O Pirkei Avot, livro sagrado de sabedoria e ética judaicas, ensina que o mundo se mantém sobre três pilares: Torá, Avodá – o serviço Divino – e Guemilut Chassadim – atos de bondade (Pirkei Avot 1:2).

Esse ensinamento é um dos temas principais de Rosh Hashaná. Nas orações que recitamos nos dois dias do Ano Novo Judaico, proclamamos que os caminhos para se evitar os decretos Celestiais negativos e atrair os positivos são os da Teshuvá (arrependimento), Tefilá (oração) e Tzedacá (caridade). Estes são sinônimos de Torá, Avodá e Guemilut Chassadim.

Teshuvá é sinônimo de Torá, pois o que é a Teshuvá? Éo retorno a D’us por meio do cumprimento de Sua Vontade, a dizer, a Torá. Ensina-nos o Pirkei Avot que um dos pilares do Universo é a Torá e seu estudo, que nos leva à Teshuvá – ao cumprimento de seus mandamentos.

Tefilá ou oração é outro nome para Avodá – o serviço Divino. Como ensina o Talmud, a oração é o serviço do coração. Na ausência do Templo Sagrado de Jerusalém, as preces tomaram o lugar dos serviços que lá eram realizados, particularmente os sacrifícios. O Profeta Hoshea (Oseias) declarou: “… e (D’us) aceita o pronunciamento de nossos lábios em substituição à oferenda de novilhos” (Capítulo 14:3), revelando que as palavras podem ocupar o lugar dos sacrifícios. De fato, o Talmud nos indica que, “Aquele que ora na Casa de orações é como se trouxesse uma oferenda ao Templo”.

Tzedacá, palavra frequentemente traduzida como caridade, é um sinônimo de Guemilut Chassadim – a prática de atos de bondade. Em geral, o ato mais simples de caridade é dar dinheiro aos necessitados. No entanto, a prática de Guemilut Chassadim é um mandamento mais abrangente do que a Tzedacá, pois se podem realizar atos de bondade com qualquer pessoa, e não apenas com os pobres, e há várias maneiras de fazê-lo: visitando doentes, convidando alguém para vir à sua casa, oferecendo bons conselhos e ajudando a erguer a moral de quem está desanimado. Já a Tzedacá limita-se, em geral, à assistência financeira.

Teshuvá (Torá), Tefilá (Avodá) e Tzedacá (Guemilut Chassadim) são os pilares do Universo e do judaísmo. Assumem particular importância nos dias em que o Todo Poderoso decide se os pilares do mundo são fortes o bastante para sustentá-lo por mais um ano. Pois, apesar de Rosh Hashaná ser uma data festiva – dois dias nos quais usamos nossas melhores roupas e fazemos refeições suntuosas – é também uma época de Julgamento Divino. Nessa data, o Rei do Universo julga e decide se renovará Seu contrato com o mundo. No Ano Novo judaico, a Corte Celestial julga se o Universo merece viver por mais um ano. Se o mundo continuará a existir, não depende dos caprichos da Corte Celestial, mas do próprio mundo – depende da firmeza de seus pilares. Se nós, o Povo Judeu, pudermos demonstrar a D’us que esses três pilares estão realmente firmes – que fizemos nosso melhor para fortalecê-los – poderemos sair vitoriosos em Rosh Hashaná: poderemos garantir ao mundo não apenas mais um ano de existência, mas um ano de paz e fartura. Por outro lado, se negligenciarmos esses três pilares – se permitirmos que se enfraqueçam as fundações do mundo – tornar-se-á mais difícil merecer bênçãos Divinas. O destino do mundo – não apenas dos judeus, mas de toda a humanidade – apoia-se nos ombros de cada um de nós, judeus.

O conceito dos três pilares do Universo é relevante não só em Rosh Hashaná, mas no dia-a-dia da vida judaica. Ao se dedicar à Torá, Avodá e Guemilut Chassadim, o judeu desempenha os três papeis que tem que cumprir para viver como ser humano verdadeiramente espiritual e justo: o papel de um Chacham, um Sábio; de um Navi, um Profeta; e de um Cohen, um Sacerdote.

