A gema correspondente ao mês de Kislêv, o nono mês, é a ametista, chamada “achlamá”, em hebraico. Achlamá vem da raiz etimológica hebraica “chalam”, que significa “saúde” (física e mental) e “cura” [vide Isaías 32:16].

Aliás, no mês de Kislêv – não por acaso –, lemos nas porções da Torá nove dos dez sonhos lá mencionados (Jacob, Labão, José, Faraó, os ministros, etc.). A palavra “sonho” - em hebraico “chalom” - provém da mesma raiz etimológica já mencionada. Tudo isso nos permite concluir que Kislêv também é um mês propício para a concretização dos sonhos.

Encontramos na Torá que antes de Yaacov deitar e sonhar sobre a famosa escada que atingia o céu, ele protegeu a sua cabeça (Gênese 28:11). A cabeça é a parte mais sensível do corpo, e a maior preocupação do homem é mantê-la saudável. Falando em nível do povo, também precisamos cuidar da nossa dor de cabeça.

Com relação à cabeça, a literatura talmúdica [Beit Hamidrash IV, Tossfot Menachot 37a] nos relata um interessante julgamento realizado na época do Rei Salomão. Um pai de família faleceu, deixando sua herança para sete filhos. Um deles possuía duas cabeças e achava que a herança deveria ser dividida em oito partes, cabendo-lhe duas porções. Os irmãos discordavam, achando que a herança deveria ser dividida em sete partes iguais.

O problema foi levado aos sábios, chegando até a Corte Suprema (Sanhedrin), que não soube como julgá-lo, recorrendo à ajuda do sábio rei Salomão. O rei aceitou o caso, pedindo que todos comparecessem ao seu palácio na manhã seguinte. À noite, o rei Salomão foi ao Templo rezar, quando lembrou ao Todo-Poderoso que ele não havia pedido nenhuma honra nem riqueza, apenas sabedoria. Como era de se esperar, este caso atraiu muitos curiosos. Pela manhã, o rei Salomão, inspirado pela sabedoria Divina, mandou trazer água fervente para despejar em uma das cabeças deste ser estranho, dizendo o seguinte: “Se as duas cabeças gritarem de dor, é apenas uma pessoa; se uma gritar e a outra não, são duas pessoas diferentes”. E assim foi feito. A água foi jogada em uma cabeça e logo as duas cabeças começaram a gritar de dor. Neste momento, o rei Salomão proclamou o veredito que era uma só pessoa e a herança deveria ser dividida em sete partes. Mais uma vez, esta decisão salomônica foi aclamada por todos.

Sem desconsiderar o conteúdo literal desta história, alguns também a interpretam de maneira figurativa. Após o reinado de Salomão, ocorreu a famosa cisão entre os Reinos de Israel e Judá. Já nos últimos anos de vida do rei Salomão havia discórdia entre as Tribos de Judá e Efraim. A situação chegou a tal ponto, que alguns temiam uma divisão categórica, gerando dois povos com duas cabeças. O rei, preocupado com esta desavença que poderia levar a uma divisão concreta do povo, resolve testar se as divergências são apenas superficiais ou profundas (dois povos com duas cabeças). E a melhor forma de saber isso é ver se ambos sentem dor e aflição pelas mesmas mágoas - a mesma dor pela água fervente.

Hoje, muito se comenta sobre as divergências dentro do povo judeu. Fala-se em ortodoxos e ultra-ortodoxos de um lado e liberais e ultra-liberais do outro. Também na Terra Santa existem profundas diferenças entre a direita e a esquerda e os extremos de ambos os lados. Alguns, precipitados, falam de uma ruptura definitiva. Outros nos assediam falando repetidamente em divisão do povo de Israel. Muitos temem ver dois povos com duas cabeças.

O julgamento salomônico relatado acima nos permite checar se esta dor de cabeça são apenas divergências superficiais ou se estamos à beira de um cisma perigoso. A realidade nos mostra que todas as correntes do judaísmo sentem uma profunda dor quando somos afligidos por sofrimentos materiais ou espirituais. Todos os irmãos choram e gritam quando vêem as cenas chocantes dos últimos atentados terroristas em Israel. Assim também, na esfera espiritual, as águas ferventes da assimilação causam dor a todos nós, inclusive aos familiares atingidos.

