Chanucá, a festividade de oito dias que se inicia na noite de 25 de Kislev (este ano, após o anoitecer do dia 7 de dezembro), celebra um grande milagre na história judaica, ocorrido há mais de 21 séculos. A história é muito conhecida, mas sempre se aprende algo ao recontá-la.

Chanucá, a festividade de oito dias que se inicia na noite de 25 de Kislev (este ano, após o anoitecer do dia 7 de dezembro), celebra um grande milagre na história judaica, ocorrido há mais de 21 séculos. A história é muito conhecida, mas sempre se aprende algo ao recontá-la.

A Terra de Israel estava sob ocupação dos greco-sírios, que haviam violado o Templo Sagrado de Jerusalém, tentando impor ao povo judeu o helenismo - a cultura grega prevalente, uma mescla do hedonismo com a filosofia secular. À época, os gregos eram a superpotência militar do mundo e seu exército, altamente treinado e equipado, era tido como praticamente invencível. Desafiando tudo e todos, um pequeno grupo de judeus, conhecidos como os "macabeus", levantou-se contra os gregos, vencendo-os no campo de batalha e retomando o Templo Sagrado - que, de imediato, foi novamente consagrado ao serviço de D'us. Mas, quando os judeus quiseram acender a Menorá do Templo, apenas encontraram um pequeno frasco de azeite de oliva com o lacre do Sumo Sacerdote. Tal selo era a garantia de que o azeite continuava puro para uso ritual. Todos os demais frascos tinham sido violados, propositalmente, pelos gregos. Os judeus acenderam o azeite encontrado que, milagrosamente, ardeu durante oito dias - o tempo necessário para que fosse produzido óleo puro, de acordo com o ritual. Este milagre de luz foi um sinal Divino de que Ele lutara, lado a lado com os judeus, contra os greco-sírios.

O Talmud ensina que o Templo Sagrado de Jerusalém era o epicentro da Presença Divina manifesta na Terra. A Menorá do Templo somente podia ser alimentada com azeite de oliva produzido de acordo com o ritual, em condições de pureza espiritual; sua luz era uma expressão física da luz espiritual que emanava do Templo. Os gregos profanaram o azeite purificado para tão elevado fim pois, desta forma, expressavam seu desejo de suplantar, com seu paganismo, a espiritualidade do povo judeu. Não é de surpreender, portanto, que os gregos, diferentemente dos babilônios e dos romanos, não tenham causado dano físico ao Templo. Bem pelo contrário, trouxeram imagens e ídolos para praticar seu culto idólatra no recinto sagrado. Seu objetivo primordial era a alma judaica; a opressão e a violência contra nosso povo foram mero subproduto de sua guerra contra o judaísmo.

O tema de Chanucá é fundamentalmente diferente do leit-motif dos outros dias santos que marcam o triunfo de nossos antepassados sobre seus inimigos e algozes. Pessach celebra nossa libertação do jugo egípcio, enquanto Purim comemora a derrubada de um decreto genocida contra nós, judeus. Apesar de o milagre de Chanucá ter ocorrido no escopo de uma guerra física, os judeus lutaram acima de tudo por seu ideal espiritual. Pois, ao contrário do que ocorreu no caso do Faraó e de Haman, os greco-sírios nunca tentaram escravizar nem tampouco exterminar o povo judeu. De modo semelhante aos inquisidores espanhóis, utilizaram a violência e a matança para coagir os judeus a abandonar o judaísmo. Eles proscreveram certos mandamentos específicos da Torá, como a circuncisão e a guarda do Shabat, sinais do pacto entre D'us e o povo judeu. E violaram nossas mulheres, tentando destruir as famílias judias: quando uma das filhas de Israel se casava, era forçada a passar a noite de núpcias com um general grego. Mas seu alvo principal era a própria Torá. Permitiam aos judeus que a estudassem como importante livro de literatura e conhecimento humano, mas não como a Vontade e Sabedoria Divina.