Torá e Teshuvá

A Torá é a Palavra de D’us. É um livro de leis e reconta importantes eventos na História Judaica antiga. No entanto, não se trata de um livro de História, e sim, de um trabalho de Autoria Divina e Sabedoria Divina. A palavra “Torá” deriva de Hora’á, que significa ensinamento. Cada mandamento e cada história da Torá contêm muitas lições relevantes à vida de cada um de nós, judeus. Quando estudamos a Torá, não devemos apenas assimilar informações e aprender as Leis Divinas. Devemos também tirar lições sobre a melhor forma de viver a vida. Um dos principais propósitos do estudo da Torá é a aquisição de sabedoria.

A sabedoria trata do aqui e agora – o mundo real, empírico, de todo dia. A Torá ensina que D’us criou o Universo com Sua Sabedoria e que, portanto, Ele o preencheu com leis científicas e morais. Assim como existe a lei da gravidade – e pobre daquele que a ignorar – há também certas leis morais no Universo que nenhum indivíduo em sã consciência deve violar. Aqueles que as mantêm, florescem; aqueles que as ignoram, fracassam. Ser sábio significa estar em sintonia com as leis morais do Universo. Ser sábio não significa ser instruído. Ser instruído significa possuir grande cabedal de informações, ao passo que ser sábio é saber viver a vida da melhor maneira possível. Uma pessoa com muitas informações pode ser tola, enquanto que uma pessoa não tão informada pode ser sábia.

Esperamos que, estudando a Torá, os judeus se tornem não só um repositório de conhecimentos, mas também uma fonte de sabedoria. A Torá deve ajudar-nos a fazer uma avaliação mais realista do momento presente para que possamos tomar decisões prudentes acerca do futuro.

Praticar sabedoria não significa absorver muitas informações ou raciocinar rápida e profundamente. Significa aprender a fazer melhores escolhas na vida. Como ensina o Talmud, sábio é aquele que pode prever as consequências de seus atos.

Os seres humanos que vivem uma vida despida de sabedoria, mesmo se inteligentes e instruídos, em geral tomam decisões que lhes podem ser altamente prejudiciais. Líderes que agem sem sabedoria podem causar muito sofrimento e destruição a si próprios e ao povo que têm sob sua responsabilidade. A Torá é a forma pela qual D’us compartilha Sua Sabedoria conosco: é o local propício para a realização da sabedoria. Portanto, não surpreende o fato de que quando muitos de nossos grandes líderes se viam diante de grandes dilemas, consultassem a Torá. Isso foi muito comum com o Rei David – o maior e mais exitoso de todos os reis judeus.

Diz-se que quando um judeu ora, ele fala com D’us, e quando estuda a Torá, D’us a ele se dirige. Quando nos dedicamos a estudar a Torá, D’us fala conosco. Qual deveria ser nossa resposta? A Teshuvá,que, em hebraico, quer dizer “resposta”. A Torá e a Teshuvá se entrelaçam. Torá não só significa Hora’á, “ensinamento”, mas também Or, “luz”. O Talmud se refere à Torá como Oraita – “luz”. Teshuvá significa “resposta” e, também, “retornar” (Shuva): retornar a D’us, à Sua Torá e à nossa própria essência. O conceito de Teshuvá é nossa resposta ao chamado Divino. Dia após dia, Ele faz a cada um de nós a mesma pergunta que fez a Adão após este ter comido o fruto proibido: “Onde estás?”. Essa pergunta é especialmente pertinente em Rosh Hashaná, quando cada indivíduo tem de prestar contas à Corte Celestial. A única resposta adequada, a Teshuvá de todo judeu, deve ser que ele está continuamente buscando retornar à Origem de Tudo e à Sua Sabedoria, que Ele transmitiu a nós.

Tzedacá e Guemilut Chassadim

Por mais fundamental que a Torá possa ser para o mundo, é apenas um de seus três pilares. Ainda há outros dois. Isso significa que o judeu não pode ser um justo se tudo o que ele possui é sabedoria. Pois a sabedoria, ainda que seja adquirida por meio do estudo da Torá, que é Divina, não se traduz, necessariamente, em retidão de caráter. A pessoa pode ser dona de grande sabedoria e não a pôr em prática, ou o que é pior, usá-la para propósitos malignos. O judaísmo não faz segredos sobre o fato de que, em nossa história, muitos eruditos em Torá eram seres humanos maus e cruéis. A pessoa pode ser sábia e vil. Infelizmente, de tempos em tempos, lemos histórias sobre rabinos e eruditos religiosos, em Israel e na Diáspora, que se envolvem em atos desonestos e imorais. Isso leva as pessoas a se perguntarem: “Para que serve o estudo da Torá se não previne esse tipo de comportamento? ”. A resposta é que o homem pode ser sábio, um grande conhecedor da Sabedoria Divina, e, ainda assim, agir de forma desprezível. Pode-se estudar a Torá todos os dias, dia e noite; pode-se conhecer o Talmud de cor e entender profundamente o Zohar – e, ainda assim, comportar-se como um ser humano imoral e malvado. Pode-se partilhar da Sabedoria do Divino por razões egoístas e nunca atender honestamente ao chamado da Teshuvá. Assim como o mundo não se sustém sobre apenas um pilar – a Torá – o ser humano não pode viver uma vida de integridade e retidão se tudo o que possui é sabedoria – ainda que Divina.

