Não se sabe exatamente quando os judeus se instalaram em Corfu, uma das ilhas Jônicas gregas. Acredita-se que estavam nas ilhas Jônicas desde a era romana, conforme relato do historiador e arqueólogo hebreu Josepho.
No século XI, o famoso Rabi Benjamin de Tudela, após visitar os vilarejos dos judeus das ilhas Jônicas – Arta, Patras, Corinthos, Thebes, Naupaktos e Corfu, descreveu lá ter encontrado grande número de judeus. O mesmo foi confirmado algum tempo depois pelo Rabi Petachias de Regensburg. Nos séculos seguintes, a comunidade cresceu com a vinda de judeus do Império Bizantino e da Apúlia, sul da Itália.
Os judeus vindos da Itália construíram uma sinagoga dentro do Velho Forte, que posteriormente foi destruída com a invasão dos turcos, em 1537. Em 1540, a expulsão dos judeus de Nápoles resultou em uma migração de um grande número destes para Corfu, que estabelecem o dialeto de Apúlia como idioma comum adotado entre todos os judeus da ilha. Nesta época houve uma divisão dos judeus da ilha entre dois grandes grupos, os grecos, vindos do império bizantino, e os pouliezos, vindos da Itália, posteriormente integrados aos judeus vindos da Espanha e Portugal.
Em 1558, relatos de Vailos Foskarini, estimavam os judeus da ilha em 400. Este número atingia 1.200 em 1760, conforme relatos de Pronoitis Grimanis.
Após um período em que viveram espalhados entre os cristãos da ilha, foram forçados durante a ocupação de Veneza a se concentrar entre o Portão do Palácio e o Portão da Caverna, e entre a entrada leste do Forte Velho até a rua Paleologos. Assim se formou o bairro judaico de Corfu.
Por alguns séculos, os judeus de Corfu ocuparam um lugar importante na vida social e econômica da ilha, resultado de privilégios recebidos pelos diversos administradores locais: primeiro os angevin, seguidos dos venetos e posteriormente os franceses. Por exemplo, David Semo, um proeminente judeu da ilha, foi incluído na delegação que negociou com os venezianos os termos da ocupação veneta da ilha.
Enquanto as autoridades venetas perseguiam os judeus no estado de Veneza, em Corfu, estas mesmas autoridades os protegiam dos fanatismos religiosos. A justificativa a esta contradição não é totalmente compreendida, mas alguns estudiosos acreditam que provavelmente a ocupação veneta dependia dos altos impostos cobrados à comunidade judaica, e também pelo fato de ser maior a lealdade e a cooperação da comunidade judaica, na maior parte fluente em italiano e mais identificada com a cultura do norte da Itália.
Como resultado dessa proteção, a atividade econômica da comunidade judaica da ilha prosperou, chegando seus membros a ter grande influência, sendo responsáveis pela maior parte do comércio e atividades de empréstimos e financiamentos.
Com o colapso da República de Veneza e a vinda dos franceses, os judeus da ilha passaram a ter os mesmos direitos civis que os cristãos. Muitos destes privilégios foram mantidos durante o protetorado britânico e posteriormente quando do retorno das ilhas Jônicas ao controle grego.
Nesta época a comunidade floresceu e muitos de seus membros se destacaram como médicos, advogados e educadores, entre os quais Lazaros di Mordos, médico, e Lazaros Velelis, educador, com seu estudo sobre educação pública na Grécia.
Esta prosperidade, no entanto, foi seriamente abalada em 1891 em decorrência de um grave pogrom contra a comunidade judaica da ilha. Em 1° de abril de 1891, Chaim Sarda, um alfaiate, apresentou queixa à polícia local sobre o desaparecimento de sua filha Rebeca de apenas 8 anos. Após buscas intensas, a menina foi encontrada morta dentro de um saco, na parte estreita da rua Paelologos. A polícia foi ao local e retirou o corpo. A autópsia revelou que a pobre menina tinha sofrido um golpe na cabeça e tivera sua garganta cortada. Não havia uma só gota de sangue em seu corpo. Apesar de muitas investigações o culpado nunca foi encontrado. À medida que o crime foi sendo divulgado, alguns judeus culpavam os cristãos, que no início não reagiram. Mas, depois, começam a crescer boatos de que Rebeca não era judia e sim cristã e que os judeus a tinham matado em ritual religioso. Este calunioso boato, ocorrido em outras partes também, é o conhecido “Libelo de Sangue”.
