Para entender o que é o Shabat é preciso vivenciá-lo, diz Pessy Gansburg em seu livro “Shabat, costumes e tradições judaicas: uma perspectiva gastronômica através dos tempos”

O Shabat é o dia em que, para um judeu, a vida mundana é interrompida; cessam o corre-corre do dia-a-dia, os telefonemas, o trabalho diário... tudo fica em suspenso.

É o dia que nos faz refletir, que nos lembra, semana após semana, que D’us é o verdadeiro Criador do Universo e, nesse dia, a glória de D’us se torna mais perceptível na Terra.O Shabat é a manifestação da sefirá feminina de Malchut, a Realeza, uma sefirá que representa a Shechiná – a presença iminente de D’us no mundo. Não surpreende, portanto, o fato de a mulher desempenhar um papel fundamental no cumprimento da observância do dia sagrado. É ela que faz as chalot, acende as velas de Shabat, prepara o jantar festivo, arrumando a mesa com toda a dignidade que o dia requer.

Para cada judeu, de forma especial, o dia traz a lembrança de uma imagem, um perfume, um sabor, uma música. As velas acesas, a mesa posta, o perfume das chalot – os pães trançados especiais para o Shabat –, filhos e amigos ao redor da mesa, a voz do pai entoando as berachot para receber esse dia santificado. Tudo isso é gravado no coração e na alma judaica, através dos tempos. E Pessy Gansburg decidiu homenagear o Shabat publicando um livro diferente sobre o sétimo dia da semana, no qual ela mescla os costumes, as tradições e a espiritualidade judaica às suas deliciosas receitas.

No livro “Shabat, costumes e tradições judaicas: uma perspectiva gastronômica através dos tempos”, a autora consegue entrelaçar a espiritualidade desse dia sagrado a dezenas de receitas excelentes e, ao mesmo tempo, simples. A receita de sua chalá, ou melhor, de suas chalot de vários sabores, é imperdível. Mesmo para os mais inexperientes na cozinha é impossível não conseguir acertá-la.

Judia norte-americana, Pessy cresceu em Crown Heights, centro do movimento Chabad. Casou-se com o Rabino Noach Gansburg, que era shaliach, emissário do Rebe na Itália, e que, na época, estava estudando na ieshivá em Nova York. O casal foi enviado, em 1987, para atender a comunidade de Porto Alegre, no sul do Brasil. Nas palavras de Pessy, fomos em “uma missão do Rebe Menachem Mendel Schneerson levar o judaísmo àquela cidade que, para nós, parecia ser o último cantinho do mundo”.

“A prática da Cashrut era praticamente inexistente em Porto Alegre”, revela Pessy. “Carnes e galinhas que consumíamos tinham que vir de São Paulo. Para os laticínios, íamos direto às fazendas, levando aqueles galões de leite, antigos, e eu fazia, em casa, manteiga, creme de leite, queijo, iogurte. E qualquer produto que eu precisasse, era eu quem tinha que torná-lo casher, pois não havia de onde encomendar nenhum alimento que atendesse às leis alimentares judaicas. Foi aí que eu vi que tinha que aprender a cozinhar, eu mesma.... Mas na época não havia Google... e, para perguntar à minha mãe, uma excelente cozinheira, as ligações telefônicas para os Estados Unidos eram muito caras … Eu me guiava por dois livros de receitas casher. E foi assim, de certa forma, que aprendi a cozinhar, sempre tendo que improvisar muito, pois essas receitas usavam produtos que obviamente não eram encontrados em Porto Alegre. Tive mesmo que aprender a adaptar as receitas ao que eu tinha à mão.Começamos a convidar as pessoas para passarem o Shabat conosco.

E quando você convida uma pessoa ou uma família para partilhar com você o jantar de Shabat, a mesa se torna um ambiente alegre, a casa fica mais leve e divertida. Então o Shabat e as nossas festas passaram a ser as ocasiões em que convidávamos as pessoas e, nessas ocasiões, mostrávamos a eles a beleza do Judaísmo. Assim fomos conhecendo a kehilá, a comunidade de Porto Alegre. Eu fazia chalot, preparava entradas, saladas, um kuguel1, o guefilte-fish, tradicional peixe dos judeus ashquenazis, e as pessoas gostavam muito. Era o espírito do Shabat, com pessoas alegres, reunindo-se numa ocasião importante em nossa semana, e essas ocasiões eram muito apreciadas por todos”.

“Então, desde o início de nossa shlichut, de nossa missão, a cozinha judaica foi minha contribuição como uma enviada, uma shlichá do Rebe de Lubavitch, do movimento Chabad. O Rebe costumava dizer que um shaliach, seu enviado, era sempre uma “metade”, e por isso precisava ser completado com sua shlichá!

Pessy quis compartilhar esse aprendizado que, de fato, a levou a se tornar uma verdadeira chef de cuisine judaica. O primeiro livro de receita que publicou foi há vários anos, com receitas de Pessach. Publicou também um lindo livro para as meninas de 12 anos, sobre o significado de ser Bat-Mitzvá, que constitui um verdadeiro guia do papel da mulher judia. Com o passar do tempo, já em São Paulo, e em contato com outras comunidades judaicas, ela foi-se especializando em receitas do cardápio sefaradi. Sua chalá de zaatar, por exemplo, é o maior sucesso.

Agora, com esse belo livro “Shabat, costumes e tradições judaicas: uma perspectiva gastronômica através dos tempos”, publicado pela editora Novo Horizonte, Pessy fará parte da vida de muitas famílias que, através de suas receitas, poderão compartilhar de um jantar de Shabat saboroso e cheio de espiritualidade.

1Kuguel é um bolo salgado, assado, feito comumente com macarrão ou batata.
É um prato judaico ashquenazi tradicional, frequentemente servido no Shabat e no Yom Tov, dias de festa.