Portanto, cabe aos judeus não apenas se empenharem em adquirir sabedoria por meio do estudo da Torá, mas também procurarem viver como profetas, ainda que não o sejam e que provavelmente nunca venham a sê-lo. Diferentemente da sabedoria, que quase todos os seres humanos podem adquirir, quase ninguém pode tornar-se profeta. Trata-se de uma dádiva dos Céus, que muito poucos recebem. Contudo qualquer judeu pode emular os profetas.

Os profetas não foram meramente homens e mulheres que receberam mensagens Divinas e as transmitiram ao povo. Eram visionários que desafiavam os demais. Incomodavam os complacentes. Estavam prontos a repreender a quem quer que fosse – sábios, outros profetas, sacerdotes e até os reis. Um profeta repreendia o povo por suas fraquezas morais. Na maioria das vezes, eles falavam sobre a moral, não sobre sabedoria. Falavam sobre justiça social – sobre a necessidade de se ter piedade e compaixão pelos demais. Os temas principais dos profetas eram a Tzedacá e Guemilut Chassadim. Seu papel era fortalecer esses pilares do Universo. Raramente falavam sobre o cumprimento dos mandamentos diários. Falavam, sim, sobre as falhas do homem perante seus semelhantes. Sua principal tarefa era ensinar os princípios da retidão moral. Quando viam as pessoas agindo de forma complacente e insensível, alertavam: “Continuem a se comportar dessa forma e provocarão a ruína. Lembrem-se: a vida é como uma roda. Hoje, podem estar em cima, amanhã podem estar em baixo”. No entanto, os profetas não alertavam apenas sobre as catástrofes que se avizinhavam. Eram também a voz do consolo. Quando os demais choravam, eles os consolavam. Onde os demais viam apenas destruição e desespero, os profetas viam o renascimento e a glória.

As palavras cruciais para os profetas eram Tzedek e Mishpat – justiça social e legal – Chessed e Rachamim – bondade e misericórdia. Preocupavam-se intensamente sobre a maneira como honrar os seres humanos e sobre o relacionamento entre os homens e D’us. Falavam a verdade aos poderosos – sábios e reis – e também aos mandatários religiosos. Ensinavam que não podemos amar a D’us e a Sua Torá e odiar os seres humanos. Eles não se cansavam de repetir que era hipocrisia e futilidade oferecer sacrifícios no Templo enquanto se oprimia os demais. “D’us não atenderá tuas preces se não atenderes o grito dos que te cercam”, ensinavam. “Os pobres clamam e não ouves; chegará o dia em que tu clamarás e D’us não te ouvirá”. O profeta é a voz de D’us nos conclamando ao trabalho de redenção e fazendo da sociedade um lugar de justiça, de graça, de misericórdia e de generosidade.

O Talmud ensina que ainda que não sejamos profetas, somos todos descendentes de profetas, devendo agir de acordo com essa ascendência. Devemos fortalecer o pilar de Guemilut Chassadim copiando os profetas, envolvendo-nos em atos de bondade, realizando Tzedacá na medida de nossas possibilidades e estimulando os demais a também fazerem-no. Devemos combater a complacência e a arrogância – dentro de nós e entre os outros – mas devemos também animar os que estão oprimidos: devemos consolar e fortalecer os desesperados. Ao praticar a justiça e a retidão moral, podemos evitar que a sabedoria que adquirimos com o estudo da Torá seja mal direcionada e mal empregada.

