A rua onde fica a embaixada de Israel foi rebatizada em homenagem a Mohammed Aldura, o garoto de 12 anos morto em setembro na Faixa de Gaza, num tiroteio entre forças israelenses e atiradores palestinos.

A imprensa controlada pelo governo destila textos contaminados por um anti-semitismo medieval. Apoiada pelo fundamentalismo islâmico, a oposição, embora ainda minoritária, dobra o número de cadeiras no Parlamento nas eleições de novembro.

O quadro descrito acima, apesar da provocação na mudança do nome da rua e dos devaneios da mídia oficial, não é de um país com uma virulenta diplomacia antiisraelense. Ao contrário. Trata-se da principal âncora do processo de paz e do diálogo com Israel no mundo árabe. É o Egito do presidente Hosni Mubarak.

Esses contrastes alimentam o chamado paradoxo do Egito. O mais influente e principal liderança do mundo árabe carrega uma política externa que entra em choque com cenários vividos no universo doméstico. Na diplomacia do Oriente Médio, Hosni Mubarak faz as vezes de um bombeiro chamado para apagar incêndios e de um engenheiro requisitado para reconstruir pontes. Na política interna, a mídia oficial publica artigos e caricaturas que estão "envenenando as relações" entre Israel e Egito, segundo palavras de funcionários do governo israelense, em novembro.

Fora de suas fronteiras, o Egito se guia a partir de dois princípios: o legado de Anuar Sadat e a aliança estratégica com os Estados Unidos. Sadat assinou com Israel os acordos de Camp David em 1979, o que fez do seu país o primeiro do mundo árabe a aceitar a coexistência pacífica com o Estado judeu. O pioneiro da paz foi assassinado dois anos depois, num atentado lançado por funda-mentalistas islâmicos, e teve como sucessor Hosni Mubarak, um oficial da Aeronáutica comprometido com a continuação da herança de Sadat.

Mubarak também herdou a aliança estratégica do Cairo com Washington. Fez ainda mais para aprofundar o relacionamento, e hoje o Egito desponta como segundo maior recipiente de ajuda econômica norte-americana, atrás apenas de Israel. O sucessor de Sadat, sempre em consonância com a diplomacia dos Estados Unidos, transformou-se num facilitador do diálogo entre líderes israelenses e palestinos.

Mas essa atmosfera de cooperação e proximidade se evapora após cruzar a fronteira do Egito. No país, circula uma visão de desconfiança em relação a Israel, que muitas vezes descamba, nas páginas da imprensa oficial, para explosões de anti-semitismo delineadas, por exemplo, em caricaturas que mostram surrados estereótipos como o do judeu avarento ou ligado a rituais misteriosos. Também não faltam charges que comparem soldados israelenses a nazistas.

Ao permitir esse tipo de manifestação, Mubarak busca aplacar as pressões de dois grupos. Primeiro, de elites intelectuais e econômicas egípcias, que temem uma paz permanente na região. Representantes desses setores dizem temer que Israel seja a potência regional hegemônica num Oriente Médio pacificado, relegando o Egito a um papel de coadjuvante. Segundo essa corrente de pensamento, bastante influente no Cairo, os avanços israelenses no campo científico e tecnológico colocariam Jerusalém em posição privilegiada na disputa por influência com os vizinhos.

Esse raciocínio não se sustenta. Primeiro, porque Israel não demonstra nenhuma vontade política de liderar o Oriente Médio, que continuaria sendo um universo eminentemente árabe. E também os países da região teriam - e muito - a lucrar com as conquistas israelenses, ferramentas úteis para colocá-los no bonde da globalização.

O segundo grupo na mira de Mubarak é a oposição islâmica. O presidente egípcio permite os arroubos anti-sionistas e anti-semitas em sua imprensa para não parecer "fraco" diante de oposicionistas que impulsionam sua política a partir do fundamentalismo. E basta lembrar as eleições de novembro para entender por que Mubarak se preocupa com esses radicais: a oposição em geral saltou de 17 para 34 cadeiras. É um número pequeno no universo de 454 deputados, mas um sinal forte de que persiste a desconfiança nas relações entre Cairo e Jerusalém e que muito tem de ser feito pelo governo egípcio para impedir que a paz com Israel continue sendo descrita apenas como "uma paz fria".