“Porque o Eterno, teu D’us te traz a uma boa terra... terra de trigo e cevada, de figueira e de romeira; terra de oliveira que dá azeite, e de tamareira” (Deuteronômio 8:7-9)

O 15o dia do mês judaico de Shvat, Tu B’Shvat, é o Ano Novo das Árvores – um dos quatro Anos Novos mencionados no Talmud. Os outros três são 1o de Tishrei (Rosh Hashaná), 1o de Nissan e 1o de Elul.

Qual o propósito de um Ano Novo para as árvores? Segundo a Lei da Torá, o ciclo agrícola na Terra de Israel leva sete anos, e conclui com um ano sabático – a Shemitá. Quando o Templo Sagrado de Jerusalém estava de pé, nos seis primeiros anos de cada ciclo os plantadores eram obrigados a separar uma porção de sua produção anual e reservá-la para os seguintes propósitos sagrados: cerca de 2% da produção eram dados a um Cohen – isso é conhecido como Terumá – e 10% a um Levi – o que se chama de Maaser Rishon (Primeiro Dízimo). Após determinar a Terumá e o Maaser Rishon, nos anos um, dois, quatro e cinco de cada ciclo, os plantadores tinham que separar outros 10% de sua produção e comê-los em Jerusalém. Esse dízimo é chamado Maaser Sheni (Segundo Dízimo). No 3o e 60 anos do ciclo, em vez de comer o Maaser Sheni em Jerusalém, os fazendeiros davam esse Segundo Dízimo aos carentes, que, por sua vez, podiam consumi-lo onde quisessem. Esse dízimo é conhecido como Maaser Ani (Dízimo do Carente). No sétimo ano do ciclo, não havia separação de dízimos, pois toda a produção que cresce durante a Shemitá não tem dono e pode ser colhida por qualquer um.

Como a Torá não nos permite separar dízimos das safras de um ano anterior, era fundamental determinar o início de uma nova safra. Nossos Sábios determinaram que os frutos que floriam antes do dia 15 de Shvat eram safra do ano anterior. Se cresciam a partir desse dia 15, eram produto do novo ano. No entanto, o ano novo para grãos, legumes e verduras é o dia 1º de TishreiRosh Hashaná. Por que, então, o ano novo das frutas é no dia 15 de Shvat e não em Rosh Hashaná? Porque na região do Mediterrâneo, a estação chuvosa se inicia na festa de Sucot. Leva aproximadamente quatro meses – de Sucot (que se inicia no dia 15 de Tishrei) até o dia 15 de Shvat - para que as chuvas do ano novo saturem o solo e as árvores deem frutos. Todos os frutos que florescem antes são produto das chuvas do ano anterior e, portanto, contabilizados para os dízimos juntamente com a safra do ano anterior.

As leis dos dízimos são técnicas. Preenchem muitas páginas do Talmud Yerushalmi, mas têm pouca relevância para a maioria dos judeus. Na verdade, Tu B’Shvat é uma data que não teve significado prático durante os milênios em que o Povo Judeu esteve exilado da Terra de Israel. Contudo, sempre foi uma data festiva no calendário judaico. Ainda que não seja um Yom Tov – um dia sagrado –, é uma data festiva na qual omitimos as preces de Tachanun (pedidos de perdão e confissão). São muitas as razões para esse dia ser festivo. Uma delas é o fato de que durante os 2000 anos em que nós, judeus, vivemos na Diáspora, Tu B’Shvat nos recordava a conexão eterna de nosso povo com a Terra de Israel. Outra razão para sempre termos celebrado Tu B’Shvat é que apesar de ser o Ano Novo das árvores, atribuímos significado especial à data pois, como nos ensina a Torá, “o homem é a árvore do campo” (Deuteronômio 20:19). As leis referentes a essa data podem ser técnicas e irrelevantes para muitos judeus, mas nossos Sábios derivam muitas lições relevantes da comparação que a Torá faz entre o homem e a árvore do campo.

Celebramos Tu B’Shvat consumindo frutas, particularmente as sete espécies destacadas pela Torá como prova da fertilidade da Terra de Israel: trigo, cevada, uvas, figos, romãs, azeitonas e tâmaras.

Shivat HaMinim - as Sete Espécies da Terra de Israel

Ademais de ser um livro de leis e ensinamentos, a Torá é um código. Significa exatamente o que está escrito, mas há infinitos níveis metafóricos e alusivos em suas entrelinhas. Por exemplo, quando a Torá afirma que a Terra Prometida se distingue por meio de suas sete espécies, faz alusão à alma do homem e às sete qualidades que a movem e enriquecem. Como um dos propósitos primordiais do estudo da Torá, e particularmente da Cabalá, é atingir-se o autoconhecimento, é importante nos aprofundarmos no que dizem os livros místicos sobre o simbolismo das Shivat HaMinim – as Sete Espécies da Terra de Israel – que temos o costume de comer na celebração de Tu B’Shvat.