Num olhar menos atento, judeus e gregos tinham tudo para conviver bem. Ambos valorizavam a busca da sabedoria, beleza e verdade; ambos buscavam o significado e o propósito da vida. Maimônides, o maior dos filósofos judeus, declarou que Aristóteles, o grande pensador grego, era praticamente um profeta. Desde a época de Alexandre da Macedônia os judeus toleravam o domínio grego. Muitos, inclusive alguns sábios, estudavam filosofia grega e declaravam que esse povo era sábio e talentoso. Estes, por sua vez, admiravam a sabedoria contida na Torá; um de seus reis, Ptolomeu, mandou traduzirem-na ao grego.

Então, por que motivo teria irrompido uma guerra entre os judeus e esse povo? Porque os gregos começaram a oprimi-los de forma brutal no momento em que se aperceberam que os princípios fundamentais do judaísmo e do helenismo não se podiam conciliar. E, de fato, não podiam. O helenismo cultua o homem e o corpo humano; o judaísmo cultua D'us e a alma humana. Para o helenista, a vida tem início e fim no corpo; para o judeu, o corpo é sagrado por ser o templo da alma eterna. Ética, para um grego da Antiguidade, significava fazer o que era certo aos olhos da sociedade. Para o judeu, tanto de então como de hoje, significa fazer o que é certo aos olhos de D'us.

Durante os oito dias de Chanucá, agregamos uma pequena prece de ação de graças - Al Ha-Nissim - à Amidá e ao Bircat Hamazon, a prece após as refeições. A prece Al Ha-Nissim menciona que os macabeus rebelaram-se contra o jugo helênico pois os gregos "tentavam fazer com que o povo judeu se esquecesse de Tua Torá, fazendo-os violar os decretos de Tua Vontade". Uma leitura mais atenta do texto dessa prece revela que os judeus não lutaram pela própria Torá, mas por ''Tua Torá", a Divina, pelo princípio de que esta é a Lei de D'us - e não uma mera obra literária sobre a sabedoria humana. Para os helenos, os mandamentos judaicos eram simples tradições e costumes - alguns interessantes, outros desprezíveis. Para os judeus, tais mandamentos são os decretos de D'us, acima de nossa razão e, portanto, intocáveis. Para os gregos da Antiguidade, o hedonismo, a nudez, a profanação e promiscuidade sexual eram louváveis celebrações do corpo humano, ao passo que a circuncisão praticada nos homens judeus era rejeitada e proibida, punida com a morte. Para os judeus, a modéstia e decência sexual, a santidade do casamento, a circuncisão ou qualquer outra das leis da Torá são a expressa Vontade de D'us, não sendo, portanto, passíveis de mudança ou sequer contestação.

Para comemorar Chanucá de forma adequada, é necessário apreciar a magnitude de seus milagres. Os macabeus decidiram travar essa batalha para defender seu povo e preservar o judaísmo contra um inimigo considerado invencível. Rebelaram-se contra a superpotência militar opressora, que ocupava sua terra, em uma época da história judaica quando não mais contavam com os profetas que lhes pudessem prever o resultado das batalhas. Para piorar a situação, eles sequer tinham o apoio de uma parcela significativa do povo judeu, pois muitos se estavam assimilando na cultura grega, assumindo nomes gregos e se casando com não-judeus. A revolta dos macabeus foi um ato de bravura. Não fosse o milagre ocorrido, teria sido um ato suicida. Mas era necessária, pois o próprio espírito do judaísmo estava em jogo.

A Luz do Mundo

O núcleo da Torá compõe-se dos Cinco Livros de Moisés. Escritos por D'us e transcritos, letra por letra, por Moisés. No Monte Sinai, D'us também ensinou a Moisés toda a Torá Oral, que posteriormente foi transcrita sob a forma de Talmud, Midrash e Cabalá.

