“O propósito e a intenção (de um verdadeiro líder) devem ser elevar a fé entre os homens e cobrir o mundo de justiça”. Maimônides, “Leis dos Reis de Israel”, 4:10
Comecemos com uma história verídica chassídica. Certa vez, em Rosh Hashaná, a alma do Rabi Israel Baal Shem Tov ascendeu aos céus por um breve instante. Mestre da Cabalá e fundador do movimento dos Chassidim, o Rabi deparou-se com o espírito do Messias, à espera de ser enviado ao mundo. “Mestre, quando virás ao mundo?”, perguntou. Ao que lhe respondeu o Ungido, “Quando as fontes de teus ensinamentos estejam disseminadas por todos os cantos do mundo”.
Os ensinamentos do místico e revolucionário Baal Shem Tov eram extremamente simples, em sua essência. Ensinavam que o homem devia viver e servir a seu Criador, continuamente, com alegria e sinceridade. Ele declarava ter sido enviado ao mundo para aprimorar e difundir o amor no seio do povo judeu: o amor a D’us, o amor a Sua Torá e, acima de tudo, o amor a seu semelhante.
Avancemos, agora, alguns séculos. No décimo dia do mês de Shevat do ano de 1951, um homem relativamente jovem, descendente espiritual do Baal Shem Tov, ascende à liderança da dinastia Chabad-Lubavitch. O Rabi Menachem Mendel, filho do Rabi Levi Yitzhak e de Chana Schneerson, torna-se o sétimo Lubavitcher Rebbe. Ao assumir oficialmente a nova posição, ele profere um maamar – um discurso chassídico, declarando que “os três amores – o amor a D’us, o amor pela Torá e o amor a nosso semelhante – são de fato um único amor. Não se pode diferenciá-los, pois sua essência é a mesma... Quando conseguirmos reunir as três formas de amor, teremos alcançado a Redenção”.
O dia em que o Rabino assumiu o leme do movimento Lubavitch completava exatamente um ano do falecimento de seu sogro e mentor, o sexto Rebe, o Rabi Yosef Yitzhak Schneerson. Durante um ano, o Rabi Menachem Mendel tinha sido consultado e adulado para assumir a liderança do movimento. No entanto, resistia. Quando uma delegação de idosos chassidim foi vê-lo, levando uma petição onde já o aceitavam como o novo Rebbe, ele pôs-se a chorar, com a cabeça entre as mãos. “Eu não sou talhado para isto”, dizia, desconsolado.
A Torá atesta que vários líderes do povo judeu – Moisés, Jonas e outros – inicialmente resistiram à chamada de D’us para que assumissem cargos de extrema responsabilidade. Foram escritos numerosos comentários para explicar essa hesitação inicial. No entanto, permanece sem resposta a pergunta sobre o porquê da resistência de grandes homens ao supremo chamado ao dever. Teria sido por uma humildade profunda, talvez mesmo mal-direcionada? Não o sabemos. Contam que o Rebe finalmente aquiesceu porque sua esposa querida, Chaya Mushka, segunda filha do Rabi Yosef Yitzhak, lhe teria dito que cabia a ele assumir o legado de seu finado pai.
De fato, quando falamos do Rebe, devemos sempre lembrar de seu sogro. Os dois conheceram-se no ano de 1923. Seis anos antes, os russos comunistas haviam declarado guerra aberta ao judaísmo. Todas as sinagogas e instituições religiosas tinham sido fechadas. Os líderes religiosos, presos, exilados e executados. Foi Rabi Yosef Yitzhak quem liderou o empenho para preservar o judaísmo na Rússia.
Os esforços heróicos do Rabi Yosef Yitzhak foram envoltos em grande sacrifício pessoal. Ele foi preso e torturado pelas autoridades soviéticas. Chegou a ser condenado à morte. Mais tarde, o decreto foi revertido e os comunistas o condenaram ao exílio na Sibéria. Até que também este decreto foi revogado e ele recebeu permissão de emigrar para os Estados Unidos.
Uma outra história verídica: certa vez, enquanto Rabi Yosef Yitzhak ainda estava preso, recebeu a ordem de mandar fechar a yeshivá de Lubavitch. Ele se recusou a fazê-lo. O interrogador chefe ameaçou-o sob a mira de um revólver. O Rabino permaneceu impassível. “Não tem medo de morrer?”, perguntou o soviético. E Rabi Yosef Yitzhak respondeu com palavras que servem de estímulo até ao mais tímido dos corações judeus: “Quem tem um mundo e muitos deuses, teme a morte. Quem tem dois mundos e um Único D’us, nada tem a temer”.
