Em Sucot, também chamada Zeman Simchatenu - Época de nossa Alegria - lemos nas sinagogas a obra do Rei Salomão, o Kohelet, Eclesiastes. Esta nos remete aos verdadeiros valores da vida.

No decorrer de sua vida, o Rei Salomão, reconhecido como o homem mais sábio do mundo, compilou três livros: Cântico dos Cânticos, Livro dos Provérbios e Eclesiastes. Estas obras fazem alusão à vida do ser humano e às três etapas da mesma.

O Cântico dos Cânticos, em hebraico Shir Hashirim, é uma canção do noivo à sua noiva. Esta obra, compilada pelo Rei Salomão em sua juventude, representa a mocidade. É uma época da vida repleta de otimismo e energia, além de uma imensa vontade de conhecer e descobrir tudo. É a fase em que o foco é o crescimento, quando se almeja um futuro melhor.É um período de amor, afeição e, principalmente, de esperança. Não nos é permitido estudar apenas o aspecto literal do Shir Hashirim; pois, de acordo com os nossos sábios, o Cântico dos Cânticos é uma alegoria da relação existente entre D'us - o noivo - e o povo de Israel - a noiva. Seu conteúdo é tão profundo que seria impossível entendê-lo se analisado de forma superficial, já que cada palavra do texto possui múltiplas interpretações.

Já o Livro dos Provérbio, Mishlei em hebraico, foi escrito por Salomão em sua meia-idade, época na qual o homem se deve transformar em mentor. No decorrer da vida, nossas experiências, realizações e sucessos, assim como decepções e fracassos, ensinam-nos valiosas lições. E, quando o homem chega à meia-idade, à fase da maturidade, ele pode aconselhar os que estão a sua volta. Se seus conselhos se provarem corretos, passarão a ser respeitados, e suas sugestões, apreciadas. Se isto é fato para nós, homens, o que diremos dos ensinamentos de um homem tão sábio como Salomão, que, de acordo com o Midrash, jejuou durante quarenta dias para receber de D'us a dádiva da sabedoria e do entendimento? Os ensinamentos transmitidos por Salomão, no Livro dos Provérbios, é certamente uma lição de vida e de comportamento para todas as gerações. A terceira obra, Eclesiastes ou Kohelet, em hebraico, foi escrita por Salomão em sua velhice. Kohelet, que também significa "líder da congregação", é também o nome do Rei Salomão, pois ele transmitia seus ensinamentos a todo o Kahal - a toda a comunidade, quando esta se reunia no Templo. Logo de início, o Kohelet afirma que tudo neste mundo é fútil: "Futilidade das futilidades, ó futilidade das futilidades, tudo é fútil".

Um jovem é normalmente otimista, e jamais faria uma declaração nesse sentido. Da mesma forma, se um homem destituído de poderes materiais ou espirituais dissesse algo desta natureza, seria chamado de leviano, ingênuo, alguém que desconhece os prazeres mundanos. De fato, somente um homem mais maduro e que possua tudo - poder, sabedoria e riqueza - poderia fazer tal afirmação. O Midrash conta que, durante o reinado de Salomão, as pessoas não davam valor ao ouro. A fartura era tão grande que até mesmo as balanças para pesar mercadorias eram fabricadas com esse metal. Assim consta no próprio Kohelet: "Eu agi em grande estilo, construí casas para mim, e plantei videiras. Fiz para mim jardins e pomares e plantei todas as diferentes espécies de árvores frutíferas. Aumentei e juntei maior patrimônio do que todos os que estiveram antes de mim em Jerusalém... não restringi meu coração de qualquer alegria... .Então percebi que a sabedoria supera a insensatez, como a luz supera a escuridão."

Após ter experimentado todos os prazeres deste mundo, o Rei Salomão chega a uma conclusão surpreendente: "tudo é fútil". Mas, nem tudo! Há determinados assuntos que merecem nosso respeito e reverência, assim como há homens que conseguem compreender o verdadeiro propósito da vida. Salomão conclui sua obra escrevendo: "O fim da questão, após tudo ter sido dito e ouvido, é temer a D'us e guardar Seus mandamentos, pois é este o dever de todo homem".

