Existe uma relação muito íntima entre o mês de Nissan e as mulheres. É o mês no qual comemoramos a festa de Pessach, que celebra a epopéia da saída dos judeus do Egito, e é um exemplo de fé e perseverança feminina.

O mandamento principal de Pessach é a proibição de consumir e possuir chametz, durante os oito dias da festa. Isto nos remete imediatamente à necessidade de remover de nossos lares tudo o que possa contê-lo. São as mulheres que geralmente executam esta importante tarefa e com grande empenho. Mas, não é sobre esta ligação que queremos discorrer. É sobre algo mais profundo, verdadeiramente fundamental.

Enquanto os judeus estavam no deserto, o Todo Poderoso ordenou a Moshé Rabenu para construir um Santuário, o Mishkan. Todos os judeus colaboraram, cada um de acordo com suas possibilidades e talentos. Alguns contribuíram com as matérias-primas e metais preciosos necessários à edificação, enquanto outros - sábios, artesãos e artistas - trabalharam na própria construção.

A Torá afirma que entre os itens doados havia grande número de jóias que as mulheres cederam espontaneamente e com alegria. Ao solicitar tal contribuição de suas esposas, os maridos acreditavam que elas recusariam, não querendo abrir mão de suas jóias. Baseavam-se, erroneamente, no que havia ocorrido durante o nefasto episódio do "Bezerro de Ouro". Os homens que orquestraram este pecado exigiram que as mulheres doassem seus ornamentos pessoais de ouro para fazer o bezerro. Mas elas se recusaram categoricamente, recusando-se a participar de um ato idólatra. Porém, quando o pedido foi feito visando a construção do Mishkan, um Santuário para o Todo Poderoso, elas o atenderam prontamente e com um júbilo genuíno.

Por terem demonstrado sua lealdade nessas duas ocasiões, D'us as recompensou com um dia de festividade especial, dedicado somente a elas: o dia de Rosh Chodesh, o início do mês. Consta no Código de Leis - Shulchan Aruch - que apenas às mulheres é facultado o costume de realizar trabalhos "pesados" no dia de Rosh Chodesh.( Este costume não foi aceito em todas as comunidades. Hoje em dia, as mulheres deixam de realizar alguns trabalhos considerados difíceis e pesados.)

Lembramos que a inauguração do Mishkan foi em Rosh Chodesh Nissan - no 1º dia do mês de Nissan. Por isso, originalmente, as mulheres não trabalhavam nessa data. Com o decorrer do tempo, o hábito se estendeu para todos os Rosh Chodesh do ano, ou seja, ao início de todos os meses do ano.

O otimismo das mulheres

Qual o significado de Rosh Chodesh e qual a profunda ligação que há entre este dia e o sexo feminino? Para o entendermos, é preciso aprofundar-nos no assunto e analisar um outro trecho da Torá.

Entre os diversos utensílios do Mishkan havia um objeto muito especial: o Kiyor, lavatório. Antes de qualquer serviço, os sacerdotes tinham obrigatoriamente que lavar as mãos e os pés, purificando-os. Conforme consta na Torá: "E ele (Bezalel) fez o Kiyor de cobre e sua base de cobre com os espelhos das mulheres que se reuniam na entrada da tenda de encontro".

Rashi, o comentarista clássico, enfatiza que enquanto estavam no Egito, as mulheres judias haviam usado esses espelhos para se embelezar. Inicialmente, Moshé Rabenu hesitou em os usar para a construção do Mishkan, alegando que eram um instrumento do Yetser Hará, a inclinação para o mal. Mas D'us interveio, ordenando a Moshé que os aceitasse, com as palavras: "Receba estes espelhos, pois são queridos e preciosos para Mim, mais de que qualquer outra coisa".

Por que aqueles espelhos seriam queridos e especiais para D'us? Rashi esclarece em seu comentário que foi graças a eles que as mulheres conseguiram conceber milhares de crianças, enquanto estavam no Egito. Durante a escravidão, os homens haviam perdido a esperança. Não mais desejavam viver com as esposas, nem com elas procriar. Mas as mulheres não se deram por vencidas. O Midrash relata, em Shir Hashirim, que elas iam ao campo e, após se embelezar diante de seus espelhos, conseguiam encantar os maridos, convencendo-os a trazerem filhos ao mundo. Se não fosse pelo empenho delas, canalizado, de certa forma, por intermédio de seus espelhos, não haveria continuidade para a Nação Judaica. Os espelhos representavam, portanto, esta continuidade. Por isso, D'us ordenou a Moshé que os aceitasse como contribuição feminina à edificação do Mishkan, tão queridos eram a Ele.

Foram também as mulheres judias que sempre demonstraram fé na redenção. Como vimos acima, mesmo quando tudo parecia sombrio, desesperador mesmo, quando nenhum futuro parecia existir, quando a crueldade da escravidão egípcia fazia com que seus maridos não vissem propósito algum em gerar e criar a sua descendência, foram elas que mantiveram acesa a luz da esperança. Enquanto eles, cansados e desanimados, estavam prestes a se render e a se resignar ao destino, elas continuaram a ter fé, acreditando que dias melhores estavam por vir.

