Primeiro vieram os tiros, depois os gritos estridentes e, finalmente, o silêncio da morte. Mais tarde, entre cochichos na barraca das mulheres, descobriu-se que se tratava de uma tentativa de fuga de alguns prisioneiros do campo.
Tempos depois, Esther ficou sabendo que Yidel, seu querido irmão e único sobrevivente na família, estava naquele tiroteio. Seu mundo desabara; agora só restava ela. Dois anos antes, quando o pesadelo de Hitler começou na Polônia, seus amados pais haviam sido mortos a sangue-frio pelos nazistas. Yidel, quatro anos mais velho que ela, passou a ser seu pai e sua mãe, um porto seguro durante a difícil vida no campo de concentração. Agora ele se fora. Ela tinha vinte anos e estava completamente sozinha. “Ele morreu como um herói”, tentava se consolar. “É melhor morrer com um tiro nas costas do que na câmara de gás”.
Ao descobrir que iria ser transferida para o campo de morte de Sobibor pensou que seu destino seria a câmara de gás. Até então, Esther tivera bastante sorte. Durante os últimos dois anos, vinha sendo transferida de um campo para o outro, mas todos eram “campos de trabalho”, onde os presos trabalhavam como escravos para os nazistas, existindo, assim, a possibilidade de sobreviver. Mas Sobibor, assim como Treblinka e Belzec, era um campo de extermínio.
Ao ser transportada para Sobibor, Esther sabia que seu fim estava próximo. Estranhamente, porém, ao entrar pelo portão principal de Sobibor, sentiu esperança no coração, e não desespero. “Você vai fugir deste lugar”, uma voz interior lhe dizia. Aquela certeza permaneceu dentro de si, mesmo após ter visto a cerca eletrificada, os guardas armados nas torres e os ferozes cães de guarda com seus caninos afiados.
Sobibor não era somente uma “fábrica de morte”, era também o lugar onde moravam os nazistas que “trabalhavam” nos campos. Assim sendo, eles requisitavam pessoas qualificadas para satisfazer suas necessidades e para manter o campo. Às vezes, chamavam marceneiros e dentistas. Outras vezes, quando estavam entediados, músicos, cantores e dançarinas.
Um dia, os nazistas procuraram quem soubesse tricotar. Das oitocentas pessoas que chegaram a Sobibor naquele dia, Esther foi uma das sete escolhidas. “Acabarão nos substituindo”, uma das mulheres sussurrou. “Ninguém sai vivo daqui. Temos que fugir!”
Assim que Esther chegou ao campo, juntou-se a outras mulheres que planejavam fugir daquele inferno. A fuga de Sobibor ficou historicamente famosa por ter sido a maior fuga de prisioneiros de um campo de extermínio durante toda a Segunda Guerra Mundial.
Na véspera da fuga, Esther despediu-se daqueles que haviam optado por ficar. Muitos estavam extremamente doentes, outros com medo. “Não vamos conseguir”, pensava Esther enquanto se despedia. “Mas melhor um tiro nas costas do que morrer nas câmaras de gás”.
Naquela noite, apesar da apreensão, ela adormeceu, e no sonho viu sua mãe, falecida há mais de dois anos, que entrava pelo portão principal de Sobibor. “Mama”, gritou chocada. “O que você está fazendo aqui? Você não sabe que vamos fugir amanhã?” – “Eu sei”, respondeu sua mãe. “É por isso que vim. Estherle, eu vim para dizer que você vai conseguir! E eu vou lhe indicar o lugar para onde deve ir quando fugir”. Sua mãe a pegou pela mão, fê-la passar pelo portão, levando-a até um celeiro. Fazendo-a entrar, disse com firmeza: “Você virá para este lugar e aqui, sobreviverá”. Dito isto, a mãe desapareceu.
Esther acordou assustada e, tremendo, sacudiu a mulher com quem dividia a barraca. Contou-lhe o sonho. Mas esta não se impressionou. “Isto não quer dizer nada; esqueça”. Mas Esther não se importou com as palavras desencorajadoras de sua companheira e prometeu a si mesma: “Se, por milagre, eu sobreviver, não descansarei até achar o lugar que minha mãe me mostrou!”
No sonho, Esther havia reconhecido o celeiro. Conhecia o lugar muito bem. Na infância, naquele mesmo lugar, tinha rolado na palha e brincado de “pique-esconde” com seu irmão. O celeiro ficava na propriedade de um fazendeiro cristão, amigo de seu falecido pai, um homem bondoso que vivia a dezoito quilômetros de sua cidade natal, Chelm.
Mas Chelm estava ocupada pelos nazistas. “É para lá que você fugiria?”, perguntou, incrédula, a companheira. “Você deve estar louca... Vai se jogar nos braços do inimigo. Antes morrer aqui.”