Vemos, com frequência, judeus que estudam muito a Torá e são extremamente cuidadosos no cumprimento dos mandamentos Divinos referentes ao homem e a D’us – eles estudam e oram durante horas, conhecem de cor o Código de Leis Judaicas, o Shulchan Aruch, e são impecáveis no serviço a D’us. Mas, ainda assim, podem ser insensíveis e cruéis, injustos e arrogantes. Podem ter adquirido muita sabedoria, podem servir a D’us como se fossem o próprio Cohen Gadol – o Sumo Sacerdote – mas negligenciam a voz da profecia, que se recusa a silenciar. Ao fazê-lo – ao buscar a sabedoria e negligenciar a retidão – eles desonram o judaísmo, cometendo o maior dos pecados: Chilul Hashem – a profanação do Nome de D’us. Sobre essas pessoas, ensinam nossos Sábios: “Seria melhor se nunca tivessem nascido”. Se a pessoa ignora o pilar de Guemilut Chassadim – vivendo uma vida despida de retidão moral, de bondade e de generosidade – talvez fosse melhor que ignorasse também os dois outros pilares e não desonrasse o D’us de Israel, a Torá de Israel e o Povo de Israel.

Tefilá e Avodá

Assim como nem todos podem ser profetas, tampouco todos podem ser um Cohen – um sacerdote. Apenas os descendentes de Aharon, irmão de Moshé e primeiro Cohen Gadol, do sexo masculino, podem ser um Cohen. Contudo, assim como todos nós, judeus, devemos emular os profetas ainda que provavelmente jamais nos tornemos profetas, devemos também emular os sacerdotes, apesar de que apenas um Cohen possa ser um deles.

Na época do Mishkan – o Tabernáculo – e, mais tarde, do Beit HaMikdash, o Templo Sagrado de Jerusalém, os sacerdotes personificavam um dos pilares do Universo: Avodá – o serviço Divino. Enquanto a grande maioria do Povo Judeu dedicava a maior parte de seu tempo e empenho a assuntos mundanos, os sacerdotes (os Cohanim) realizavam a Avodá – o serviço Divino – dentro e fora do Templo Sagrado. Os Cohanim eram responsáveis pelos trabalhos do Templo e por realizar vários rituais e ritos religiosos.

No entanto, após a destruição do Segundo Templo Sagrado – uma crise praticamente sem precedente na História Judaica – os Sábios democratizaram o serviço do sacerdócio. Destituído de Templo e de sacrifícios, todo o sistema de Avodá se tornou parte da vida de todos os judeus. Ao orar, cada judeu se torna um sacerdote oferecendo um sacrifício e expiando por seus próprios pecados e pelos de seu povo. Cada sinagoga se tornou um fragmento do Templo Sagrado de Jerusalém. Assim, após a queda do Templo, os judeus realizaram a visão da Torá de se tornarem um “reino de sacerdotes e uma nação santa”. Um não-Cohen não se tornou um Cohen, mas muitas das responsabilidades que jaziam sobre os ombros dos Cohanim na época do Templo Sagrado hoje repousam nos ombros de cada um de nós, judeus.

O mundo do sacerdote era diferente do mundo do sábio e do profeta. Seu mundo era um lugar estruturado e ordenado, de harmonia e plenitude. Para o sacerdote, existe uma ecologia biológica e também moral no mundo. O que ele entendia, devido à natureza de seu trabalho Divino, era que assim como o Universo tem uma estrutura física e biológica básicas, também tem uma estrutura moral básica criada pela Palavra e Vontade de D’us. Quando obedecemos às ordens Divinas, alinhamo-nos com essa estrutura, e o resultado são bênçãos. Por outro lado, quando desobedecemos às Suas ordens, o resultado é o oposto.

Para o sábio, a principal virtude é a sabedoria – Torá (Teshuvá). Para o profeta, é a justiça e a compaixão – Guemilut Chassadim (Tzedacá). Para o sacerdote, é obediência e serviço: Avodá (Tefilá). Pois está escrito: “E Aharon e seus filhos fizeram todas as coisas que o Eterno ordenara por meio de Moshé” (Levítico 8: 36). Para o sacerdote, precisamos fazer tudo o que D’us nos mandou fazer exatamente como Ele ordenou. Para o sacerdote, vivemos para executar a Vontade de D’us. Quando a vontade do homem coincide com a Vontade Divina, a ordem está salvaguardada contra a onipresente ameaça do caos.

A palavra-chave da ética sacerdotal não é “sabedoria”, como é para o sábio, nem “retidão moral”, como para o profeta. Mas, sim, “sagrado”, e seu texto principal é o capítulo 19 do terceiro livro da Torá, Levítico.