A água fervente do rei Salomão corresponde hoje à praga que mais nos atinge: a assimilação, que nos dá tanta dor de cabeça.

As estatísticas apresentam dados alarmantes: o número de judeus está diminuindo e a população judaica está envelhecendo. Algumas comunidades totalmente seculares apresentam uma taxa de 72% de assimilação. Outras, mais felizes, possuem um mínimo de 53%. A continuar desta forma, em quinze anos a população judaica diminuirá drasticamente. Todos esses números nos deixam perplexos e preocupados, com uma enorme enxaqueca.

Este fenômeno é a água fervente que fere as nossas famílias. Este fogo estranho consome os melhores jovens dos nossos efetivos. O salmista as chama de “águas traiçoeiras que atingem a nossa alma” (Salmos 124:5). Quem não sente mais dor por este fenômeno está realmente se excluindo da comunidade, já que não sente mais o fervor do líquido que queima.

Todavia, como mencionado anteriormente, todos nós, sem exceção, sentimos uma profunda dor quando tais fatos ocorrem ou chegam aos nossos ouvidos. Sem dúvida nenhuma, as divergências entre os vários segmentos do povo de Israel são apenas superficiais. As diferenças não estão enraizadas profundamente, já que todos sentimos a mesma dor pelas adversidades que recaem sobre nós. Afinal, cada judeu possui dentro de si a chama eterna, a faísca Divina. Todo e qualquer judeu, sem exceção, desde o mais justo ao mais perverso, do mais erudito ao mais ignorante, fala em sua prece matinal “Ó, meu D’us, a alma que me deste é pura”. Esta faísca Divina é o denominador comum que assegura sermos um só povo. Temos que nos concentrar naquilo que nos une, naquilo que temos em comum, e não enfatizar constantemente as diferenças que nos separam.

E a dor de cabeça? Como combatê-la? Água fervente tem que ser esfriada com água fria e pura. O Tanach, bem como os sábios do Talmud, compara a Torá com a água pura e límpida, líquido vital para a sobrevivência do homem. Assim, também, a Torá e seus ensinamentos são imprescindíveis para a sobrevivência do povo judeu. O antídoto para as águas ferventes e assimiladoras é espalhar o máximo possível os ensinamentos da Torá – a fonte das águas saudáveis. Principalmente na nossa época, quando a procura é grande e existe uma ânsia manifesta da alma judaica pela sua Fonte – D’us. Como diz o salmista: “Minha alma tem sede de Ti, minha carne anseia por Ti” (63:2).

Do mesmo modo que a escuridão não se dissipa com uma vassoura, mas com a luz, também as águas quentes devem ser substituídas pela água límpida e pura da Torá e das Mitsvot. Citando o profeta Isaías: “Todos que têm sede procurem água” (Isaías 55:1).

Apesar das divergências aparentes, o veredito salomônico é bem claro: somos apenas um povo, ligados somente a um D’us. A saga do povo judeu demonstra que ele não é regido pelas leis da natureza nem é sujeito às estatísticas pelo fato de ele ter a habilidade inerente de apagar as águas ferventes estando ligado à fonte milenar, que é o judaísmo.

Neste mês de Kislêv, propício para a saúde e cura, vamos tratar de diminuir a nossa dor de cabeça e demonstrar que somos um povo com apenas uma cabeça.

O tefilin que colocamos na cabeça é feito de quatro pergaminhos colocados em quatro compartimentos separados. O tefilin da mão, por sua vez, tem apenas um pergaminho com um compartimento. Analogamente, existem diferenças filosóficas e ideológicas entre nós, porém, na ação - e principalmente nas boas ações - somos um povo unido e amalgamado.

E já que o mês é propício para sonhos, que essa união possa apressar o sonho da Redenção, conforme diz o Salmista: “Quando o Senhor retornar os cativos de Sion nós seremos como sonhadores” (126:1).