Mas Esther estava firme em seu propósito de chegar até o celeiro, se conseguisse escapar. “Minha mãe não apareceria à toa no meu sonho. Se ela me disse para ir ao celeiro, deve ter uma boa razão”.
Na manhã de 14 de outubro de 1943, trezentos prisioneiros de Sobibor, empunhando armas contrabandeadas por simpatizantes, rebelaram-se, rendendo guardas e cortando os fios elétricos da cerca. A fuga se iniciava. O caos tomou conta do lugar. Centenas de prisioneiros pulavam a cerca, sob o fogo dos guardas, que atiravam sem parar. Ao saltar para a liberdade, Esther foi atingida, mas não parou de correr. Mancando e com sangue jorrando da cabeça, correu em direção à floresta. Sempre temera ser atingida pelas costas. Na hora da verdade, aquilo lhe parecia insignificante. Mesmo enfraquecida pela fome e pelos ferimentos, não se deixou abater.
Encontrou um grupo de partisans a quem se juntou, por algum tempo, enquanto recuperava parte de suas forças. Escondiam-se, de dia, avançando durante a noite. E quando a fome e a sede imperavam, batiam nos casebres onde eram atendidos por caridade. Os partisans imploraram para que Esther ficasse com eles, já que não era seguro perambular sozinha pelas matas. Queriam-na parte de seu grupo e de sua causa. Mas nada a podia deter. Irredutível, tinha que encontrar o celeiro que vira em seu sonho. E o encontrou, duas semanas mais tarde.
Em meio à densa vegetação, avistou o que procurava tão tenazmente. Assegurando-se de que o celeiro estava vazio, subiu a escada e se instalou. Fez uma cama na palha e, exausta, abandonou-se ao sono. No dia seguinte, faminta, foi atrás de comida e encontrou um fazendeiro que lhe deu pão e uma garrafa de leite. Voltou ao celeiro para comer e, enquanto devorava o pão, notou que a garrafa de leite caíra dentro do monte de palha. Com muita sede, começou a procurar a garrafa no meio da palha, cada vez mais afoita, sem se preocupar com o barulho que fazia.
De repente ouviu uma voz; alguém devia estar dormindo do outro lado do celeiro. “Quem está aí?” disse o vulto, assustado. “Minha vez chegou”, pensou Esther. “Quem está aí”, o vulto repetiu. Esther ficou paralisada. Parecia-lhe a voz de seu irmão. “Yidel?... Yidel, é você?”, gritou incrédula. “Esther!” berrou o vulto, “Estherle! Minha irmã” – “Mas Yidel... eu pensava que você tinha morrido! Contaram-me que você tinha sido baleado no campo”, disse atônita. “Não, Esther, naquela noite eu fui o único que conseguiu fugir. Todos os outros morreram. Mas, e você, Estherle? Soube, também, que você estava morta! Mas como você me encontrou?” Yidel emendava uma pergunta na outra, dando-se conta do que havia acontecido.
“Mama me disse como agir. Ela me apareceu num sonho e me indicou o lugar para onde devia ir depois de fugir de Sobibor. Disse-me que aqui estaria segura. E você, Yidel, há quanto tempo está aqui?” “Há dez meses”, respondeu o irmão. “O amigo de papai me deu guarida aqui desde que fugi”. “Yidel, tudo o que eu quero é que você fique sentado ao meu lado a noite inteira, segurando a minha mão para eu poder acreditar que tudo isto é real, que você está salvo e ao meu lado”, disse Esther, chorando.
No dia seguinte, os dois irmãos ouviram um apito alto e forte vindo de fora do celeiro. “Este é o sinal para eu sair. É o amigo de papai que quer falar comigo”, explicou Yidel.
Os olhos do fazendeiro estavam tensos e preocupados: “Não sei se posso deixá-lo ficar aqui por muito mais tempo. Uma mulher estranha foi vista perambulando por aí. Temo que os vizinhos suspeitem de alguma coisa”, disse, com voz amiga e gentil.
“Aquela mulher é a minha irmã”, exclamou Yidel e, emocionado, contou a milagrosa história de sua irmã, do sonho e da fuga de Sobibor. O fazendeiro emocionou-se, respondendo: “Se D’us fez com que vocês se reencontrassem, quem sou eu para separá-los? Sua irmã pode ficar com você no celeiro”.
Esther e Yidel se esconderam naquele celeiro durante nove meses, graças à orientação carinhosa de uma mãe que, de um outro mundo, zelava por seus filhos. E, ao final da guerra, foram resgatados pelos russos.
Transcorrido mais de meio século, restam apenas 30 sobreviventes de Sobibor para contar a história; e Esther e Yidel encontram-se entre eles. Para os dois irmãos, cada dia é uma renovada celebração do milagre do amor maternal, um legado que desafia o tempo e a memória.
Tradução livre do livro
“Small Miracles for Women”