Foi em Betar que se travou a última batalha entre os judeus liderados por Bar Kochba e as legiões romanas de Adriano. Milhares de homens, mulheres e crianças foram assassinados para encerrar uma revolta que durou mais de nove anos.
A data de 9 de Av – Tisha B’Av – é marcada por uma série de eventos trágicos
da história do povo judeu. Foi neste dia que os babilônios destruíram o Primeiro Templo, em 587 antes da era comum; que o Segundo Templo foi destruído pelos romanos, no ano 70 da era comum. Foi nesta data, ainda, no ano de 135 da era comum, que a cidade de Betar, próxima a Jerusalém, que se encontrava sob o comando de Bar Kochba, foi arrasada pelas tropas do imperador romano Adriano. Os romanos mataram milhares de judeus – homens, mulheres e crianças – que lutavam contra as determinações do imperador proibindo-os de seguir os preceitos básicos do judaísmo.
A série de eventos que levou à revolta liderada por Bar Kochba e à queda de Betar começou no ano de 117 da era comum, quando o então governador da Síria, Adriano, tornou-se soberano do Império Romano. Quando assumiu o trono, prometeu aos judeus liberdade e tolerância religiosa. Mais do que isso, garantiu que lhes daria permissão para reconstruir Jerusalém e restaurar os serviços religiosos no Templo. Mas, em pouco tempo, Adriano provou que suas promessas haviam sido apenas palavras vazias, mudando de maneira dramática sua política em relação aos judeus.
O imperador realmente determinou a reconstrução de Jerusalém, mas esta não seria mais uma cidade judaica; e o templo que seria construído seria dedicado à adoração de Júpiter. Este fato foi narrado pelo historiador Dio Cassius, que viveu cerca de um século após a revolta de Bar Kochba. Cassius assim escreveu: “Em Jerusalém, Adriano fundou uma cidade sobre a que havia sido arrasada, chamando-a Aelia Capitolina – Aelia em homenagem ao seu próprio nome, Publius Aelius Hadrianus, e Capitolina em honra a Júpiter, cujo templo em Roma fora erguido sobre o Monte Capitolene. No local do Templo em Aelia Capitolina, mandou erguer um santuário para Júpiter. Este fato levou à guerra, pois os judeus não toleraram que estrangeiros se instalassem em sua cidade e ali construíssem seus templos” (História de Roma, capítulo 69).
No período em que esses fatos ocorreram, a liderança religiosa era exercida em Eretz Israel pelo Sanhedrin, que fora restabelecido na cidade de Usha depois que os romanos haviam obrigado os sábios a abandonar a cidade de Yavneh. O líder deste novo núcleo espiritual era o Rabi Akiva, apesar de o sábio mais velho ser o Rabi Yeshoshua ben Chanaya, universalmente respeitado por sua grande fé e sabedoria. A atitude adotada por Adriano e as medidas por ele anunciadas – entre as quais a proibição do estudo da Torá, da prática do Shabat e da circuncisão, além da construção de Aelia Capitolina onde outrora fora Jerusalém – provocaram a revolta dos judeus.
Eram esses preceitos que garantiam ao povo judeu a sua singularidade, protegendo-os da assimilação. Ainda que fosse para defender tais preceitos, não havia consenso entre os sábios. Alguns, como o rabino Chanaya, defendiam a calma e o controle, evitando o confronto direto com os romanos; outros preferiam a luta. Entre estes últimos estava Bar Kochba. A revolta que ele liderou durou nove anos e passou por várias vitórias até chegar à derrota total.
Segundo o historiador Eli Birnbaum, poucas personalidades do judaísmo foram tão enigmáticas e controvertidas quanto Bar Kochba, cujo nome de nascença era Simon Bar Cosiba. Para alguns estudiosos, foi um herói que, apesar da situação desesperadora, tentou unir o povo judeu e derrotar a opressão de Roma. Para outros, foi um indivíduo egocêntrico com ilusões messiânicas de grandeza. Birnbaum afirma que há poucas informações escritas sobre Bar Kochba e as mais conhecidas estão nos Documentos do Deserto da Judéia, encontrados pelo arqueólogo, general e político israelense Yigal Yadin, nos quais estão textos de Dio Cassius e de Eusebius, um historiador da Igreja.