Rabi Moshé ben Nachman - ou Nachmânides - grande sábio sefardita que redigiu comentários místicos sobre a Torá, ensinava que o conjunto das letras dos Cinco Livros de Moisés forma códigos secretos que compõem os diferentes Nomes de D'us. Isto significa que a Torá é pura Santidade; o próprio Criador investiu Sua própria Essência para criá-la. Estudá-la significa conhecer Quem a criou e saber ouvir a Sua Voz.

Dissemos acima que o Templo era, por assim dizer, a Morada Divina na Terra. No Talmud, nossos sábios lançaram a pergunta: "Agora que o Templo foi destruído, onde habitará D'us?" E prontamente responderam que "Ele se colocara no âmbito e sob a proteção da Lei judaica". Com isto queriam dizer que a Torá é a interface entre Criador e criatura - entre o homem finito e D'us Infinito. Ao estudá-la e cumprir seus mandamentos, nós, neste nosso mundo físico, temos condições de nos aproximar de D'us, de entrar em sintonia com Ele. Mas, quando o homem impõe suas próprias idéias e vontades à Torá, interpretando-a da maneira que julga interessante ou conveniente, ele rompe o canal de contato com o Divino, pois já não lhe interessam aqueles pensamentos, apenas os seus próprios. Por esta razão, dissemos ser melhor aprender, ainda que repetidamente, uma simples história da Torá - sabedores de que essa é a Palavra de D'us - do que decorar todo o Talmud em busca de notoriedade ou pelo prazer do desafio intelectual.

É portanto compreensível o fato de os helenos não facultarem aos judeus o estudo da Torá em sua qualidade de Revelação Divina. Ao tentar extirpar a Divindade nela contida, visavam encobrir a fonte de Luz espiritual que, à semelhança da Menorá do Templo, destina-se a iluminar o mundo em sua totalidade. Pois se os judeus não estivessem convencidos de que a Torá é Divina, poderiam alterá-la ou mesmo revogá-la. Se fossem levados a acreditar que suas Leis não eram a expressão da Vontade de D'us, não mais se sentiriam compelidos a segui-las. Os antigos gregos atinaram para a verdade óbvia: o judaísmo e a eternidade do povo judeu são intrinsecamente vinculados e dependentes da Torá. Atacando-a, tirando-lhe sua santidade, provocariam uma maciça assimilação judaica - como vimos ocorrer durante o helenismo; e, ademais, fariam com que todo o universo se tornasse um lugar mais sombrio, envolto em trevas.

Como está escrito: "Pois que o mandamento Divino é o lampião e a Torá, a própria luz" (Provérbios 6:23). Consciente ou inconscientemente, os antigos gregos contaminaram o óleo da Menorá do Templo como símbolo de sua tentativa de profanar a Torá. Para quem, como eles, vivia na escuridão do hedonismo e da auto-adoração, a luz que dela emana constituía uma ameaça que tinha que ser extinta. A constatação de que há uma Realidade muito além da mente humana e de que um Juiz Celestial nos atribui a responsabilidade por nossos atos são a antítese do helenismo. E por terem os macabeus lutado pela Torá, fonte de luz espiritual neste mundo terreno, foram merecedores de um milagre - a incrível vitória de poucos contra muitos - e este milagre se materializou através da luz. Não foi coincidência o azeite arder durante oito dias: na Cabalá o número oito simboliza o milagre, algo que transcende a natureza. A insistência dos judeus em acender o candelabro do Templo com óleo ritualmente puro simbolizava sua convicção inabalável de que a santidade não pode ser comprometida - seja esta a Torá e seus mandamentos, a santidade do casamento, a instrução de toda criança judia segundo os ensinamentos da Lei Judaica, bem como tudo aquilo que é justo aos olhos de D'us.

O milagre de Chanucá serve de lição a todos os seres humanos, não apenas aos judeus. Foi um Sinal Divino ao homem de que mesmo quando Ele se mantém em silêncio, Sua Presença se faz sentir; um sinal de que mesmo quando os bons e justos são poucos, em número, se reunirem a vontade e a coragem de lutar pelo que é certo, D'us lhes retribuirá. E esta retribuição virá na forma de milagres.

