Prêmio Nobel de Literatura em 1966. Máximo expoente da prosa hebraica moderna, publicou quatro romances e mais de duzentos contos. Seu estilo foi definido como surrealista, introspectivo e onírico.

1970

Seus heróis literários são figuras complexas, geralmente divididas pelo conflito entre o velho e o novo mundo e profundamente marcadas pela desolação espiritual da perda do mundo judaico de antigamente.

Sua vida

Shmuel Yosef Czaczkes, que posteriormente assumiu o pseudônimo de Agnon, nasceu em 1888 num lar judaico tradicional, na cidade de Buczacz, na Galícia Oriental, então parte do Império austro-húngaro.

Em sua casa eram altamente valorizada tanto a tradição chassídica quanto a cultura européia. Seu pai o introduziu no mundo das Agadot (histórias rabínicas), sua mãe no das histórias germânicas. Tutores particulares cuidaram de sua formação no Talmud, assim como da língua e literatura alemãs. Uma sede insaciável pela leitura o levou a absorver o máximo da literatura iídiche e hebraica; era especialmente atraído pela literatura chassídica. Precoce, começou a escrever com oito anos de idade e publicou seu primeiro poema com quinze.

Após sair de sua cidade natal, nunca mais escreveu em iídiche, adotando o idioma hebraico, mas as lembranças da infância o acompanharam por toda sua vida e personificaram em seus escritos o protótipo do shtetl.

Em 1908 deixou a casa paterna e se estabeleceu na Palestina, inicialmente em Jaffa e depois em Jerusalém. No mesmo ano publicou seu primeiro conto na nova pátria, Agunot (Mulheres Abandonadas) de onde derivou seu pseudônimo Agnon. Agunot lida com separação: entre amante e amado, entre o homem e sua alma, entre a terra de Israel e a diáspora, entre a religião e a vida secular. Agnon viveu profundamente esta separação e escolheu um nome que refletisse esses paradoxos que representavam uma importante fonte de inspiração literária.

Em 1912 mudou-se para a Alemanha, onde viveu um período bastante feliz. Casou com Ester Marx e tiveram dois filhos, Emuna e Shalom. Teve contato com eruditos, intelectuais judeus e ativistas sionistas. Leu literatura alemã e francesa e aprofundou seus conhecimentos na área judaica. Começou a colecionar livros e manuscritos judaicos raros.

Os anos vividos na Alemanha se caraterizaram por uma certa estabilidade financeira e foram particularmente produtivos para o escritor, que vivia confortavelmente e escrevia muito. Associou-se a um círculo de escritores judeus em Hamburgo e, quando suas historias começaram a ser traduzidas para o alemão, adquiriu certa fama.

O primeiro de dois incêndios, ocorrido em 1924, pôs um fim abrupto a esse período prolífico. Destruiu sua casa e a maioria de seus livros e manuscritos.

Agnon voltou, então, com sua família para Jerusalém, onde permaneceu pelo resto de sua vida.

O segundo incêndio foi em 1929 em Jerusalém e atingiu boa parte dos livros que sobraram.

No livro Hóspede por uma noite (1968), Agnon deu um significado simbólico a esses dois incêndios e à sua estadia na Alemanha, comparando-os respectivamente às duas destruições do Templo e ao exílio do povo judeu. Nesse conto o autor retorna após longa ausência à sua cidade natal e a encontra abandonada, refletindo, com suas sinagogas vazias e seus habitantes dizimados, a devastação espiritual.

Agnon expressou em seus escritos uma profunda ligação com a tradição judaica: sentiu-se o herdeiro dos escribas dos textos sagrados, imbuído da missão de transmitir sua mensagem através da literatura hebraica moderna. Mas como escritor moderno, sua visão da vida judaica se refletia por um prisma secular.