O bairro judeu passa a ser alvo de constantes ataques dos gregos que insultavam, apedrejavam e invadiam o bairro, gritando que Rebeca, a cristã, fora assassinada. As forças armadas não conseguiram impor ordem e o caso ganha repercussão internacional. Devido a este Libelo de Sangue, centenas de judeus deixam a ilha para o norte da Itália e para o Egito, atraídos pela relativa prosperidade dessas regiões.
Dos 5.000 judeus de Corfu, na época, o equivalente a 1/5 da população da ilha, restaram cerca de 2.000, que viveram em relativa tranqüilidade na ilha até a calamidade de junho de 1944, com a deportação nazista para Auschwitz.
Corfu, por ser um ponto estratégico marítimo, teve ordens diretas de Himmler para evacuar os judeus, missão esta auxiliada pelas autoridades gregas locais. Às 6 horas da manhã do dia 9 de junho de 1944, todos os judeus de Corfu foram agrupados na Praça Central, registrados pela Policia local e pela SS, e levados para o Forte Velho. Seus bens foram confiscados, suas casas e lojas trancadas.
No dia 11 de junho, os judeus foram embarcados para Igoumenitsa e de lá foram de caminhão para Atenas, de onde partiram de trem para Auschwitz.
O transporte foi dramático. Em uma das paradas, ocorreram dois episódios, um alegre e outro triste: no primeiro, a fuga de dois jovens de 24 anos, Issim Moustaki e David Ballestra, que conseguiram escapar do cerrado tiroteio nazista; e no outro, Julios Giochanas, que pagou com sua vida por um ato de hospitalidade grega: após receber um cigarro de um padre ortodoxo, um soldado nazista que vira a cena descarrega seu rifle na nuca do infeliz. O padre é em seguida pisoteado e duramente maltratado.
Em 20 de junho de 1944, os 2.000 judeus de Corfu são enviados em vagões de gado para Auschwitz, onde chegam 9 dias depois. Duzentos são separados para os trabalhos e os demais, perecem, dizimando grande parte da comunidade de Corfu. Hoje restam apenas 70 judeus em Corfu.
Após a “Calúnia de Sangue” de 1891, os judeus que foram para o Egito fixaram-se na sua maioria em Alexandria. Muitos dos descendentes dos corfiotas que escaparam para o Egito, no começo do século, estão no Brasil, terra abençoada, incluindo nós – os autores deste breve resumo. Não podemos esquecer.
É nosso dever lembrar sempre. O memorial dos mártires judeus deportados de Corfu será erigido ainda este ano, onde tem-se a intenção de gravar para a eternidade os nomes das famílias que pereceram em Auschwitz, de modo a perpetuar a memória e história dos deportados e restaurar a identidade daqueles que foram assassinados em total anonimato.
Se você é descendente ou sabe quem o seja, das famílias:
AARON – AMAR – ASIAS – ASSER – AKKO – BELLELI – BENGIAT BALESTRA – BARKOLAZ – BESSO – BARUCH – COEN – CAVALIERO – HAIM – DALMEDEGOS – DENTES – ETAN – ELIA – ELIEZER – ESKAPAS – FERRO – FORTES – GIKAS – GANI – GERSON – ISRAEL – JOHANNA – KOLONIMOU – KONSTANTINIS – KOULIAS – LEVI – LEMOUS – LEONCINI – MINERBO – MAZZA – MATATHIA – MORDO – MISAN – MOUSTAKI – NAHON – NEGRIN – NEHAMAS (ou NAHMIAS) – PITSON – PEREZ – POLITI – OVADIAH – OSMO – RAPHAEL – ROMANO – SARDAS – SEMOUS – SASEN – SINIGALIA – SOUSSIS – TZEZANA (ou CEZANA) – VARON – VIVANTE – VITALI entre em contato com Sam Osmo através do e-mail: samosmo@attglobal.net ou com a Revista Morashá. Você receberá mais detalhes sobre este importante evento, e talvez possa comparecer para homenagear seus familiares.
Crônicas obtidas através de depoimentos do Sr. Lino Soussis, Presidente da Comunidade Judaica de Corfu, transcritas pelo Sr. Kostas Daphnis, em 1978, e traduzidas em 1997 para o inglês por Márcia Haddad Ikonomopoulos, Presidente da Associação dos Amigos dos Judeus Gregos.
Dhalia Bellelis Gutemberg
Sam Osmo