Esse capítulo ordena que amemos nosso próximo e o estrangeiro, que não guardemos ódio em nosso coração e que não nos vinguemos. Ordena-nos, também, não semear os campos com diferentes sementes, nem usar roupa misturada de linho e lã; não comer frutos de uma árvore em seus primeiros três anos e não cortar o cabelo na lateral da cabeça. As leis encontradas nesse capítulo de Levítico podem parecer aleatórias, sem nada em comum entre si. Isto porque a maioria de nós não entende o significado da santidade. Santidade não significa algo valorizado ou excepcional. Significa honrar a ordem Divina na criação, quer se refira à vida vegetal ou animal, ou às relações entre seres humanos.

Para o sacerdote, a vida moral não é determinada apenas pela sabedoria (o Sábio) ou por empatia (o Profeta), mas também por honrar as distinções que D’us nos ensinou a ver na estrutura da realidade. Por exemplo, há o leite – símbolo da vida – e a carne – símbolo da morte – e os dois não podem ser comidos junto. Há a vida vegetal e a vida animal – e nós não devemos usar um artigo de vestimenta que contenha linho e lã. Isto é ontologia sagrada e cria uma ética da santidade: “Sê sagrado, porque Eu, o Senhor, teu D’us, sou Sagrado”. Hoje já não existe o Templo Sagrado e são poucas as diferenças entre os mandamentos religiosos que cabem aos sacerdotes, os Cohanim, e ao restante do Povo Judeu. Isso significa que até a construção do Terceiro Templo Sagrado, o serviço Divino, a Avodá, é de responsabilidade de cada um de nós, judeus. Cada judeu deve viver como se fosse um sacerdote, entendendo que o judaísmo não reside apenas em sabedoria e bondade, mas também em santidade. O judaísmo não se manifesta apenas em quanto de Torá a pessoa estuda e quantos atos de bondade realiza, mas se manifesta também no cumprimento dos mandamentos de D’us. Já não temos um Templo Sagrado em Jerusalém, mas há sinagogas praticamente em toda parte. Sempre que possível – e não apenas em Rosh Hashaná e Yom Kipur – devemos empenhar-nos em ir ao Mikdash Me’at – o pequeno Templo – a sinagoga, e realizar nossa própria Avodá – nosso serviço Divino por meio da Tefilá – o serviço do coração. Ensinam-nos nossos Sábios que um judeu que, pela manhã, ao acordar, faz Netilat Yadaim (o ritual de lavar as mãos), coloca os Tefilin e recita as orações matinais, é comparável a um Cohen que oferece um sacrifício no Templo.

Aquele de nós que cumpre meticulosamente os mandamentos de D’us, vive como um Cohen. Aquele que diariamente invoca a D’us em suas orações, que diferencia entre o sagrado e o profano e que cumpre os mandamentos da Torá, tanto os positivos quanto os negativos, torna-se um servo de D’us, porque vive sua vida de acordo à Vontade Divina.

Como um sacerdote, esse judeu entende que a santidade não está apenas nas grandes ações, mas também nos pequenos detalhes. As ações diárias do ser humano têm enorme importância. Colocar Tefilin e orar são ações do serviço Divino de importância inestimável. Os inúmeros detalhes que regem a Lei Judaica – como rezar, como comer, como conduzir os negócios, como se relacionar e falar com os demais – permitem que um judeu viva em um plano mais elevado, como se fora um sacerdote que servisse em Jerusalém, na Casa de D’us. Como ensinou, certa vez, o Rabi Meir de Premishlan, grande mestre chassídico: “Aquele que está conectado Acima não cai abaixo”.

A abordagem tríplice à vida judaica

Assim como a existência do mundo se sustenta em seus três pilares – Torá, Avodá e Guemilut Chassadim, também os judeus devem viver uma vida baseada em Teshuvá, Tefilá e Tzedacá – não apenas em Rosh Hashaná, Yom Kipur e nos dias entre essas duas festividades. Em todos os dias de sua vida, um judeu deve empenhar-se em ser sábio, profeta e sacerdote.

