Foi em Shavuot que D-us se revelou diante de todo o Povo Judeu e entregou-lhe a Torá, Sua Palavra - eterna e imutável.

Quando se utiliza o termo "Povo", temos em mente um grupo de seres humanos unidos por alguns elementos em comum. Os integrantes desse povo partilham valores, crenças e hábitos. Pode-se dizer que um grupo de pessoas faz parte de uma mesma nação quando possui um território comum, segue o mesmo código de leis e é ligado por laços históricos, culturais e lingüísticos.

Os judeus começaram sua trajetória na história da humanidade como uma grande família, só se tornando "povo" quando, já depois do Êxodo do Egito, receberam do Todo Poderoso a Torá e a promessa da posse de Eretz Israel. Era a aurora de Am Yisrael, o Povo Judeu. Desde então esses dois laços - a Torá e a Terra de Israel - unem todos os seus integrantes.

A importância da Torá é tão grande que o povo de Israel é reconhecido por todas as nações como o "povo do Livro". Apesar de muitos não saberem a que "livro" este título se refere, trata-se da Torá, entregue aos judeus no Monte Sinai.

Mas, qual teria sido a data exata desse acontecimento único e extraordinário? Em que dia da semana D'us se revelou no Monte Sinai? Sabe-se que foi durante a festa de Shavuot. Por isso, a festividade é também chamada de Chag Matan Torá, literalmente "a Festa da Outorga da Torá".

O curioso é que na Torá não há menção explícita sobre a data. Todos os demais dias sagrados do calendário judaico são definidos e registrados nas Escrituras. Pessach se inicia no dia 15 de Nissan; Rosh Hashaná, em 1º de Tishrei; Yom Kipur, em 10 de Tishrei; Sucot, em 15 do mesmo mês e, assim por diante. Mas, no que toca a Shavuot, é diferente. A Torá ordena: "Contarão 49 dias após o primeiro dia de Pessach e, no qüinquagésimo, será a festa de Shavuot...". Por que não consta claramente que Shavuot ocorreu em 6 de Sivan? Certamente há um propósito para a omissão.

No Talmud, os Sábios discutem acerca da data da entrega da Torá, quando D'us se revelou explicitamente a todo um povo, pela única vez na história da humanidade. A maioria afirma que esse evento ímpar ocorreu no sexto dia do mês de Sivan. Rabi Yossi, um dos pilares do Talmud, discorda e afirma que a Outorga ocorreu no sétimo dia desse mês. O Talmud elucida e esclarece a razão para a diferença de opinião.

Todos os Sábios concordam que a saída do Egito aconteceu no quinto dia da semana, no dia 15 de Nissan, e que a Torá foi entregue 50 dias depois, num Shabat. A dúvida é se o mês de Iyar daquele ano teve 29 ou 30 dias. Para se entender o porquê dessa dúvida, é necessário lembrar que como, na época, ainda não havia sido instituído o calendário fixo, o início do mês, Rosh Chodesh, era decidido de acordo com o testemunho ocular da aparição da Lua Nova. Assim que alguém visse a olho nu uma partícula da Lua, por menor que fosse, deveria declarar o fato perante a Corte. E, para que a Corte proclamasse o início do novo mês, eram necessárias duas testemunhas do mesmo fato. Naquela época, Rosh Chodesh podia ser celebrado durante um ou dois dias e, portanto, os meses poderiam ter 29 ou 30 dias.

Nossos Sábios concluíram que, se no ano em que foi entregue a Torá, o mês de Iyar foi de 29 dias, Rosh Chodesh Sivan, o primeiro dia do mês de Sivan, caiu no primeiro dia da semana. O Shabat, sétimo dia, ocorreu, portanto, no dia 7 de Sivan. Por outro lado, se o mês de Iyar daquele ano teve 30 dias, Rosh Chodesh Sivan caiu no segundo dia da semana. Por conseguinte, o primeiro Shabat daquele mês - dia em que foi entregue a Torá - ocorreu em 6 de Sivan.

Mas, com a instituição do calendário fixo por Hillel II, no ano judaico de 4419 (IV século desta Era), a necessidade de testemunho ocular deixa de existir, pois o calendário determina, de antemão, quais os meses com 29 e quais os com 30 dias. Vale a pena ressaltar que há apenas duas exceções: os meses de Cheshvan e Kislev, que, dependendo do ano, podem variar, entre 29 ou 30 dias. Quando ambos os meses têm apenas 29 dias, o ano é considerado "Chasserá", em falta. E, quando ambos têm 30 dias, o ano é chamado de Shelemá, completo. Por outro lado, quando Cheshvan tem 29 dias e Kislev 30, o ano é considerado Kessidrá - ou seja, todos os meses seguem a "ordem exata", uns com 29 e outros com 30 dias.

Portanto, desde a instituição do calendário fixo, Shavuot passou a ocorrer sempre no dia 6 de Sivan. Na Diáspora, as festas são observadas durante dois dias. Assim sendo, fora da Terra de Israel, Shavuot é celebrado nos dias 6 e 7 de Sivan.