Vocês devem estar-se perguntando:... "e o que isto tem a ver com Sucot"? Cada uma das "Shalosh Regalim", as Festas de Peregrinação a Jerusalém, é associada com um livro das Escrituras. Em Pessach, lemos o Shir Hashirim. O Cântico dos Cânticos nos transmite a força e esperança da juventude. Assim foi o nascimento do Povo de Israel, após a saída do Egito. Recém-nascido, apenas liberto da escravidão, Israel se encontrava com os olhos voltados para o futuro e, cheio de esperanças, almejava um modo de vida livre e repleto de grandes realizações. Em Shavuot - Dia da Outorga da Torá, é lido o livro de Ruth, que representa a devoção de uma mulher moabita ao judaísmo e enfatiza os sábios conselhos dados por seu marido, Boaz. Ruth foi a bisavó do Rei David e, mulher virtuosa que era, seus conselhos e provérbios foram bem assimilados e adaptados pelo bisneto, o Rei Salomão. Em Sucot - a festa das cabanas -, é a vez do livro Kohelet, Eclesiastes. Sabemos que esta festividade é considerada "a época de nossa alegria" - Zeman Simchatenu. Por que, então, associar um livro tão grave e, de certa forma, deprimente, a uma festa tão alegre e exultante?

O significado de Sucot

Na festa de Sucot deixamos o conforto da nossa residência e passamos a morar em cabanas, frágeis e temporárias. Há varias explicações para tal. Estas moradias frágeis servem para nos lembrar as tendas em que residiram os nossos ancestrais no deserto, após a saída do Egito. Entre nossos sábios há quem afirme que a Sucá é, também, uma lembrança das nuvens celestiais com as quais o Todo Poderoso envolveu o Povo de Israel durante toda a sua permanência no deserto. Além de proteger Israel do sol, as nuvens facilitavam suas andanças em solo árido, feito de areia e pedras, repleto de cobras e escorpiões. As nuvens serviam como um tapete deslizante, sob seus pés, e como uma muralha protetora, envolvendo-os pelos quatro cantos e pairando acima de suas cabeças.

Outra pergunta: por que Sucot é celebrado no outono (do Hemisfério Norte), se o Exôdo ocorreu na primavera? Na primavera o clima é quente e o sol brilha, as pessoas saem de casa a fim de respirar o ar fresco. Portanto, deixar nossas casas, nessa época do ano, não demonstraria uma atitude especial, já que todos preferem ficar ao ar livre. Por isso, celebra-se Sucotno outono, quando o ar não é tão agradável, para enfatizar que estamos entrando na Sucá com o propósito de cumprir o Mandamento Divino.

Deve-se ressaltar um outro detalhe importante. Por que justamente a festa de Sucot é chamada de "época de nossa alegria"? Pessach Shavuot não o seriam, por acaso? Pessach ocorre na primavera, quando as árvores começam a florescer. Os frutos ainda não cresceram e os celeiros de abastecimento estão vazios. Shavuot, também, é o começo da colheita de trigo em Israel e a oferenda de Bikurim é constituída pelas primícias, os primeiros frutos daquela safra. Portanto, a alegria nas festas de Pessach eShavuot não é considerada completa - ao contrário de Sucot, quando este objetivo é plenamente alcançado. Nesse período do ano, a colheita já foi realizada e os celeiros e armazéns estão abarrotados. O povo está feliz e imensamente grato a D'us por Sua Bondade e Generosidade. Eram momentos de grande alegria, pois o Povo de Israel sentia-se recompensado pelo trabalho e esforço de todo um ano. Por isso, Sucot é considerada comoZeman Simchatenu - época de nossa alegria.

E é justamente nesse momento que surge o maior perigo da existência do ser humano - esquecer-se de que a fartura nada mais é que Dádiva Divina e passar a crer na sua eficácia e capacidade de cada um. Como consta no Livro Devarim (cap. 8:17): "Quando mais tarde tu tiveres prosperado, sê cuidadoso para não dizeres a ti próprio: Foi minha própria força e poder pessoal que me trouxeram toda esta prosperidade". Este pensamento pode tomar conta de nós em momentos de bonança e felicidade, como durante a festa da colheita, em Sucot. E o papel do Kohelet é justamente despertar o homem para as realidades da vida. Esta obra do Rei Salomão nos abre os olhos para que possamos enxergar os verdadeiros valores para os quais o ser humano se deve voltar.

Ao lermos o livro de Kohelet, no próximo Sucot, aprofundemo-nos em seus conceitos e idéias e reconheçamos a fragilidade do ser humano e da vaidade que envolve toda a vida terrena! Somente uma vivência imbuída do conhecimento da grandeza de D'us e de Seus valores eternos pode dar verdadeiro sentido à nossa existência!

Rabino Avraham Cohen atua como Rabino na Sinagoga Beit Yaacov