Pedras, cimento, vidro e aço serão o material utilizado pelo arquiteto judeu Daniel Libeskind para curar as feridas abertas pelo 11 de setembro, em Nova York.

Tenho a esperança de que vamos erguer, de toda aquela tragédia, das profundezas do solo, algo que vai reafirmar os valores que compartilhamos: democracia, família, liberdade e independência”, declara Libeskind, cujo projeto arquitetônico foi escolhido para substituir o World Trade Center, destruído pelos ataques terroristas em 2001. A decisão, anunciada em 27 de fevereiro em Nova York, significa, além do retorno de Libeskind para casa, a conjunção de temas que constantemente fazem parte do seu trabalho: a franqueza, o contraste de escuridão e claridade e o efeito recíproco de memória e sonhos. Enquanto o Museu Judaico de Berlim, projetado por Libeskind, é um ziguezague alongado que abraça a terra, sua principal torre em Manhattan se projetará em direção ao céu. Ainda assim, os dois projetos têm algo em comum: ambos contêm elementos de tristeza e esperança. “Eu aprendi muita coisa com o meu trabalho em Berlim. Temos que acreditar que o futuro sempre oferecerá algo melhor do que o passado”, acredita. Assim como seu museu judaico alemão, que contém uma área para meditação sobre o assassinato de dois terços dos judeus europeus durante o Shoá, o projeto para a Big Apple inclui um memorial nas fundações originais do World Trade Center, onde cerca de 2.800 pessoas foram mortas. Parentes de algumas das vítimas já disseram que apreciam o fato de Libeskind não querer construir sobre o grande vazio. “Eu acredito que a recordação do que aconteceu é parte eterna do lugar e deve ser seriamente respeitada”, ensina. 

Quem é Daniel Libeskind 

O arquiteto, de 57 anos, é conhecido por apresentar um novo discurso crítico para a arquitetura e por sua abordagem multidis-ciplinar que mescla ainda música, filosofia e arte. Suas obras englobam importantes instituições culturais como museus e salas de concertos, projetos paisagísticos e urbanísticos etc. Filho de sobreviventes do Holocausto, Libeskind nasceu na Polônia do pós-guerra, em 1946. Tornou-se cidadão norte-americano em 1965, vindo a estudar música em Nova York e Israel. Era tido como um gênio musical, mas decidiu estudar arquitetura. Graduou-se pela New York City’s Cooper Union for the Advancement of Science and Art (EUA, 1970) e pela School of Comparative Studies, na Essex University (Inglaterra, 1972). Daniel Libeskind e sua esposa, Nina, mudaram-se para Berlim com seus três filhos em 1989, depois que ele venceu o concurso para desenhar o Museu Judaico da cidade. Era o seu primeiro contrato, mas sua primeira construção a ser concluída foi a Felix Nussbaum Haus, um museu em Osnabrück, Alemanha, aberto em julho de 1998. Também de sua autoria, o Imperial War Museum, em North Manchester, Inglaterra, abriu em julho de 2002. Libeskind tem ainda uma série de outros trabalhos em progresso, incluindo o Museu Judaico de São Francisco e o Maurice Wohl Auditorium, na Universidade Bar-Ilan, perto de Tel Aviv. O Museu Judaico de Berlim, trabalho que lhe rendeu o renome, foi concluído em 1999. Seu desenho único já atraía centenas de milhares de visitantes mesmo quando o prédio ainda se encontrava vazio. O museu seria aberto ao público justamente no fatídico 11 de setembro de 2001, mas o evento foi adiado por dois dias devido à tragédia nos EUA. “Eu me senti pessoalmente atingido pelos ataques. Meu cunhado trabalhou numa daquelas torres por 30 anos. Ele havia acabado de se aposentar e escapou do triste destino daqueles milhares de inocentes”, conta o arquiteto. Ele acredita que o projeto do museu de Berlim o preparou para concorrer ao projeto de Nova York. 

O novo WTC 

Para Libeskind, é essencial que as pessoas possam se sentir bem indo ao trabalho novamente naquele local. “Não deve ser somente uma entidade simbólica”, frisa. O novo espaço criado pelo arquiteto inclui jardins, um observatório e um restaurante a 1.776 pés de altura (cerca de 541 metros), simbolizando o ano da independência dos EUA. De acordo com o projeto, a torre principal seria o edifício mais alto do mundo. Várias outras estruturas menores a cercariam, tendo os 18.210 metros quadrados das fundações principais do World Trade Center como ponto focal. Segundo o arquiteto, cerca de US$ 330 milhões seriam necessários para a execução do seu projeto, que já se sabe que seria parcialmente custeado por pagamentos dos seguros pelos edifícios destruídos. O projeto pode ainda passar por algumas modificações antes de ser implementado. O Museu Judaico de Libeskind mudou Berlim. Uma das instituições mais visitadas da Alemanha, suas peças que narram dois mil anos de vida judaica alemã estão prestes a receber seu milionésimo visitante, de acordo com Eva Soederman, assessora do museu. É simplesmente magnífico ver que os sempre assíduos estudantes saem do local com uma idéia de que os judeus não são meramente vítimas do Holocausto, mas sim um povo com uma rica história, tradição e fé. Berlim também mudou a vida da família Libeskind, em particular a de sua filha Rachel, tendo sido a cidade onde se tornou Bat Mitzvá, um dia antes da inauguração de gala da construção de seu pai. Durante um discurso à congregação de Oranienburgerstrasse naquela manhã, Rachel disse que “a história presente em toda esquina de Berlim” tinha influenciado sua auto-conscientização como judia. “Sou o membro mais religioso da família”, disse, orgulhosa. De acordo com o pai, Daniel Libeskind, é verdade. “E ela vai levar isto para Nova York, cidade que tem uma comunidade judaica vivaz e profundamente enraizada. Esta é uma das razões pelas quais estou feliz em ir para lá”, concluiu o arquiteto.