Não basta que o judeu viva como um profeta – fazendo atos de bondade e lutando pela justiça. O judeu que assim age é um bom ser humano – como qualquer outro, independentemente de nacionalidade ou religião, que realiza atos de bondade – mas ele não é, necessariamente, um bom judeu. Bondade e generosidade não são domínio exclusivo do judaísmo. Além disso, buscar a justiça e a generosidade destituídas de sabedoria pode levar a erros tolos e graves. Muitas revoluções, inclusive a que levou ao socialismo, na Rússia, começaram com boas intenções, mas resultaram em injustiças, sofrimento e morte de milhões. O inferno está, de fato, cheio de pessoas com boas intenções. Na vida, não basta ser bom. É preciso, também, ser sábio. Por outro lado, um sábio que seja cruel, injusto ou insensível, profana sua sabedoria. A sabedoria deve levar à bondade e esta deve seguir o caminho da sabedoria. Portanto, até o mais generoso dos judeus deve dedicar parte de seu tempo a estudar a sabedoria Divina – estudar o que significa ser judeu, estudar o judaísmo, aprender sobre D’us e sobre o que Ele espera de cada um de nós.

Além de adquirir sabedoria e conhecimento e praticar a bondade e a justiça, o judeu deve também realizar atos de santidade. Estudar a Torá e realizar muita Guemilut Chassadim não substituem a colocação de Tefilin ou o cumprimento dos outros mandamentos da Torá. Ser uma nação de sacerdotes e um povo santificado significa viver de acordo com as Leis de D’us: fazendo o que Ele nos pede e não fazendo o que Ele nos proibiu de fazer. O judaísmo nos ensina que o bem e o mal são fatos objetivos, não normas de nossa própria imaginação. É D’us, não o homem, quem determina o que é certo e o que é errado, próprio e impróprio, sagrado e profano.

Há uma ética de santidade no mundo de D’us e esta consiste em fazer distinções, manter as fronteiras, honrar a ordem e restaurá-la quando for violada. Há boas ações e más ações; mitzvot e pecados. Até o estudo da Torá e a Tzedacá não conseguem ofuscar essa realidade.

O judeu que é generoso e justo e que frequenta aulas de Torá na sinagoga, mas ignora os demais mandamentos do judaísmo, não está alcançando seu potencial completo. Dois dos três pilares de sua vida podem ser fortes, mas se um faltar, seu judaísmo está carente. Evidentemente, todos nós temos nossos pontos fortes e fracos. Para algumas pessoas, mesmo dois pilares são mais fáceis de atingir do que um terceiro. Contudo, todos nós devemos empenhar-nos em fortalecer todos os três pilares em nossa vida pessoal, que, por sua vez, irão fortalecer os pilares do mundo.

O mês de Elul e os Dez Dias de Arrependimento

No início de Elul, o mês que precede Rosh Hashaná, todo judeu deve fazer um Cheshbon HaNefesh: uma avaliação espiritual do ano que transcorreu. Muitas pessoas se concentram em pormenores – pequenos incidentes que ocorreram ao longo do ano – e não avaliam a sua vida como um todo. Muitos também fazem o erro de se comparar a outros, e dependendo contra quem eles se comparam, podem sentir-se complacentes ou desanimados. Conduzir um verdadeiro Cheshbon HaNefesh significa fazer uma auto-avaliação honesta, de acordo com seu potencial. Considerando minha capacidade intelectual e o tempo disponível, estudei Torá e adquiri tanto de sabedoria quanto poderia ter feito? Considerando meus recursos financeiros e minha influência, fui generoso e justo como podia ter sido? Considerando meus conhecimentos sobre o judaísmo, cumpri seus mandamentos da melhor forma possível?

Todos os judeus devem fazer-se essas perguntas, especialmente no mês de Elul e durante o período de Julgamento Divino, que se inicia em Rosh Hashaná e termina em Hoshaná Rabá. Independentemente de suas respostas a tais perguntas, todos devem decidir ter um melhor desempenho no próximo ano, pois em se tratando de sabedoria, bondade e santidade, sempre podemos e devemos melhorar.

Em Rosh Hashaná, D’us conclama todos os judeus à sinagoga para prestar contas do ano que termina. O destino do mundo depende de cada um de nós. Devemos, cada um de nós, aproximar-nos de D’us, em Rosh Hashaná, com um relatório positivo, dizendo que no ano que findou esforçamo-nos para fortalecer os três pilares do Universo, e que, portanto, nós, o Povo Judeu, e o mundo inteiro, merecemos não somente um outro ano de vida, mas que seja um ano de paz e plenitude. Mas isso ainda não é suficiente. Devemos também assumir a responsabilidade de que no ano que se inicia em Rosh Hashaná desempenharemos nossa missão no mundo com mais força e afinco do que em anos passados.

Bibliografia
Rabbi Sacks, Jonathan, Leviticus:The Book
of Holiness (Covenant & Conversation 3)
– The Toby Press

 

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