Em seus primeiros trabalhos, geralmente ambientados na Polônia, o mundo dos religiosos é apresentado de forma positiva e sem conflitos. Pouco a pouco, no inicio da década de 30, a obra de Agnon começou a refletir o mundo real e suas contradições e surgiram os conflitos entre a cidade natal de um lado, Israel do outro, a tradição judaica de um lado, a cultura ocidental e a literatura hebraica moderna do outro. Seus protagonistas têm admiração pelo mundo novo, mas lembram com nostalgia o velho, dividindo-se entre os dois.

Os temas de Agnon abrangem o declínio da antiga ordem, a perda da inocência, o exílio, uma certa ambivalência e, freqüentemente, um final catastrófico. Por isso, e por seu estilo surrealista, introspectivo e onírico, Agnon foi comparado a Kafka, mas o próprio autor negou qualquer semelhança.

Agnon ficou conhecido como um moderno contador de histórias chassídicas graças a contos como E o torto se endireitará, de 1911 e, A história do escriba, publicada em 1921. A maioria de suas histórias desse período, como também o romance irônico O dote nupcial, de 1931, são ambientados na comunidade judaica religiosa da Galícia Oriental.

O autor escreveu dois outros romances, além dos citados O dote nupcial e Hóspede por uma noite, Ontem, anteontem, de 1945, e Shira, escrito entre 1948 e 1953, e publicou mais de duzentos contos.

Em Ontem, anteontem, uma de suas obras mais conhecidas, o personagem Itzhak Kumer não consegue integrar-se nem à nova sociedade de pioneiros em Jaffa, nem à comunidade religiosa em Jerusalém, personificando os conflitos que dividem o homem contemporâneo.

Em Shira, o protagonista, Manfred Hebst, professor de história bizantina na Universidade de Jerusalém, fica dividido entre o amor e a lealdade pela mulher, as duas filhas e a terceira recém nascida, e a paixão romântica por uma enfermeira de nome Shira.

Agnon ganhou o Prêmio Israel, reconhecimento máximo do país, em 1954 e em 1958. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1966.

Nesta ocasião, o critico literário americano Edmund Wilson escreveu na revista Commentary:

“... O que faz de Agnon um ganhador do Prêmio Nobel tão notável e apropriado é sua capacidade de personificar em seu mundo talmúdico tanto da nossa humanidade comum e até da nossa moralidade comum, tanto humorismo irônico e tanto pathos irônico, mas tocante; portanto ele pode ser lido e apreciado por qualquer indivíduo que não conheça nada a respeito desse tema.”

Sua obra

Portador de um estilo literário aparentemente humilde, conservador e popular, Agnon conquista o leitor com seu jogo irônico que abre espaço à reflexão questionadora. E como disse Kurzweil “sob o envoltório localista, ingênuo, tradicional e harmônico oculta-se um modernismo tormentoso.”

Seus contos parecem infantis, ambientados em um mundo impregnado de fé religiosa e de doces reminiscências bíblicas, de perfeição e de paz interior. Mas esse mundo pertence ao passado; o presente, do qual o autor gostaria de fugir, o seduz e o contamina. O problema do presente é o da fé perdida e de como recuperá-la.

A Galícia foi uma das regiões na qual se desenvolveu no século XVIII o chassidismo, movimento religioso místico inspirado em Rabi Israel Baal Shem Tov, que prioriza os conceitos judaicos de amor, caridade, pureza, otimismo, alegria de viver.

Quando Agnon nasceu o chassidismo já não estava no auge, mas o autor conseguiu absorver um pouco do seu esplendor e de sua doçura que moldaram o mundo de sua infância, descrito com nostalgia e sensibilidade em sua obra. Mas esse mundo já não existe e o autor se sente no meio do caminho entre o “mundo” que foi e o outro que ainda não chegou a ser, entre um judaísmo baseado numa fé inquestionável e um novo judaísmo multifacetado, vacilante, cheio de dúvidas.

