Este artigo sobre a vida heróica de Jacques Elmaleh foi motivado, principalmente, pela onda de anti-semitismo que cresce na Europa, em especial na França, nos últimos dois anos.
O patriotismo dos judeus não pode ser posto em dúvida, pois até os mais simples judeus franceses mostraram uma devoção e um espírito de sacrifício que revelam o seu amor pela pátria e que serve de exemplo para todos os cidadãos sem distinção de religião. Este "patriotismo" mereceria melhor proteção contra os atos anti-semitas dos quais estão sendo vítimas.
Jacques Elmaleh, judeu sefaradita, nasceu em 1909, no Cairo, Egito. Embora fosse de nacionalidade francesa, nasceu na capital egípcia em decorrência das inúmeras viagens de negócios de seus pais. Primogênito de uma família de dez crianças, passou sua adolescência entre Paris e a cidade portuária de Marselha, no sul da França. Aos 20 anos, entrou para o exército, apesar de não ter atingido a idade mínima necessária, integrou-se ao 1º Regimento de Cavalaria e foi enviado à África.
Ao término do serviço militar, continuou os estudos, formando-se em História e Literatura. Começa a trabalhar como diretor de uma companhia de produtos químicos. Poliglota, dominando o francês, árabe, ladino e inglês, foi convidado posteriormente a atravessar, de novo, o Mediterrâneo para trabalhar por dois anos no prestigiado Liceu Francês do Cairo, dentro de um acordo de cooperação entre França e Egito. No final deste período, retornou a Marselha e, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, foi convocado para o 2º Exército, sob o comando do general Frère. Seu desempenho durante as batalhas valeu-lhe uma citação especial por coragem e a condecoração com a Cruz da Guerra.
Com a declaração do armistício entre França e Alemanha, Elmaleh mudou-se para Toulon, também no sul da França. Com a morte do pai, abriu mão de seus objetivos pessoais e assumiu o papel de chefe-de-família, tornando-se responsável pelo sustento e bem-estar de sua mãe e irmãs e irmãos mais jovens. Assim, abriu uma livraria e um antiquário, mas continuou em contato com o general Frère e outros militares.
Rapidamente integrou-se à Resistência francesa e começou a lutar contra a ocupação alemã da França. Em função das características de sua personalidade, foi encarregado de missões difíceis, como por exemplo, ir à Inglaterra para fazer contato com o governo da França Livre do general Charles de Gaulle. Sua capacidade e coragem eram inegáveis. Henri Gorce-Franklin, chefe da rede Gália, pediu a Elmaleh que se tornasse seu colaborador. E, algumas semanas depois, ele assumiu o cargo de chefe da rede de contatos na região de Lyon, o coração da Resistência.
Em sua nova função, em setembro de 1943, participou ativamente na extraordinária fuga do famoso general de Lattre de Tassigny, da prisão de Riom, na qual estava encarcerado havia quase um ano. A partir desse momento, Jacques Elmaleh, ou Constantin e Lautrec, seus codinomes de guerra, ocupou-se pessoalmente da travessia do general e seu filho pela França, passando através de numerosos postos de controle alemães. O general e o seu filho ficaram escondidos durante dois dias na casa de Georges e Blanche Caton, irmã de Jacques Elmaleh. A despeito dos inúmeros obstáculos, ele conseguiu realizar sua missão e, finalmente, o general e o filho chegaram à Inglaterra em 17 de outubro de 1943.
No outono desse mesmo ano, Elmaleh foi encarregado pelo BCRA (o governo da França em exílio, na Inglaterra, que rejeitava o governo colaboracionista do marechal Pétain) de outra missão extremamente perigosa. Somente poderia ser confiada a um homem que tivesse a confiança total dos líderes da Resistência. Foi encarregado de fazer o recenseamento de todos os agentes, com o objetivo de avaliar a sua lealdade e a credibilidade das informações que transmitia. Trabalhando região por região, Elmaleh se tornou o homem melhor informado sobre a Resistência, mas também o mais procurado pelos nazistas.
Ao retornar de Bordeaux, foi preso pelos alemães em seu apartamento em Lyon, despertando a suspeita de que teria sido traído e denunciado por um membro da rede Gália. Foi encarcerado no Forte Montluc, então sob comando do nazista Klaus Barbie, famoso por sua desumanidade e pelas torturas que infligia aos prisioneiros. Era então chamado pelos franceses de "le boucher de Lyon" (o açougueiro de Lyon). Para os alemães, a prisão de Elmaleh poria um fim à Resistência, pois acreditavam que ele sucumbiria às torturas e acabaria revelando a identidade de todos os integrantes do movimento.
No entanto, apesar de torturado, sem piedade, durante dias e noites, jamais revelou um nome, até ser jogado quase morto, em um calabouço. Apesar de muito fraco, Elmaleh conseguiu recuperar-se a ponto de tentar uma fuga. Juntamente com seu companheiro de cela, Giraud, fizeram cordas utilizando cobertores e escaparam pelos telhados dos edifícios da prisão. Depois de terem atravessado quase a prisão inteira, chegaram ao último muro que os separava da liberdade. Tentaram escalá-lo. Giraud, infelizmente, escorregou. Para ser um homem livre, Elmaleh precisava apenas pular para o outro lado. Mas sua lealdade, seu espírito de sacrifício e de solidariedade ao amigo fizeram com que retornasse para ajudar Giraud a tentar o muro novamente. Infelizmente, foram detectados pelos sentinelas, que os atingiram a tiros. Ambos agonizaram na neve durante toda a noite.
Jacques Elmaleh foi condecorado postumamente com a Medalha da Resistência, promovido à patente de Capitão e feito Cavaleiro da Legião de Honra uma das mais altas condecorações da França. No dia 18 de dezembro de 2000, em lembrança à sua coragem, valor e patriotismo, o governo francês deu à praça do mercado de Lyon o nome de Praça Jacques Elmaleh.
Guy David Toubiana
professor de Literatura e Civilização Françesa na Universidade Militar (The Citadel), na Carolina do Sul, EUA.
1 As informações sobre a vida de Jacques Elmaleh foram extraídas do livro de Bruno Permezel, Montluc: antichambre de l’inconnu 1942-1944 (Lyon: BGA Permezel, 1999) e de entrevistas com os dois irmãos de Elmaleh, Roger e Alexandre, que hoje residem em Nova York.