Como e quando foi instituída a comemoração de Pessach? A celebração desta data, tão importante na história do povo judeu, sempre foi conhecida como o é, atualmente? Quais as mudanças ocorridas ao longo da história? Quando surgiram as primeiras hagadot?
A comemoração da festa de Pessach foi ordenada pelo Todo-Poderoso aos Filhos de Israel através de mandamentos explícitos no Livro de Êxodo. Relata a Torá que, após libertar os judeus do cativeiro no Egito, D'us disse a Moisés: "Este dia será um dia comemorativo. .. de geração em geração, o celebrarei como uma ordenação perpétua" (Êxodo, 12). Desde aquela data, há 3.300 anos, os judeus comemoram, ano após ano, o Exôdo, celebrando Pessach, a grande festa da liberdade.
O mandamento central ordena relembrar a história da escravidão e libertação dos judeus do Egito, relatando-a aos filhos. Para os estudiosos, no início, as comemorações não eram realizadas com um texto formalmente organizado, cabendo ao chefe da família decidir como e quais fatos incluir, em obediência ao mandamento bíblico: "E contarás a teu filho, naquele dia, dizendo: por causa do que o Senhor fez por mim, quando saí do Egito" (Exôdo 13:8).
A compilação do que viria a ser a Hagadá iniciou-se durante o período do Segundo Templo, no Israel antigo, entre o século VI antes da Era Comum e o século I da Era Comum. Foram os membros da Grande Assembléia, há mais de 2.500 anos, que sentiram ser necessário padronizar a comemoração e os relatos do Seder de Pessach. A Hagadá (em hebraico, "conto" ou "narrativa") que se lê nas duas primeiras noites, durante o Seder, conta a história do Êxodo do Egito, da escravidão, da libertação dos judeus e de todos os milagres que o Todo-Poderoso fez a Israel.
Embora algumas das orações contidas na Hagadá já fossem de uso corrente antes da destruição do Segundo Templo, foi a partir do século II da Era Comum que a Hagadá que hoje conhecemos passou a tomar forma. Podemos dizer que representa uma verdadeira criação popular, pois teve acréscimos em todas as épocas e em todos os lugares onde os judeus viveram.
Os textos usados para compilação da Hagadá, de forma narrativa e antológica, são extratos do livro Êxodo, intercalados com discussões e opiniões interpretativas da Mishná, Guemará e do Midrash. A Mishná é seguramente uma fonte fundamental. É lá que encontramos um capítulo sobre as bênçãos para os quatro copos de vinho, sobre a forma como devem ser feitas as perguntas, o significado da data, além da descrição do perfil dos quatro filhos que devem questionar o significado do ritual. Símbolos como o cordeiro, a matzá e as ervas amargas também são mencionados, aos quais se somaram uma prece de agradecimento pela libertação e o Salmo Hallel (113 e 118). Quando a Mishná foi finalizada, por volta do ano 200 da Era Comum, a narrativa de Pessach já tinha uma formatação quase totalmente determinada.
Durante a Idade Média, os textos principais foram acrescidos de orações, salmos e hinos especiais. Sabe-se que nos séculos VII e VIII da Era Comum a Hagadá já havia sido compilada como texto separado pelos gaonim, mas apenas no século XIII passou a ser um livro de orações independente.
Ao longo dos séculos, alguns costumes foram sendo modificados ou adicionados, de acordo com as singularidades das diferentes comunidades judaicas. Durante a Idade Média, por exemplo, os judeus de origem asquenazita introduziram o costume de molhar o dedo no copo de vinho à menção de cada uma das Dez Pragas citadas na Hagadá, colocando uma gota por vez, em um prato. O hábito se mantém até hoje.
Estima-se que aproximadamente três mil diferentes Hagadot já tenham sido publicadas, em quase todos os países por onde os judeus passaram. Acompanhando a sua trajetória, a Hagadá foi traduzida em vários idiomas, apresentando às vezes algumas adaptações. Geralmente, o texto em hebraico é acompanhado por uma tradução na língua local, com explicações e comentários, sendo acrescentados textos específicos em cada comunidade. Com exceção da própria Torá, é a obra religiosa judaica mais traduzida no mundo.
Os judeus alemães e poloneses introduziram poemas em suas versões. Duas das canções, "Chad Gadiá" e "Echad Mi Iodêa", foram adaptadas de antigas cantigas populares. Por outro lado, os judeus que viviam em países muçulmanos adicionaram às suas Hagadot comentários em árabe.
Antes do aparecimento da imprensa, no século XV, as Hagadot eram escritas por talentosos escribas. As letras hebraicas concebidas da forma mais criativa tornavam-se desenhos rebuscados. Iluminuras e ilustrações executadas de forma imaginativa e colorida ilustravam a história do Êxodo.
Em várias comunidades judaicas, entre o século XIII e XIV, tornou-se comum a encomenda de manuscritos da Hagadá de Pessach adornados por iluminuras. O texto da Hagadá já tinha se cristalizado em uma versão aceita e era fácil, portanto, extraí-lo do Sidur anual e copiá-lo em um livro separado. O livro passou a ser de uso familiar e não comunitário, o que incentivava várias famílias a encomendar Hagadot ilustradas com temas especialmente selecionados.
Em sua grande maioria, as ilustrações descrevem os episódios bíblicos ligados à escravidão e à libertação dos judeus, os milagres realizados por D'us e a outorga da Torá no Sinai. Geralmente, são precedidas de descrições minuciosas dos costumes relativos à celebração de Pessach.
Dependendo do tipo de ilustração, as Hagadot podem ser divididas em três estilos básicos: asquenazita, sefaradita e italiano. Apesar das similaridades, cada estilo apresenta distintas particularidades. Por exemplo, uma Hagadá sefaradita espanhola é geralmente composta de três partes: o texto, uma página com miniaturas bíblicas e a coleção de piyutim, recitados na sinagoga durante a semana de Pessach e no Shabat que antecede a festividade.
Nas Hagadot espanholas, a parte mais decorada é a página das miniaturas. Por outro lado, nas Hagadot asquenazitas - da França e da Alemanha - as ilustrações foram feitas nas margens, ao redor do texto. Acredita-se que, provavelmente, os judeus da Itália foram os precursores na arte de iluminar as Hagadot, tendo influenciado o estilo asquenazita e o sefaradita. Infelizmente, não podemos ter absoluta certeza, pois nenhuma Hagadá italiana permaneceu intacta, através dos anos. As que temos foram reconstruídas através de exemplares mais recentes e sujeitas a outras influências. No século XV, as Hagadot italianas sofreram influência das asquenazitas e as iluminuras eram colocadas nas margens das páginas. A primeira edição de uma Hagadá que se conhece provém da Espanha, Guadalajara, em 1482. Pelo que se sabe, há apenas um único exemplar. Dessa época, há menos de duas dúzias de Hagadot que ainda podem ser admiradas. Entre as mais belas estão a Hagadá de Sarajevo; a Segunda Hagadá, atualmente no Museu Germânico de Nuremberg; a Hagadá de Darmstandt e a Hagadá Sefaradita Ryland.
Bibliografia
· Narkiss, Bezalel, The Golden Haggadah, Pomegranate Artbooks
· Gross, David C., The Jewish People's Almanac, Hippocrene Books, N.Y