1. Trigo: Transcendência

Aprendemos na Cabalá que cada um de nós tem duas almas distintas: uma Divina, que incorpora nossos impulsos transcendentes, e uma animal, que é a origem de nossos instintos naturais e auto orientados.

Na Torá, o trigo é considerado a base da dieta humana, enquanto a cevada é mencionada como alimento animal (Talmud Bavli, Sotá 14a). O trigo simboliza a alma Divina, ao passo que a cevada, a alma animal. O trigo representa o empenho humano em buscar transcendência – ou seja, elevar-se para alcançar o Divino.

O Talmud tece um comentário de que o fruto proibido no Jardim do Éden era o trigo. Ainda que o trigo não seja tecnicamente uma fruta, sua natureza era diferente no Éden. Por que teria Eva sucumbido à tentação e consumido o fruto proibido? Porque a serpente lhe havia dito que se o fizesse, o ser humano se tornaria como D’us. O desejo de comer o fruto proibido surgiu do anseio humano de união com o Divino, ainda que isso fosse autodestrutivo.

Contrariamente à alma animal, que busca a autopreservação e o prazer, a alma Divina busca a comunhão com D’us. Aquele que apenas alimenta sua alma animal e priva a Divina de seu alimento espiritual, nunca encontrará a verdadeira felicidade, satisfação e paz. A alma Divina somente pode ser alimentada com espiritualidade. Não há quantidade de fartura material que a sacie. O trigo – a primeira das Sete Espécies – nos ensina que nossa prioridade na vida tem que ser nutrir, adequada e plenamente, nossa alma Divina.

2. Cevada: Vitalidade

Como vimos acima, a cevada representa a alma animal. Aparentemente, o trigo tem uma conotação positiva e a cevada, negativa. No entanto, é um erro acreditar que a alma animal deva ser menosprezada. Segundo a Cabalá, nosso empenho em nutrir e desenvolver a alma animal é uma tarefa não menos fundamental para nossa missão na vida do que o aperfeiçoamento da alma Divina.

É verdade que, contrariamente à alma Divina, a alma animal é envolta em uma carga de negatividade – egoísmo, ganância, luxúria, vaidade e crueldade, entre muitas outras falhas humanas. Contudo, ela tem certas vantagens sobre a alma Divina: a vitalidade, a determinação e a paixão que o lado mais espiritual do ser humano não possui, em geral. Aqueles que sabem aproveitar a vitalidade da alma animal podem realizar grandes coisas – talvez até mais do que aqueles que são principalmente impulsionados pela alma Divina. O essencial é que se use a alma animal para causar impacto positivo no mundo, pois nada é mais destrutivo do que a vitalidade mal direcionada.

A cevada, segunda das Shivat HaMinim, ensina que se direcionarmos adequadamente nossa alma animal, esta pode ser um excelente aliado de nossa alma Divina em ajudar-nos a executar nossa missão neste mundo.

3. Uva - Alegria

As uvas são associadas com a alegria. Como está no Tanach, “… meu mosto, que alegra a D’us e aos homens...” (Juízes 9:13).

A alegria é um elemento indispensável à vida. A Torá nos ordena servir a D’us com alegria e desaprova a tristeza e a depressão.

A importância da alegria se percebe em tudo. Quando estamos alegres, tudo o que fazemos fica mais evidente: nossa mente fica mais brilhante, nosso amor mais profundo, nossos desejos mais intensos. A alegria permite que as emoções brotem. Como ensina o Talmud, “Quando o vinho entra, os segredos saem”. Quando nos embebemos de alegria, podemos revelar mais facilmente os grandes tesouros que estão profundamente aninhados em nossa alma.

Por outro lado, uma vida sem alegria é rasa e vazia. O ser humano pode ter tudo – pode possuir uma infinidade de bênçãos materiais e espirituais –, mas se não tiver alegria, não viverá toda a plenitude da vida. Tanto a alma Divina como a animal contêm amplos reservatórios de discernimento e sentimento, mas, na ausência de alegria, esse manancial nunca é expresso plenamente porque não há nada que os estimule. A uva representa justamente o elemento que libera esses potenciais, adicionando-lhes cor, profundidade e intensidade em tudo o que fazemos.

4. Figo - Envolvimento

Uma vida plena, no entanto, não exige apenas alegria – mas também envolvimento. Podemos realizar muitas coisas de forma séria e competente, mas podemos não estar envolvidos muito profundamente na tarefa que temos que realizar. Envolvimento significa mais do que executar algo com cuidado e precisão; significa envolver-se plenamente em algo com nossa mente, coração e alma.

O figo simboliza esse envolvimento. São várias as opiniões a respeito da identificação do fruto proibido no Jardim de Éden: uva, trigo (como vimos acima) e Etrog (uma das quatro espécies de Sucot). Mas há também uma opinião que diz que o fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal era o figo. Como ensina a Cabalá, o conhecimento requer um profundo envolvimento – simbolizado pelo figo – com algo ou com alguém. O pecado original se originou na recusa do ser humano em se reconciliar com o fato de que há certas coisas com as quais não se pode envolver. Adão e Eva comeram do fruto proibido porque queriam se igualar a D’us. Queriam se envolver com cada uma das criaturas Divinas – mesmo com o mal, que D’us proibira.