Não há dúvida, no entanto, que a saga de Bar Kochba está intrinsecamente ligada a Rabi Akiva, o grande sábio. Foi justamente o apoio que recebeu deste sábio o que deu a Bar Kochba o poder e a força para organizar a revolta contra o Império Romano. Foi Rabi Akiva quem mudou o seu nome para Bar Kochba, que significa “filho de uma estrela”. O sábio acreditava que Bar Kochba tinha potencial para se tornar redentor do povo, se agisse corretamente e se rendesse aos desejos Divinos. Dizem os estudiosos, no entanto, que Bar Kochba não correspondeu às expectativas de Rabi Akiva. Sob o aspecto militar, no entanto, Bar Kochba foi um grande comandante.
A primeira fase da revolta judaica surgiu como um movimento espontâneo, sem nenhum planejamento prévio e sem objetivos políticos determinados. Os judeus apenas não queriam desrespeitar o Shabat e começaram a procurar esconderijos onde pudessem fazer suas preces e cumprir os rituais. O mesmo era feito por aqueles que desejavam fazer a circuncisão em seus filhos: procuravam esconderijos. No entanto, os romanos acabaram descobrindo essa tática e foram matando os judeus à medida que localizavam tais locais. A perseguição contínua levou os judeus a organizar uma resistência coordenada.
Foi a partir desta fase que a liderança de Bar Kochba assumiu um papel preponderante. De atacados, os judeus passaram a atacantes. Ele organizou os pequenos grupos em companhias regulares de combate e, gradualmente, foi expulsando as tropas romanas de suas posições. Cerca de três anos após o início da revolta, Bar Kochba comandou seus soldados em direção a Jerusalém, reconquistando a cidade de onde, com o título de Nassi, príncipe, proclama o restabelecimento da independência do Estado Judeu. Moedas cunhadas na época (132) trazem símbolos religiosos judaicos e inscrições como: “Segundo ano da Liberdade de Israel”, Libertação de Jerusalém”.
A derrota fez com que o Império reavaliasse a gravidade da situação e a ameaça que a vitória judaica representava para o seu poderio. A partir de então, o imperador Adriano mandou seus melhores generais e legiões para a luta. Nada menos de que 10 regiões, com cerca de 100 mil homens com equipamentos sofisticados. Ao invés de atacar diretamente as unidades de Bar Kochba, os romanos avançaram sobre as cidades mais isoladas controladas pelos judeus e interromperam o fornecimento de alimentos a Jerusalém. Gradativamente, as legiões de Adriano reassumiram o controle sobre os arredores, preparando-se para desfechar um ataque definitivo à cidade.
Mesmo com a derrota em Jerusalém, Bar Kochba não encerrou a revolta, retirando-se com algumas unidades para a cidade de Betar. A luta estendeu-se por mais três anos e meio, aproximadamente. Após algumas vitórias iniciais, começaram as perdas. Dizem os sábios que a queda de Bar Kochba foi consequência de sua falta de humildade, atribuindo suas vitórias a seu próprio talento, e do seu afastamento dos princípios e das leis da Torá. Segundo os sábios, em Betar, Bar Kochba acusou seu tio, Rabi Elazar Ha-Modaí, de traição, matando-o em um acesso de raiva. Neste momento, uma voz dos Céus afirmou: “Você matou rabi Elazar Ha-Modaí, o braço forte e o olho direito de Israel. A partir de então, seu próprio braço definhará e seu olho direito se escurecerá” (Talmud Yerushalmi, Taanit 4:5).
Em seguida, Betar foi invadida e conquistada pelos romanos, que deixaram um rastro de sangue, massacrando milhares de judeus, destruindo milhares de assentamentos e assassinando Bar Kochba. Era o dia 9 de Av.
Desde então, novas tragédias marcaram a história judaica e da humanidade em 9 de Av: em 1492, os judeus foram expulsos da Espanha; em 1914 iniciou-se a Primeira Guerra Mundial; em 30 de julho de 1940, Himmler apresentou ao Partido Nacional-Socialista da Alemanha a “Solução Final” para o “problema judaico”; e, em 1942, os nazistas começaram a deportação dos judeus do Gueto de Varsóvia, na Polônia.
Bibliografia
Tishah B’Av – Texts, Readings and Insights / A Presentation Based on Talmudic and Tradicional Sources – Mesorah Publications, Ltd.