Três obras são indicativas da evolução do pensamento de Agnon, mesmo assim não devem ser entendidas como etapas sucessivas cronologicamente, mas como idéias que interagem e se entrelaçam.

A integração

A primeira das três obras, O dote nupcial, representa o mundo chassídico idílico e um pouco ingênuo. O protagonista, Iudl, é extremamente piedoso. Vive fora da realidade, refugia-se no estudo e resolve tudo com um suspiro. Desconhece o problema das três filhas para casar. Agnon ama-o e ao mesmo tempo caçoa dele. Mas premia sua confiança em D’us: o final da história é feliz porque as filhas encontram um tesouro e podem ter um dote para casar.

A desintegração

Na segunda obra, Hóspede por uma noite, o tema descrito é o do retorno à aldeia natal após a Primeira Guerra. O personagem se sente um estranho. Chega em Shabush na véspera de Yom Kipur. Encontra um grande vazio. Querem entregar-lhe a chave do Beit Hamidrash, uma chave que ninguém quer, e que se perde. Mesmo assim “...o velho Beit Hamidrash estava intacto, sem nenhuma rachadura”. É um mundo sólido, sem rachaduras, sem imperfeições, mas precisa de uma nova chave. É a diáspora desarticulada pela falta de fé e esperança.

A renovação sionista

A terceira obra, Ontem, anteontem, aborda o tema da segunda aliá e apresenta algo novo, um mundo em formação que vem para substituir o velho que já não existe. Itzhak Kumer abandona a casa paterna para trabalhar na lavoura em Eretz Israel. Seus ideais de trabalhar numa colônia agrícola são frustrados e acaba tornando-se pintor. Enquanto pinta uma persiana, reflete: “Havia uma árvore no bosque, que ansiava por sol, chuva, ventos e amava o canto dos pássaros. Cortaram a árvore, transformaram-na em persiana. Esta agora esconde a visão do sol e não deixa passar os ventos e as chuvas e Itzhak, o pintor, completa essa obra de destruição e alteração, e até muda a cor da madeira”.

Kumer muda-se para Jerusalém onde reencontra a atmosfera religiosa e tradicional de sua infância e o verdadeiro amor, Shifrá, com quem casará. Mas o final da história não é feliz porque Itzhak Kumer não conseguiu realizar a nova vida a que se propunha.

A harmonia

O primeiro conto que levou Agnon a atingir a fama, E o torto se endireitará, aborda o tema da harmonia final que conserta um emaranhado de equívocos. Menashe Haim é o tragicômico protagonista. É casado com Kreindl, mas não têm filhos. É muito pobre. Compelido pela necessidade, viaja para longe em busca de sustento, levando consigo apenas uma carta de recomendação do rabino. Vende a carta a um mendigo que pouco depois é encontrado morto. Na aldeia se crê que o próprio Menashe Haim esteja morto. Kreindl chora longamente o esposo, mas depois encontra um benfeitor que se casa com ela e até a consola com uma gravidez!

O esposo, entretanto, ainda está vivo e chega à cidade no dia anterior ao brit-milá do filho de sua esposa. Menashe Haim decide assumir inteiramente a culpa do absurdo da situação e não interromper o curso dos acontecimentos, nem arruinar o destino de sua mulher. No cemitério encontra uma lápide com um túmulo vazio e seu nome gravado. É preciso que ele morra, ele que viveu uma vida tão insignificante. Sua morte é o ato de grandeza que resgata toda sua vida.

O amor

O amor impregna toda a obra de Agnon. É proposto como questão e dúvida, como aspiração que carrega em si sua frustração. No conto Colinas de areia, Hemdat se define: “Sou um príncipe adormecido, cujo amor o acordou para um novo sono. Sou um mendigo do amor, de mochila rasgada, e que coloca o amor dentro dela.” O amor é um sonho, a vida é um sonho e o príncipe, adormecido, não consegue salvar sua Bela Adormecida. Esse amor surrealista que surge na humilhante condição do mendigo, é incontrolável e esparrama-se em uma mochila rasgada.