Os acendedores de lampiões

Os judeus venceram os greco-sírios na batalha travada em Chanucá, mas sua luta espiritual continua até os nossos dias. A sociedade ocidental se alicerça nos fundamentos de duas culturas - a judaica e a grega. Ambas valorizavam a mente humana e ambas atingiram o ápice intelectual de seu tempo. Mas, para o judeu, há algo que em muito supera o intelecto humano e que tem importância muito maior do que nossas próprias ambições, conquistas e prazeres. E este Algo é D'us, Todo-Poderoso; Ele que é o Criador, Soberano e Juiz de todo o mundo.

O povo judeu aprendeu, infelizmente às próprias custas, que não há nada mais perigoso nem mais pernicioso do que mentes brilhantes despidas de qualquer senso de responsabilidade por seus atos perante um Poder Superior. A história é testemunha de que as sociedades altamente instruídas e cultas e mesmo os governos democraticamente eleitos podem perpetrar atrocidades monstruosas, genocidas. Pois que o Talmud diz: Rabi Chanina ben Dosa afirmou: "Todo aquele cujo temor ao pecado precede, sua sabedoria perdurará; mas todo aquele cuja sabedoria precede seu temor ao pecado, sua sabedoria não perdurará" (Pirkê Avot, 3:9). Ou seja, se a sabedoria não é direcionada a um caminho ético, piedoso, torna-se uma insensatez ou, pior, verdadeiro perigo.

Os macabeus não mais percorrem esta Terra, mas nosso mundo é abençoado por seus descendentes espirituais. Eles são "aqueles que acendem os lampiões" - aqueles que lutam contra a assimilação e a ignorância encaminhando os judeus à Torá Divina; aqueles que iluminam o mundo com a Sabedoria Divina e com boas ações. Os "acendedores dos lampiões" são os homens, mulheres e crianças que vivem de acordo com a mensagem das velas de Chanucá, que dizem que a essência de nossa missão nesta vida é irradiar luz; que cada vez que cumprimos um preceito Divino, estamos acendendo uma vela neste mundo que tanto necessita de luz; que um pequeno grupo de judeus pode vencer batalhas espirituais aparentemente impossíveis - porque, com a ajuda de D'us, até mesmo um pingo de luz pode dispersar a mais negra escuridão. E que todo judeu pode e deve ser um desses disseminadores de luz.

Portanto, acendemos velas em Chanucá ou, de preferência, pavios no azeite puro de oliva, não apenas para comemorar a vitória e o milagre dos macabeus - mas também para recordar as razões pelas quais destemidamente lutaram. As luzes de Chanucá servem de lembrete de que D'us compartilhou conosco a Sua Torá. Cabe-nos, portanto, a responsabilidade de "ser uma luz entre as nações".

Todos os dias, uma re-encenação espiritual individual da batalha travada em Chanucá passa, arrebatadora, por nossa mente e nosso coração. Podemos optar por pensar, falar e agir como os helenos. Ou então, vincular-nos à Luz do mundo e usá-la para iluminar todo este mundo que nos cerca.por terem os macabeus lutado pela torá, fonte de luz espiritual neste mundo terreno, foram merecedores de um milagre, e este se materializou através da luz.

O milagre de Chanucá serve de lição a todos os seres humanos, não apenas aos judeus. Foi um Sinal Divino ao homem de que mesmo quando Ele se mantém em silêncio, Sua Presença se faz sentir.

 

Bibliografia:

Rabbi Adin (Even Israel) Steinsaltz - The Long Shorter Way - Jason Aronson Inc.

Rabbi Adin (Even Israel) Steinsaltz - In the Beginning - Jason Aronson Inc.

The Transparent Body - chabad.org

The Miracle - chabad.org

Rabbi Shimon Apisdorf - Hellenism - Who Cares? - Aish.com