O Rebe Menachem Mendel freqüentemente contava essa história. Não para demonstrar a coragem de seu sogro – nada menos era de se esperar de um Lubavitcher Rebbe – mas para lembrar-nos o quanto devemos a Rabi Yosef Yitzhak. Pois ele foi “o Rebe do Rebe”. Se ele tivesse cedido aos carrascos soviéticos, o movimento Chabad-Lubavitch talvez não tivesse sobrevivido; o Rebe Menachem Mendel talvez nunca se tivesse tornado “o Rebe”. E o que teria acontecido a todas as pessoas, judias ou não, que foram influenciadas e abençoadas por ele?
Fatos históricos
Tem-se notícia de que o Rebe já se destacava desde criança. Certa vez, aos dois anos e meio de idade, sua mãe entrou em seu quarto após tê-lo posto para dormir. Mas o menino não estava na cama. A mãe em vão o procurou pela casa. Só restava procurar na sala que a família usava para suas orações. Ao entrar, deparou-se, surpresa, com o menino, de pé, absorto e embalado pela cadência da oração.
Pouco sabemos de sua infância, exceto que passou os anos de sua formação em total dedicação aos estudos. Seu professor, na escola primária, queixava-se de que tudo o que podia ensinar-lhe, o menino já sabia. E assim, o jovem Menachem Mendel passava dias e noites concentrado sobre a Torá, estudando sozinho ou em companhia de professores particulares, sob a sábia orientação de seu pai. Aos 13 anos, em seu barmitzvá, foi reconhecido como criança prodígio. Na adolescência começou, também, a estudar ciências, matemática e idiomas. Seu pai permitiu-lhe enveredar pelos estudos seculares com uma única condição: nunca reduzir sua carga horária diária de dezesseis horas de estudo da Torá sagrada.
O Rebe dominava as matérias seculares. Cursou a Universidade de Berlim e a Sorbonne, onde estudou matemática, engenharia e filosofia. Era freqüente receber a visita de cientistas e pesquisadores que vinham pedir a opinião do Rebe sobre suas obras. E é deles o testemunho de que Rabi Menachem Mendel tinha a mente mais rápida e precisa do que os sofisticados computadores. Certa feita lhe perguntaram como havia absorvido tantos conhecimentos científicos. Respondeu que devido aos estudos da Torá, tinha podido entender a mecânica do funcionamento do universo. Isto em muito lhe facilitou a compreensão das ciências.
Apesar de ser um profundo estudioso do mundo secular, o Rebe dedicava a maior parte de sua mente e de seu tempo à Torá. Ainda jovem, sabia de cor os principais tratados sobre os livros sagrados e seus comentários. Foi o maior erudito de sua geração sobre a Torá e certamente um dos maiores que já pisaram nesta Terra. O Rebe repetia sempre que através do estudo da Torá podia-se conquistar o mundo. Costumava ensinar que a palavra Torá significa “instruções”; sendo assim, qualquer porção da Torá que se estude, requer que se busque quais as lições lá contidas. Desta forma, o Rebe ajudou a trazer a Torá até nós, aplicando uma história aparentemente simples ou um mandamento técnico à vida prática diária das pessoas. Seus discípulos compilaram mais de quarenta volumes de comentários sobre a Torá por ele redigidos.
Líder do povo judeu
O termo “Rebe” quer dizer professor. Significa, também, mestre nos caminhos místicos do Chassidismo, de acordo com os ensinamentos do Baal Shem Tov. Além disso, é uma abreviatura da frase “Rosh Bnei Israel”: líder do povo judeu.
Era lendária a dedicação do Rebe a seu povo e a toda a humanidade, de modo geral. Ele ensinava e demonstrava, com seu exemplo, que era obrigação de cada judeu ajudar a quem quer que fosse. Costumava jejuar – duas vezes por semana, ou mais. Pouco dormia. Jamais tirou um dia de férias. O Rebe amava e recebia a todos, sem diferenciá-los: presidentes e primeiros-ministros, líderes religiosos ou empresariais, “superstars” ou o mais simples e humilde dos indivíduos. Suas bênçãos costumavam enriquecer os pobres, curar os enfermos, tornar férteis casais a quem os médicos haviam garantido jamais conseguir gerar um filho.
