milhão e 200 mil árabes e 570 mil judeus, cabendo às Nações Unidas a tutela de Jerusalém.O futuro Estado Judeu ficaria com 55% do território e apenas 58% do total de seus habitantes. O Estado Árabe, com 45% da área e 99% dos habitantes. A decisão final sobre a partilha caberia à Assembléia Geral.
Abba Eban, que viria a ser um dos mais destacados chanceleres de Israel, escreveu em suas memórias: "Nós tínhamos bons aliados. O presidente da Assembléia, Oswaldo Aranha, do Brasil, estava religiosamente enlevado pelo conceito da existência de um estado judaico. Do seu lado estava a sólida e rotunda figura do secretário-geral, Trygve Lie, que tinha um interesse duplo em nosso sucesso: era necessário um acontecimento que desse ressonância às Nações Unidas na opinião pública mundial e, como socialista norueguês, tinha acompanhado de perto as perseguições nazistas em seu país". David Horowitz e Moshe Sharret lideravam a delegação da Agência Judaica que acompanhava os acontecimentos de perto, em Nova York, e trabalhava 24 horas por dia. Telefonemas, cartas e telegramas percorriam febrilmente os continentes. Era preciso encontrar alguém nas Filipinas que tivesse acesso ao presidente e alguém, nos Estados Unidos, que fosse amigo do presidente da Libéria. Faltava convencer diversos países da América Latina e, muito mais difícil ainda, atrair a França e a Bélgica para a causa sionista.
No dia 27 de novembro, quando a Assembléia Geral se reuniu, os líderes judeus eram uma só depressão. Se houvesse a votação, estava longe a possibilidade de serem alcançados os dois terços dos votos. A única alternativa era pedir aos embaixadores dos países favoráveis à partilha que ocupassem a tribuna e discursassem o máximo possível para que o horário extrapolasse, obrigando o adiamento da sessão. O representante do Uruguai, Rodriguez Fabregat, foi particularmente brilhante, falando por longo tempo, sem, no entanto, deixar transparecer que se tratava de uma obstrução. Ao anoitecer, Oswaldo Aranha cedeu aos apelos da liderança judaica e num gesto amigável deu a sessão por encerrada. O dia seguinte seria feriado nos Estados Unidos, o Dia de Ação de Graças, e portanto a assembléia só voltaria a se reunir dois dias depois. Esse intervalo de 24 horas acabou se tornando crucial. Foi nesse tempo que, a exemplo de outros países, as Filipinas e a Líbéria asseguraram seus votos pela partilha. A França, inclinada a votar contra, dava sinais de que poderia mudar de idéia. À última hora, o chefe da delegação árabe, o libanês Camile Chammoun, desencavou uma resolução do comitê político das Nações Unidas, através da qual uma comissão formada pelos embaixadores da Austrália, Tailândia e Islândia tentaria uma solução de compromisso entre as partes. O relatório final caberia ao islandês Thor Thors.
Na manhã do dia 29 de novembro de 1947, o embaixador da Tailândia, Príncipe Wan, deixou Nova York às pressas, alegando que havia um princípio de revolução em seu país. Foi a maneira que encontrou para fugir à pressão árabe de votar contra a partilha.
De qualquer maneira, a sessão seria aberta por Thor Thors e Abba Eban decidiu procurá-lo de manhã cedo no Hotel Barclay. Disse-lhe que se o povo judeu triunfasse com a partilha, estaria realizando um sonho milenar. Se fracassasse, esse sonho poderia ficar extinto por muitas gerações. Tudo dependeria da atmosfera que viesse a ser criada por ele na abertura dos trabalhos. A emocionada resposta de Thors deixou Eban desconcertado. Ele disse que a Islândia estava menos remota do destino judaico do que se poderia supor porque a cultura de seu país estava impregnada de lições bíblicas, porque seu povo lutava contra terríveis adversidades da natureza e, portanto, bem compreendia a luta dos judeus.
À tarde, era indescritível a tensão nas Nações Unidas, com frenéticos repórteres, fotógrafos e cinegrafistas de todas as partes do mundo, os embaixadores sendo assediados nos corredores, as galerias lotadas. Aberta a sessão, Oswaldo Aranha deu a palavra a Thor Thors. O embaixador islandês declarou de forma imperativa estar convencido de que era impossível um acordo e que cabia à Assembléia Geral tomar uma decisão. Camille Chamoun ainda tentou obter novo adiamento, mas foi obstado por Aranha, apoiado pelos embaixadores Herschel Johnson, dos Estados Unidos, e Andrei Gromiko, da União Soviética.
Quando os discursos terminaram e Oswaldo Aranha deu início à votação, chamando os países por ordem alfabética, um manto de solenidade cobriu a assembléia. Os votos foram-se alternando, mais para "sim" do que para "não" e a vitória sionista tornou-se evidente quando a França disse "oui". Ao término, Aranha declarou com voz firme: "São 33 a favor, 13 contra, 10 abstenções e uma ausência. A resolução está adotada". Nos corredores das Nações Unidas, judeus se abraçavam e choravam e não-judeus, sensibilizados por aquele instante dramático, também. Abba Eban escreveu em suas memórias: "Suzy e eu, mais Moshe Sharret e Moshe Tov, entramos num carro e saímos dali. Estranhamente, mas de forma compreensível, fizemos a viagem até Manhattan no mais completo silêncio. Nosso destino era o Hotel Plaza, onde fomos cumprimentar Chaim Wezimann e o convencemos a vir conosco a uma manifestação no Madison Square Garden, onde ele recebeu estrondosa ovação".
Já era madrugada em Jerusalém. A multidão dançava e cantava nas ruas. Sozinho em seu gabinete da Agência Judaica, David Ben-Gurion mantinha a cabeça baixa e coberta pelas mãos. Ele avistava a fumaça de uma guerra terrível que fatalmente viria.
Zevi Ghivelder é escritor e jornalista.
Os votos
Votação referente à Partilha da Palestina durante Assembléia Geral das Nações Unidas, no dia 29 de novembro de 1947
A favor : 33
África do Sul, Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Bielorússia, Canadá, Checoslováquia, Costa Rica, Dinamarca, Equador, Estados Unidos, Filipinas, França, Guatemala, Haiti, Holanda, Islândia, Libéria, Luxemburgo, Nicarágua, Noruega, Nova Zelândia, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, República Dominicana, Suécia, Ucrânia, União Soviética, Uruguai e Venezuela.
Contra: 13
Afeganistão, Arábia Saudita, Cuba, Egito, Grécia, Iêmen, Índia, Irã, Iraque, Líbano, Paquistão, Síria e Turquia.
Abstenções: 10
Argentina, Chile, China, Colômbia, El Salvador, Etiópia, Honduras, Iugoslávia, México e Reino Unido.
Ausência: 1
Tailândia