No conto A história do escriba, Rafael se vê na impossibilidade de conciliar o amor a D’us com o amor a sua esposa, e com isso acabam consumindo as vidas da mulher, do filho que não tiveram e dele próprio.

A figura nobre da velha Tehilá (louvor) é outra história de amor perdido.

Tehilá lê os Tehilim o dia todo, agradece a D’us por tudo que recebeu e é uma mulher caridosa e bondosa. Só teve amarguras, em sua vida desde que seu pai rompeu uma promessa de casamento feita quando ela tinha onze anos de idade. Pagou com amor por esse amor não realizado.

Mas há promessas que se cumprem e amores que se realizam. Em Um juramento de fidelidade, Yakov e Shoshana são duas crianças que se amam e juram fidelidade. Crescem e Yakov torna-se uma figura complexa, dividida entre suas raízes judaicas e a cultura helênica. Shoshana é o nome de uma flor frágil, uma rosa entre os espinhos, o símbolo do povo de Israel; está ligada ao passado: de seu povo e do antigo juramento de fidelidade.

Diz Yakov: “Também tu, também nós somos jovens e temos toda a vida pela frente.

Disse Shoshana: Esta vida que temos pela frente acreditas que é melhor que a que temos para trás ?”

Finalmente a força da fidelidade de Shoshana vence e, ao assumir seu amor por ela, Yakov assume plenamente seu judaísmo.

Sonho

“A crise da fé do mundo moderno faz nascer um sentimento de insegurança, culpa e obsessão pela morte. A literatura... expressa suas ansiedades em sonhos aterrorizantes... ou recorre a formas simbólicas e alegóricas.” (David Patterson).

A orquestra é um conto que transcorre ás vésperas de Rosh Hashaná. O homem quer livrar-se das dívidas postergadas, das cartas deixadas sem resposta. Entre estas encontra um convite, um ingresso para um grande concerto regido pelo “rei dos músicos” naquela mesma noite de Rosh Hashaná. O que fazer? Onde ir, ao concerto ou à sinagoga? Antes de ir precisa purificar-se. Procura um banho, na casa de seu avô. Suas pernas o levam ao concerto. Lá não há diretor. Todos os músicos são pessoas conhecidas. Cada um toca para si e é amarrado ao seu instrumento, que é amarrado ao chão. Os músicos são cegos e surdos. Sai do concerto ao lembrar que ainda não tomou banho. Em casa, a filha lhe oferece uma vela, mas esta é insuficiente para “iluminar a escuridão que o rodeia”. Solidão, escuridão, incapacidade de purificação são os elementos dominantes.

Em outro conto, Quando termina o dia, estamos no dia de Yom Kipur, durante uma guerra real ou imaginária. O protagonista foge com sua filha no colo refugia-se no pátio da Grande Sinagoga e percebe desesperado que precisa de algo para cobrir a nudez de sua filha. Ninguém o ajuda. Então dirige-se à Velha Sinagoga, onde reencontra o calor acolhedor de sua infância. Pai e filha repetem as rezas e a pequena adormece.

A nudez da filha simboliza a nudez espiritual e a falta de conteúdo da nova geração, pela qual o pai se sente responsável. A menina é carente de amor, não tem mãe, não tem irmãos, está assustada. O pai só tem para oferecer-lhe o calor de sua própria infância, a Velha Sinagoga e a doçura das antigas melodias. A menina adormece. A paz é temporária. A menina continua nua.

Na universalidade de Agnon e em sua profunda humanidade, espelhamo-nos e vemos nossa própria imagem.


Bibliografia
Jaime Barylko: “Agnon”, Ed. Federação Israelita do Estado de São Paulo. 1988.
Agnon: “Contos de Amor”, Ed. Perspectiva. 1996.
e R. Slater: “Great Jewish Men”
G. Wigoder: “Dictionary of Jewish Biography”