Outra demonstração de sua perseverança e fé ocorreu durante a construção do Santuário. A ordem de erguê-lo foi dada após o pecado do "Bezerro de Ouro". Antes desse nefasto episódio, os judeus estavam em um nível espiritual tão elevado que não havia necessidade de se edificar um local especial para lá pairar a Presença Divina. Por essa razão, os homens não se "entusiasmaram" com sua construção, pois sabiam que, não tivessem eles pecado, não haveria necessidade da existência do Mishkan.

Pois, se analisarmos a fundo a questão, o Santuário é o símbolo da decadência espiritual dos judeus. Antes de sua edificação, todo o acampamento do Povo de Israel servia como Morada para a Presença Divina, não havia nenhuma diferença espiritual entre os judeus. Não havia necessidade de uma divisão entre as tendas dos Levitas, as de Israel e as Tendas Sagradas da Shechiná. Porém, após o pecado do "Bezerro de Ouro", a Shechiná não poderia mais pairar sobre todo o local ocupado pelos hebreus. Daí a necessidade de um Mishkan, um Santuário.

Foi, portanto, por acreditar que o Mishkan era, no fundo, símbolo de sua "decadência" espiritual, que os homens não se entusiasmaram em doar seu ouro para construí-lo. As mulheres, no entanto, como vimos acima, despojaram-se pronta e alegremente de suas jóias. Não queriam sucumbir ao desespero. Acreditaram no futuro e, mais uma vez, mantiveram acesa a chama da esperança.

Olhando para o futuro

A vontade de lutar e de olhar sempre à frente é uma característica feminina única. Demonstraram-no quando, no Egito, repetiram essa atitude no episódio do "Bezerro de Ouro" e, pela terceira vez, durante a construção do Mishkan.

O famoso episódio de Miriam, irmã de Moshé, é um exemplo desta particularidade que só as mulheres possuem e que nelas se destaca desde a infância. Durante a escravidão no Egito, o Faraó decretara que todos os varões judeus recém-nascidos fossem atirados ao Nilo. O Midrash conta que diante disso, Amram, pai de Moshé, líder de Israel, separou-se de sua esposa, afirmando que não havia mais motivo para trazer filhos ao mundo se estes iriam ser cruelmente afogados pelos egípcios. O ato de Amram é imediatamente seguido pelos demais homens de Israel. Miriam, a filha mais velha de Amram e Yocheved, na época com apenas 6 anos, ao ouvir a decisão do pai, intervém, dizendo: "Pai, seu decreto é mais severo do que o do Faraó. Ele só castigou os meninos, mas a sua decisão se estende sobre todas as crianças". E termina, profetizando-lhe que ele teria um filho que seria o futuro "salvador de Israel ". Convencido pelas palavras da filha, Amram volta para a esposa e seu exemplo é novamente seguido por todos.

Yocheved engravida e, como Miriam predissera, dá à luz a um menino, Moshé, que ilumina toda a casa com sua aura. Após três meses, ao saber que os egípcios procuravam seu filho varão, os pais, desesperados, colocam-no em uma cestinha e o deixam ao sabor da correnteza do Nilo. Amram, preocupado com a sorte de Moshé, questiona Miriam sobre a concretização de sua profecia. Ela, porém, não desiste. Cheia de esperança, vigia de longe o irmãozinho. Vê quando Batya, a filha do Faraó, chega ao rio e encontra a cesta com o pequeno Moisés. A princesa resolve adotar o menino e procura uma ama de leite para ele. Prontamente Miriam intervém, mais uma vez, e propõe à filha do Faraó chamar Yocheved. E graças a essa nova intervenção de Miriam, Moshé é amamentado por sua própria mãe - até o dia que é levado de volta ao palácio do Faraó, onde seria criado como príncipe do Egito.

Foi portanto, graças à perseverança, tenacidade e esperança de Miriam, uma menina ainda, que Moshé veio ao mundo e é salvo das águas para se transformar no maior profeta de todas as épocas.

Rosh Chodesh - a renovação

Pelo fato de possuir este espírito particular, somente as mulheres foram recompensadas com o dia festivo de Rosh Chodesh, que representa o renascimento e a renovação. "Hachodesh Hazé Lachem Rosh Chodashim" - Este mês (Nissan) será para vocês o começo de todos os meses".

O termo HaChodesh vem de HaChadash, que significa a renovação. A cada final de mês, o tamanho da Lua vai minguando e, seu brilho, enfraquecendo, dando a impressão de estar prestes a desaparecer. Porém, pouco a pouco, a Lua reaparece, com toda a sua claridade e todo o seu esplendor, e está pronta para mais um ciclo e mais um giro completo em torno da Terra.

Nosso povo está diretamente relacionado ao ciclo lunar, nele se fundamentando o calendário judaico. O povo de Israel apresenta as mesmas características que a Lua: quando parece que tudo está perdido e que a nossa existência está em extinção, esse é o momento em que Am Israel ressurge com toda a sua glória e sua plena magnitude. E esta força de renovação é personificada pelas mulheres de nosso povo. Por conseguinte, somente elas fizeram jus à celebração especial de Rosh Chodesh.