Apesar de seu importante papel no cenário político-diplomático, o nome da Alliance Israélite Universelle ficou para sempre associado às escolas que, em seus 150 anos de existência, formaram cerca de um milhão de jovens judeus.

A missão educativa era parte inerente aos ideais expressos na "Conclamação da Alliance de 1860", texto de fundação da nova instituição (Ver artigo à pág. 23). No ano seguinte, em 1861, o Comitê Central recebeu um pedido de ajuda da comunidade judaica de Tetuan, Marrocos. A cidade havia sido devastada durante a Guerra de Marrocos, o conflito bélico entre a Espanha e o sultanato de Marrocos, entre 1859 e 1860, no qual os judeus foram vítima de todo tipo de violência. A Alliance Israélite Universelle (AIU) respondeu ao apelo, fundando em 1862, em Tetuan, sua primeira escola primária para meninos, e, no ano seguinte, outra em Tanger. Apesar da comunidade de Tetuan ser de origem espanhola e falar ladino, o Comitê Central determinou que o francês fosse a principal língua de ensino, ficando o espanhol em segundo lugar. Uma escolha lingüística fácil de entender, já que os fundadores da AIU acreditavam na superioridade da cultura francesa e viam o domínio do francês como indispensável para qualquer pessoa que quisesse ter acesso ao mundo ocidental e à modernidade.

Outras comunidades judaicas, principalmente dos países dos Bálcãs, Oriente Médio e Norte da África, passaram a enviar a Paris solicitações para que fossem fundadas escolas da AIU em suas cidades. Ao contrário das escolas de missionários cristãos, a AIU abria instituições escolares em determinado lugar somente após receber um pedido formal da comunidade judaica local. Em 1863, foi estabelecida uma escola em Istambul; em 1869, em Alepo e Beirute; em 1873, em Salônica; em 1880, em Damasco; e, em 1896, no Egito. A primeira escola para meninas foi aberta em 1865, novamente em Tetuan. Com esta iniciativa, abria-se o caminho para a educação formal às mulheres judias em terras muçulmanas. A primeira escola agrícola, a Mikveh Israel, foi fundada em 1870, perto de Jaffa, na então Palestina. Nas décadas seguintes, em praticamente todas as cidades e vilarejos do Império Otomano onde havia uma comunidade judaica podia-se encontrar uma instituição escolar da Alliance. Essas escolas tornaram-se um poderoso fator de transformação sócio-cultural.
 
O rápido crescimento da rede escolar foi possível graças às vultuosas doações do barão Maurice de Hirsch, um milhão de francos de ouro em 1876, e 10 milhões em 1889, que acreditava que uma educação moderna melhoraria a posição dos judeus no Império Otomano. É bem verdade que, via de regra, o custeio das instituições escolares ficava, em grande parte, a cargo de cada comunidade local, mas nem sempre isso era possível. Nas escolas da AIU, os alunos mais necessitados eram dispensados de pagamento e, às vezes, precisavam receber uma ajuda financeira adicional. 
 
A idéia dos fundadores era enviar da França professores para as escolas de sua rede de ensino. No entanto, poucos judeus franceses estavam dispostos a deixar o país para ir ensinar em algum canto do Império Otomano. Para solucionar o impasse, o Comitê Central abriu, em Paris, em 1867, a École Normale Israélite Oriental (ENIO), onde era oferecido um programa de estudos de quatro anos para formação de professores. Para lá eram enviados pelos diretores das escolas da AIU seus mais brilhantes alunos, que, ao término dos quatro anos, retornavam aos seus países de origem para instruir e educar a juventude judaica local. Totalmente impregnados pela ideologia da AIU e pelo culto à educação liberal, esses jovens consideravam o Ocidente a panacéia para todos os males que se abatiam sobre os judeus orientais.

Em 1872, as mulheres passaram a integrar a força de ensino da AIU. Elas também eram treinadas em Paris. No entanto, não na ENIO, que era exclusivamente masculina, mas em escolas judaica particulares, como a École Bischoffsheim, a de Madame Weill-Kahn ou de Madame Isaac. Os três estabelecimentos ofereciam às jovens um programa intensivo nas áreas de física e ciências naturais, história e literatura, geografia, matemática, francês e inglês, além de hebraico, estudos e história judaica. Para complementar o currículo havia, ainda, cursos de ginástica, desenho e trabalhos manuais.

As escolas como principal vetor de modernização

Não se deve subestimar o papel das escolas da AIU na história judaica. É fato que a existência de instituições educacionais européias no Levante foi um dos principais vetores para a ocidentalização dos judeus que viviam no mundo muçulmano, permitindo que saíssem do torpor que tomara conta da sociedade islâmica.