Curioso - e profundo

Uma pergunta surge, espontaneamente: como é possível que uma data tão importante e marcante para o Povo de Israel, como a da Outorga da Torá, não esteja nitidamente definida na mesma? Há outras datas menos importantes para o nosso povo que, no entanto, estão registradas com clareza, não deixando margem para dúvidas. Há uma razão para tal. Ao omitir a verdadeira data de Shavuot, D'us ensina que a Torá está acima do tempo e do espaço. Por ser uma obra Divina, é válida para qualquer época e qualquer lugar. Não é limitada a uma estação do ano nem a um lugar específico.

O fato de estarmos no século XXI e vivermos longe da Terra de Israel não nos impede de continuar ligados à santidade da Torá e de seus mandamentos. Nosso povo sobreviveu a destruições, perseguições, pogroms e, sobretudo, ao Holocausto, em nossos dias. Passou 2 mil anos na Galut e sem o Templo Sagrado, mas jamais se afastou de D´us e de Sua sagrada Torá.

A Torá e sua proximidade com o homem

O Talmud menciona as medidas exatas das Tábuas da Lei. Ao contrário do que se pensa, eram de formato quadrado, não retangular. Tinham, segundo uma medida da época, 6 punhos de cumprimento e 6 punhos de largura.

O Midrash utiliza uma figura de linguagem antropomórfica, atribuindo características físicas a D'us quando descreve o momento em que o Todo Poderoso entregou as Tábuas com os Dez Mandamentos a Moisés. Segundo esse Midrash, as "Mãos" de D'us ocupavam um espaço de 2 punhos das Tábuas e as mãos de Moisés outros 2. Restava, pois, uma distância de 2 punhos entre as "Mãos" de D'us e as de Moisés, já que as Tábuas mediam 6 punhos. Ou seja, apenas essa pequena distância "separava" o profeta do Todo Poderoso. Porém, antes de lhe entregar a Lei, D'us diz a Moshé que o povo pecara ao construir um bezerro de ouro. E, para mostrar Seu descontentamento com o Seu povo, D'us quis tomar de volta as Tábuas das mãos de Moshé Rabeinu. Mas este não cedeu, usando de toda a sua força para retê-las junto a si. E o conseguiu, como que "arrancando-as" das "Mãos" de D'us.

É muito intrigante esta imagem do Midrash - atribuindo dimensões físicas à Revelação Divina e descrevendo o que é quase um "duelo" entre um homem finito e o Criador Infinito. O Maharal de Praga explica que desta passagem tiram-se duas grandes lições. A primeira é que a Torá está muito próxima do homem. Está a nosso alcance, já que apenas 2 punhos se interpunham entre o Criador e Sua criatura. Conforme ensinamento dos Sábios, um espaço entre dois objetos com menos de 3 punhos é considerado "unido e fechado", pois, segundo as leis de medição referidas na Torá, uma distância menor que 3 punhos não é considerada um "vazio". Como entre D´us e Moshé havia meros 2 punhos, isso significa que não há distância entre nós e a Torá - que está muito próxima de nós, praticamente ao alcance de "nossas mãos".

Uma pergunta pode vir à mente: "Que ligação tenho eu com o Criador, o Todo Poderoso, Onipresente e Onipotente? Afinal, sou apenas uma criatura pequena e insignificante perante a imensidão do Macrocosmo. Quem sou eu para que D'us transmita Sua mensagem a mim?" Certamente, somos todos muito pequenos. Mas, nossa grandeza provém do fato de que D´us se aproximou de nós e nos entregou Seus ensinamentos. O Todo Poderoso não nos elevou até os Céus para nos dar Sua Torá; Ele próprio desceu sobre o Monte Sinai para se conectar a Seu povo. Neste imenso Universo, o ser humano é minúsculo, porém sua força e sua grandeza provêm do Altíssimo, que lhe delegou tudo isso.

A outra lição a se depreender dessa passagem é que é vontade do Todo Poderoso que o ser humano se esforce para conseguir o que necessita para si e que tome suas próprias decisões. Ao nos entregar a Torá, deu-nos, também, todas as "instruções" necessárias para podermos fazer as escolhas certas. No episódio do bezerro de ouro, D'us, em Sua infinita bondade, deu a Moshé Rabeinu a oportunidade de meditar e decidir sobre a melhor maneira de agir. O Altíssimo poderia ter "arrancado" as Tábuas das mãos de Moshé; isto é, anulando o pacto que firmou com o Povo Judeu por meio da Torá. Mas não o fez, para ensinar ao homem esta grande lição. A Torá contém a essência da Infinita Sabedoria Divina e foi confiada ao Povo de Israel. Façamos bom uso dessa dádiva, dedicando nosso precioso tempo a estudá-la e a deleitar-nos com seus ensinamentos.

Rabino Avraham Cohen é rabino da Sinagoga Beit Yaacov