Ele amava seu povo e a ele dedicou sua vida. E, da mesma forma que seus familiares, sofria por seu povo. Seu pai, grande cabalista e erudito no Talmud, foi preso pelos soviéticos comunistas, cruelmente torturado e banido para a Sibéria, onde faleceu após anos de sofrimento e doença. Seu irmão menor, Dov Ber, foi fuzilado pelos nazistas. Uma avó adorada e outros parentes também foram mortos durante o Holocausto. Sua esposa perdeu a irmã menor com o marido e filho num campo de morte nazista.
Enquanto outros de sua geração tentaram buscar alguma explicação para o Holocausto, o Rebe estava determinado a não encontrar razão alguma para o explicar. Pois, segundo ele, se a pessoa achasse uma razão qualquer, basicamente o estaria justificando. Citando o Baal Shem Tov, ele declarava que “D’us ama cada um dos judeus mais do que um pai ama um filho único gerado em seus anos de velhice”. Declarava também que como nos ensinam nossos sábios, o simples fato de uma pessoa morrer pela santificação do Nome de D’us eleva a pessoa ao mais alto nível espiritual. Portanto, “cada um dos homens e mulheres que pereceram no Holocausto é um mártir sagrado ... Não poderemos jamais explicar o Holocausto ... pois não há instâncias de julgamento que possam condenar um povo a tamanho horror...”
O Rebe costumava repetir que considerava todo judeu como seu filho. Perguntamo-nos, pois, como ele pôde agüentar a morte de 6 milhões de seus filhos. E, ainda assim, ele nunca se desesperou ou perdeu a fé. Certa vez perguntaram à esposa do Rebe o que ela pensava sobre seu marido. “Vou dizer-lhe uma coisa”, respondeu. “Meu marido crê em D’us”. O Holocausto e as perseguições dos comunistas fizeram balançar a fé de muitos. Mas, apesar de seu próprio sofrimento, o Rebe conseguiu restaurar a fé de muitos judeus. Ele era um pilar de coragem, um baluarte de justiça e virtude. Muitas pessoas lhe escreviam, em desespero. Ele lhes respondia que o desespero é diametralmente oposto a tudo aquilo em que acreditamos: o fato de que existe um D’us, Onipresente, que guia os passos de cada ser humano em direção à realização de seus objetivos. Ele consolava os enlutados, instilava coragem aos que temiam e levou muito júbilo e amor a muitas e muitas vidas. De fato, como ensinam os místicos judeus, o nome de uma pessoa revela a sua essência. Em hebraico, Menachem significa “aquele que consola”.
O famoso escritor, sobrevivente do Holocausto e Prêmio Nobel da Paz, Elie Wiesel, declarou, certa vez: “Sempre que visitava o Rebe, ele conseguia tocar o mais íntimo do meu ser. Isto é válido para qualquer pessoa que tenha ido vê-lo. De algum modo, quando a pessoa saía, sentia estar vivendo com maior intensidade e elevação, em um nível mais alto, com um senso mais profundo de sua existência e uma busca mais intensa pela vida e por seu significado”.
Os anos mais recentes
Durante seus quarenta e quatro anos de liderança, o Rebe transformou o movimento Lubavitch, antes um agrupamento pequeno, quase aniquilado pelo Holocausto, em uma comunidade de âmbito mundial com mais de 200 mil membros. Fundou centenas de centros educacionais que oferecem atendimento social e ajuda humanitária a todos os necessitados, independentemente de nacionalidade ou religião. Instituiu o sistema de shluchim – emissários do movimento Lubavitch, enviando-os a várias partes do mundo para lá fundar e dirigir centros de difusão Chabad-Lubavitch. Hoje há mais de 2.700 dessas instituições nos seis continentes. As razões fundamentais para a criação desses centros são fortalecer o judaísmo, aproximar os judeus da Torá e de sua herança cultural e ajudar aqueles que estejam carentes material ou espiritualmente. Existe, porém, uma razão mais profunda. Lembremo-nos do que respondeu o Messias ao Baal Shem Tov acerca de sua vinda: “Quando as fontes de teus ensinamentos estejam disseminadas por todos os cantos do mundo”.
Com o avançar dos anos, o Rebe não mais podia atender todos os que desejavam ir à sua presença. Foi assim que, a partir de 1986, passou a saudar milhares de visitantes a cada domingo, distribuindo notas de um dólar que tinham o objetivo de estimular quem as recebia a praticar a caridade.
Quanto mais idoso, mais vibrante se tornava. Quando pessoas de seu círculo íntimo, bem-intencionadas, aconselhavam-no a diminuir o ritmo de suas atividades, ele reagia fazendo exatamente o oposto. Dia após dia de sua existência, dedicava-se por completo – física e espiritualmente – a todos e a cada um dos homens e a D’us, Todo-Poderoso.