No início do século 19, o Império Otomano, que ainda abarcava toda a península dos Bálcãs, a Anatólia, o Oriente Médio, parte do Norte de África e do sudeste europeu, vivia há mais de um século um progressivo processo de decadência. Seu poder político e econômico estava sendo suplantado pela Europa, que se tornara o mais poderoso continente do mundo. O desenvolvimento industrial e tecnológico que permitira a evolução econômica das nações européias criara a necessidade de novos mercados consumidores e de fontes baratas de matérias-primas. Uma das conseqüências foi a expansão das nações européias para além fronteiras, principalmente, em direção ao Oriente Médio e à África.

A maioria das comunidades judaicas havia sido profundamente afetada pelo declínio do Império. As condições de vida da população judaica foram-se deteriorando, atingindo, na primeira metade do século 19, seu ponto mais baixo. Além dos membros da pequena classe alta formada por grandes mercadores e diplomatas, a maioria vivia como seus vizinhos muçulmanos, na penúria. Ademais, os judeus, assim como outras minorias não-islâmicas, ainda eram considerados cidadãos de segunda classe. Relatos de viajantes descrevem as deploráveis condições nas quais viviam os judeus à época, bem como as humilhações e perseguições sofridas. É bem verdade que, a partir de1839, na tentativa de modernizar o Império, o governo otomano promulgara uma série de reformas conhecidas como Tanzimat Fermani nas áreas educacionais, institucionais e legais e, em 1866, foi estendida a emancipação civil aos não-muçulmanos do Império. No entanto, nem sempre as leis eram respeitadas, principalmente nas províncias mais distantes de Istambul onde os judeus ficavam à mercê das autoridades locais.

À medida que a influência e o poder da Europa repercutem em todas as esferas da vida, e que investimentos, mercadorias e empresários procedentes das nações européias tomavam conta da economia da região, tornava-se cada vez mais difícil para a maioria dos judeus participar do novo sistema econômico. Até o advento das reformas o sistema educacional ficava a cargo das escolas religiosas – dos kitab e madrassas, no caso dos muçulmanos, dos Talmud Torá e ieshivot, no caso dos judeus, e, no caso dos cristãos, das escolas de missionários. Essas instituições que, há décadas, haviam-se estabelecido na região do Mediterrâneo eram as únicas que ofereciam uma educação nos moldes ocidentais. Apenas um pequeno número de filhos das elites judaicas as freqüentavam.

A chegada das escolas da AIU ao oferecer uma educação moderna e secular modifica a situação dos judeus. O currículo básico das escolas incluía, além do ensino do francês e hebraico, caligrafia, matemática, história e geografia. Num segundo momento passou a incluir o idioma do país, como o árabe ou turco. As escolas femininas ofereciam, também, aulas de costura ou outras atividades. Quando abriam, as escolas da rede inicialmente ofereciam apenas o curso primário, mas dependendo da comunidade e do número de alunos mais séries eram adicionadas até chegar ao nível do Lycée. Esse foi o caso dos grandes centros judaicos como Salônica, Istambul e Bagdá. Nas escolas de maior porte eram incluídas outras disciplinas, no currículo básico, como por exemplo, contabilidade, inglês e alemão.

É errado pensar que a AIU queria afastar seus alunos de suas raízes; pelo contrário, para seus fundadores o ensino secular e a ocidentalização dos jovens não devia implicar em distanciá-los do judaísmo. O intuito era criar boas escolas judaicas. Por isso, o estudo do hebraico, da religião e história judaica, antiga e moderna, sempre constituíram uma importante parte do currículo, tanto a nível local, como no nível da formação dos professores. Ao receber uma educação ocidental e ao aprender o francês, língua universal preferencial da época, a juventude judaica passa a adotar um estilo de vida cada vez mais ocidental. A maioria dos jovens torna-se pelo menos bilíngüe, falando fluentemente o francês, além do árabe, turco ou espanhol, dependendo da comunidade. Isto iria facilitar, desde as primeiras décadas do século 20, a emigração de muitos deles. Com o novo sistema educacional surge, também, uma nova geração de profissionais liberais.

Os judeus sefaraditas orientais passam a olhar para a Europa não apenas com saudades, mas como uma fonte de proteção e uma nova opção de vida. Seus professores e diretores, em contato constante com a sede da instituição em Paris, atuavam como um canal diplomático da AIU. Relatando e alertando sobre abusos e maus-tratos por parte das autoridades turcas locais, permitiam uma rápida intervenção diplomática da AIU.

No entanto, apesar de seu fantástico trabalho, as escolas da Alliance não escaparam de críticas. Em seu entusiasmo por tudo que era francês e europeu, eram acusadas de alienar os alunos de suas raízes judaicas, diminuindo seu respeito pela religião. Setores mais religiosos e tradicionais as apontavam como responsáveis pela diminuição da religiosidade dos judeus orientais.