O figo do Jardim de Éden foi a origem de todas as forças destrutivas do mundo. Contudo, essa fruta também simboliza nossa capacidade de envolvimento profundo e íntimo com nossos esforços positivos – um envolvimento que significa que nos preocupamos profundamente com tudo o que fazemos.

5. Romã - Ação

Romãs simbolizam ação. Há muitas ocasiões, na vida, em que o imperativo nos dita simplesmente realizar algo, sem sentir nem pensar, mas agir. Por exemplo, a Torá nos impõe cumprir seus mandamentos mesmo se os realizarmos sem conscientização, alegria ou envolvimento. Nas palavras dos Sábios: “O mais importante é a ação”. O Judaísmo está muito mais preocupado com as ações de uma pessoa do que com suas intenções. É melhor ajudar pessoas carentes mesmo sem sentirmos compaixão do que estar cobertos de piedade pelos necessitados e nada fazer para socorrê-los.

Há um famoso ensinamento talmúdico que diz que “mesmo os vazios, entre os judeus, estão repletos de boas ações como a romã está repleta de sementes”. Um dos significados desse ensinamento é que mesmo quem é “vazio” – aquele que possui pouco conhecimento e não está ligado com sua alma Divina –, mesmo ele realiza uma enormidade de boas ações. Trata-se de uma característica que redime a alma humana: a capacidade de erguer-se acima de si mesmo e fazer o que é certo mesmo quando não se tem motivação para tal.

6. Azeitona - Desafio

Um dos grandes mistérios da condição humana é que, em geral, somos mais inovadores e capazes quando nos deparamos com limitações, pressões e dificuldades. Damos o melhor de nós quando pressionados; quando nosso “combustível” espiritual é “espremido” de nós devido a uma situação desafiadora ou opressiva. A sexta qualidade da alma é representada pela azeitona, que, espremida, produz azeite de oliva – fonte de sustento e de luz. O fruto da oliveira representa a capacidade humana de transformar dificuldades em forças poderosas para a realização e o crescimento – física e espiritualmente.

7. Tâmara - Tranquilidade

Em contraste com a azeitona temos a sétima fruta, a tâmara, que simboliza nossa aptidão para a paz, tranquilidade e perfeição. É bem verdade que damos o melhor de nós diante de um desafio, mas também é verdade que há muito potencial em nossa alma que apenas emerge quando estamos em paz – apenas quando atingimos o equilíbrio e a harmonia entre os diferentes componentes de nossa alma.

Está escrito no Livro dos Salmos que “Os Tzadikim, os justos, florescerão como a tamareira” (Salmos 92:13). O Zohar, obra fundamental da Cabalá, explica que há uma certa espécie de tamareira que só dá frutos após 70 anos. A alma humana é composta de sete atributos básicos, cada um deles, por sua vez, com 10 subcategorias. Assim, o Tzadik que floresce após cumprir 70 anos é fruto de uma alma cujo caráter, em todas os seus aspectos, foi refinado e está em harmonia consigo mesmo, com os seus semelhantes e com D’us.

Apesar de azeitonas e tâmaras serem antíteses metafóricas, ambas podem existir dentro de todo ser humano. Mesmo em meio a nosso empenho mais ardente, podemos sempre encontrar conforto e força na perfeição que reside na essência de nossa alma. Ao mesmo tempo, mesmo quando encontramos a paz – interna e com o mundo –, sempre podemos encontrar um desafio que nos impulsione a realizações ainda maiores.

Tu B’Shvat é um dia festivo que nos transmite muitas lições. Com as Sete Espécies da Terra de Israel aprendemos que a vida é plena quando o ser humano é guiado pela transcendência de sua alma Divina e impulsionado pela vitalidade de sua alma animal. As Sete Espécies também nos ensinam que uma vida plena requer alegria, envolvimento, vontade de agir, habilidade de vencer as dificuldades e capacidade de encontrar tranquilidade dentro de si próprio e no mundo. Um dos temas centrais de Tu B´Shvat é a comparação entre o homem e a “árvore do campo”. Assim como o fruto é a maior conquista da árvore, D’us conclama os seres humanos a usar seus poderes e recursos espirituais para constantemente dar frutos.

Bibliografia:

The Seven Species and Seven Attributes, Rabbi Simon Jacobson, http://www.chabad.org/library/article_cdo/aid/2776/jewish/The-Seven-Species-and-Seven-Attributes.htm/sc/em_share

Seven Fruits of the Soul, Rabbi Yanki Tauber

http://www.chabad.org/library/article_cdo/aid/408049/jewish/Seven-Fruits-of-the-Soul.htm/sc/em_share