Mas, em 1992, aos 90 anos, o Rebe teve um derrame. Faleceu dois anos mais tarde, em 12 de junho de 1994. Aquele homem que não tivera filhos, deixava órfão todo um povo; quiçá, o mundo todo. Como afirmou, um dia, um famoso escritor, o Rebe não era apenas o Rebe de Lubavitch, mas o Rebe do mundo todo.
Logo após sua morte, o Congresso dos Estados Unidos votou uma proposta que lhe outorgava, postumamente, a Medalha de Ouro do Congresso. Aprovada unanimemente na Câmara e no Senado, o decreto-lei homenageava o Rebe por “sua destacada e duradoura contribuição para o aperfeiçoamento do ensino, da moralidade e da caridade, em todo o mundo”.
Maior do que em vida
O Rebe deixou este mundo, fisicamente, no terceiro dia do mês de Tamuz. Nesse mesmo dia, há milhares de anos, Yehoshua liderava os filhos de Israel em uma importante batalha pela conquista da Terra de Israel. Mas, como se aproximava o Shabat, Yehoshua implorou a D’us que detivesse o sol para que a batalha pudesse prosseguir sem que se violasse o Sábado sagrado. Seu pedido foi atendido; e o sol não se pôs durante as 36 horas seguintes. Por isso, o dia 3 de Tamuz é associado a um milagre sobrenatural – um dia em que o sol não se pôs até que a vitória fosse alcançada. Quão adequado para o Rebe: um homem cujas preces a D’us resultaram em tantos milagres; um líder do povo judeu que construiu um império de bondade onde o sol nunca se põe.
Há um ensinamento judaico que diz que um verdadeiro pastor nunca abandona seu rebanho. O Talmud afirma que nosso patriarca Jacob nunca morreu. Nem tampouco Moshé Rabeinu, nosso Mestre, nem o Nosso Mestre Santificado, Rabeinu Ha-Kadosh Rabi Yehudá Ha-Nassi. Suas almas estão sempre em nossa volta, ajudando-nos e nos abençoando em nossos afazeres mundanos. O mesmo pode ser dito do Rebe e de seu antecessor, Rabi Yosef Yitzhak. O Zohar, livro base da Cabalá, revela que os poderes das bênçãos de um tzadik, um homem integralmente justo e virtuoso, são ainda maiores após sua morte do que em vida. Pois quando sua alma deixa o corpo, o tzadik liberta-se das limitações terrenas.
Milhares de pessoas visitam o túmulo do Rebe, colocando cartas em sua última morada. Quem não pode viajar, envia cartas, faxes e mensagens eletrônicas. Da mesma forma como quando o Rebe estava fisicamente presente, guiando e abençoando todos os que lhe escreviam, há inúmeros relatos surpreendentes de pessoas cujos pedidos foram atendidos após terem visitado ou enviado uma mensagem a seu túmulo.
O Rabi Menachem Mendel Schneerson era um Adam HaShalem, um homem completo. Era um verdadeiro homem de D’us; amante da humanidade; luz e glória do povo judeu. Aqueles que o conheceram e cujas vidas foram tocadas por ele agora sentem sua ausência mais do que possam expressar as palavras.
Pouco antes de fisicamente deixar este mundo, o Rebe declarou: “Fiz tudo o que podia. Agora, é a vez de vocês. Façam o que puderem para trazer, imediatamente, o justo, o Mashiach Redentor! Fiz a minha parte. Daqui em diante, está tudo em suas mãos”. O Rebe nos ensinou que cada oração feita, cada ato de caridade praticado, cada mandamento da Torá cumprido aproxima este nosso mundo da era da utopia, da era messiânica.
Tudo começou com nosso patriarca Avraham. Ao destruir os ídolos e proclamar a Unicidade e a Onipotência de D’us, ele iniciava o processo da redenção suprema. Avraham foi o primeiro Rosh Bnei Israel, líder do povo de Israel. A partir de então, sua tocha foi sendo transmitida aos líderes subseqüentes do povo judeu. E quando o Lubavitcher Rebbe fisicamente nos deixou, ele a transmitiu a todos nós. Talvez seja necessário todo um povo para fazer descerem os Céus à Terra. O Rebe, que nos amava acima de tudo, confiou-nos o término de sua obra. Agora, cabe-nos cumprir o seu legado.
Tev Djmal
Em celebração do 100º aniversário de nascimento do Lubavitcher Rebbe (11 de Nissan de 5762).