A rede de escolas

 Em 1885, ao completar seu 25º aniversário da fundação, a Alliance já abrira, em sete países, 32 escolas primárias para meninos e 16 para meninas. A Turquia, com um total de 8.200 alunos, detinha a maior rede; em seguida vinham Bulgária, Tunísia, Marrocos, Grécia, Síria, e Eretz Israel. Foi nesse mesmo período que a AIU criou insituições de ensino técnicas agrícolas. Em 1912 já eram 61 escolas masculinas e 39 femininas, além de outras instituições, como um seminário rabínico em Adrianópolis, uma escola de direito rabínico na Tunísia, e 12 Talmud Torá na Argélia. Filantropos judeus, como os Kadoori de Bagdá, ajudaram na construção e na manutenção de várias escolas. 
 
Às vésperas da 1ª Guerra Mundial, já com 184 instituiçoes de ensino e  43.700 alunos (30 mil meninos e 13700 meninas), a rede da AIU atingiu sua maior expansão geográfica e o maior número de escolas, apesar das guerras nos Bálcãs entre1912-1913 provocarem a destruição e o fechamento de inúmeras escolas nos países da Península Balcânica. O número de professores que, em 1870, somava 75 chegara a 1.472, em 1914.

Ao término do conflito, com o desmembramento do Império Otomano derrotado e o surgimento de nações independentes e protetorados europeus, as escolas da AIU tiveram que se adaptar à nova realidade. Nos países que ficam sob mandato francês, como a Síria, Líbano, Marrocos, Tunísia e Argélia, o governo da França passa a subvencionar as insituições escolares da Alliance. Por outro lado, nas nações que declaram sua independência, a AIU é forçada a se adaptar. Na Grécia e Turquia, por exemplo, o grego e o turco, respectivamente, tornam-se os idiomas de ensino e as escolas passam ao controle das municipalidades. Em 1923, Mustafá Kemal, ou Ataturk, líder da república turca, nacionaliza todas as insituições de ensino, submetendo as da Alliance a novos regulamentos, outorgando-lhes, inclusive, o direito de nomear seus professores.

Superado o choque da nova realidade geopolítica do Oriente Médio, as escolas da AIU continuam a funcionar a todo vapor e, mesmo quando “nacionalizadas”, o francês ainda é essencial no ensino. No entanto, o centro de gravidade muda do Mediterrâneo Oriental para o Norte da África, principalmente para o Marrocos.

Ao eclodir a 2ª Guerra Mundial, havia 125 escolas localizadas em 12 países, com 47.750 alunos.Durante o conflito, graças ao desempenho de diretores e professores, as escolas continuaram a funcionar normalmente, apesar de terem perdido todo contato com a sede central da AIU. Ao final do conflito, o presidente da organização, Renée Cassin, compromete-se a voltar a formar professores e a multiplicar o número de escolas.

No entanto, a Partilha da Palestina, aprovada pelas Nações Unidas em 1947, e a proclamação da independência de Israel, em maio de 1948, dão início a um período de perseguições aos judeus que culminou com a saída de centenas de milhares deles tanto do Oriente Médio como do Norte da África. Na medida que eram forçados a deixar o país para fugir da violência ou eram simplesmente expulsos, as escolas da AIU iam fechando ou eram encampadas pelo governo local. Permaneceram abertas apenas em alguns países, entre os quais o Líbano, onde, após 1949, a vida dos judeus parecia ter voltado à normalidade, Em 1959, havia nesse país 1.175 alunos nas escolas da Alliance; 24.748 no Marrocos, 3.400 na Tunísia e 8.259 no Irã.

O número de escolas em funcionamento entre Beirute e Teerã foi diminuindo a partir de 1960, quando a AIU completou 100 anos, ao passo que novas eram abertas na França e Canadá. Em 2009, cerca de 20 mil alunos freqüentam escolas da Alliance ou de suas filiadas localizadas em vários países da Europa, Canadá e Israel.

Atualmente, o único país árabe no qual ainda há escolas em funcionamento, apesar de terem sido nacionalizadas, é o Marrocos. As quatro unidades da AIU em Casablanca, que contam com 655 alunos, aceitam alunos judeus e muçulmanos.

Nesse ano de 2010, a Alliance comemora 150 anos de fundação, uma data que foi lembrada com inúmeros eventos. No último dia 12 de outubro, uma celebração aconteceu na sede da UNESCO em Paris, do qual participaram cerca de mil pessoas, incluindo políticos, escritores, rabinos, líderes comunitárias, patrocinadores e ex-alunos da França, Israel, Canadá, Estados Unidos e Marrocos.

Bibliografia: 
Kaspi, André, e Assan, Valérie, direção e coordenação, Histoire de L’Alliance Israélite Universelle, de 1860 à nos jours, Ed. Armand Colin, Paris, 2010
Encyclopedia Judaica, 2nd Edition, L’Alliance Israélite Universelle, vol.I,pag. 671-675 
www.aiu.org