Rabi Yossef Hayim de Bagdá foi o lider espiritual do judaísmo oriental, tornando-se conhecido por sua mais famosa obra, denominada Ben Ish Hai. Seu profundo conhecimento tanto da Halachá como da Cabalá, assim como sua obra escrita, transformaram-no em um dos maiores mestres do judaísmo das últimas gerações.

A comunidade judaica da Antiga Babilônia, atual Iraque, remonta à época do Primeiro Templo e, provavelmente, é a mais antiga da diáspora. A queda do Primeiro Templo, no ano 422 antes da era comum, e o exílio do povo judeu para a Babilônia transformaram esta região em um dos grandes centros do judaísmo fora da Terra de Israel. Durante o período do Segundo Templo, o número de judeus na Babilônia era semelhante ao da Terra de Israel.

Desde a época talmúdica, Bagdá era considerada uma cidade de sábios e eruditos que influenciaram as comunidades judaicas no exílio. Era um centro de estudos judaicos importante, o lugar no qual o Talmud Babilônico fora compilado. Durante séculos os chefes das ieshivot da Babilônia - também chamados gueonim - foram considerados os líderes espirituais do mundo judaico. A partir do século XI, no entanto, Bagdá, perde seu papel de principal centro judaico sendo substituída por outros núcleos na França, Alemanha e Síria (especialmente em Alepo).

Foi somente no ano de 1743, quando o Rabino Tzadka Hutzin, um dos mais importantes líderes reli-giosos de Alepo, instalou-se em Bagdá, que a cidade renasceu como centro de estudos de Torá. Com sua morte, em 1773, foi sucedido pelo Rabino Tzahal Matalia e, em seguida, pelo Rabino Moshe Hayim, avô do rabi Yossef Hayim. Tamanha era sua influência, que Moshe Hayim passou a ser conhecido simplesmente como al-Hacham, o sábio. Após sua morte foi sucedido por seu filho, Hacham Eliyahu Hayim.

Durante anos, o Hacham Eliyahu Hayim não teve filhos, até que um dia Yaakov Abu-Azira (1807-1880), um grande rabino cabalista marroquino, escreveu-lhe uma carta na qual lhe revelava que, em breve, seria abençoado com um filho que iria iluminar o mundo judaico. Com efeito, Yossef Hayim nasceu em 1833, e seus dons fenomenais tornaram-se evidentes desde sua infância.

Aos quatro anos, ao ser inquirido pelo pai sobre as razões pelas quais D'us perguntara para Adão "Onde está você?" (Gênese 3:9), a criança respondeu que as letras em hebraico que representavam "onde está você" eram o acrônimo de "Eu sei todos os segredos", uma alusão - para Adão - de que D'us sabia exatamente o que havia ocorrido. Aos sete anos de idade, durante um passeio, Yossef Hayim caiu em um poço profundo e quase se afogou. Sua irmã mais velha obteve ajuda rapidamente e o menino foi salvo, assim como o Yossef (José) da história bíblica.

Sabedoria inata

Desde jovem, o Hacham Yossef Hayim, também conhecido como o Ben Ish Hai, passava grande parte do seu tempo na biblioteca de seu pai, dedicando-se com afinco aos estudos. Não tardou em se tornar a autoridade suprema reconhecida não apenas pelo judaísmo oriental.

Aos catorze anos, ao entrar no escritório do pai, o Rabino Eliyahu Hayim, encontrou uma carta escrita por rabinos de Jerusalém, contendo uma difícil pergunta sobre a Halachá.

O jovem entendeu o problema e imediatamente o respondeu. Ao receber a resposta, os rabinos concordaram com a solução apresentada. Alguns dias mais tarde, Eliyahu Hayim, não sabendo que o filho já havia mandado uma resposta, enviou para Jerusalém uma carta contendo as mesmas recomendações feitas pelo filho. Os rabinos de Jerusalém, ao receberem a segunda resposta, entenderam imediatamente o que havia ocorrido e ficaram admirados com o jovem. A fama do jovem Hacham Yossef Hayim, como também era chamado, começara, então, a se espalhar.

No dia 13 de Elul de 1859, uma semana após o falecimento de seu pai, o Hacham Yossef Hayim, com apenas 26 anos, foi nomeado Grão-Rabino de Bagdá, função que exerceu durante cinqüenta anos exatos, até o dia de sua morte, também 13 de Elul de 1909. Assim como seu pai, o Hacham Yossef só aceitou ocupar dentro da comunidade a posição oficial de darshan (orador), não participando publicamente das atividades comunitárias. Mesmo assim, era consultado por todos e nada acontecia dentro da comunidade sem seu consentimento. Sua palavra era considerada decisiva tanto entre os rabinos mais eruditos, como entre os judeus mais simples.

Da mesma forma que seu pai, optara por não aceitar remuneração pelos serviços que prestava à comunidade, sustentando a família graças à sua participação em um empreendimento comercial, junto com seus irmãos.

Apesar de ser tão respeitado e admirado, o Ben Ish Hai sempre foi muito humilde e sua porta sempre estava aberta aos que o procuravam. Muitos pediam uma berachá, um conselho, outros queriam tirar uma dúvida ou pedir que rezasse por um doente.

Sua autoridade no domínio da Halachá se impôs rapidamente, sendo consultado até mesmo por seu mestre, o Rabino Abdalla Somekh. Diante disso, não causava surpresa a frase sempre repetida pelo presidente do Beit Din (Tribunal Rabínico) de Bagdá, Rabino Yeheskel Halevi:

"Se o Rabino Yossef Hayim disser que a direita é a esquerda e que a esquerda é a direita, eu não o contestarei e aceitarei suas palavras como se tivessem sido ditas por Moisés, nosso Mestre, ele mesmo, no alto do Monte Sinai". Judeus de todo o Oriente Médio passaram a consultá-lo sobre a Halachá através de cartas. Muitas das suas respostas foram impressas em uma obra de quatro volumes, intitulada Rav Pe'alim.

Força da oratória

A partir de 1860, Ben Ish Hai passou a dar aulas diárias. Sua oratória era fenomenal e nunca repetia a mesma drashá (palestra). No shabat, multidões costumavam comparecer para ouvir suas palestras, incluindo autoridades rabínicas da cidade. Suas palavras conseguiam cativar durante três horas a atenção de homens, mulheres e crianças, que, em silêncio, o escutavam falar sobre os comentários bíblicos e tratados haláchicos.

Provavelmente entre as mais interessantes drashot daquele ano, estava a que proferira na manhã de Purim, explicando cada detalhe da meguilá assim como é descrito no Midrash e no Talmud. O Rabino Yossef Hayim provocava o riso entre o público, ao descrever como Haman se vendera como escravo para Mordechai, enquanto ele próprio permanecia terrivelmente sério. Os cabalistas de Bagdá puderam, então, perceber que o Ben Ish Hai estava em profunda meditação enquanto falava. Parte de suas palestras estão contidas na obra Aderet Eliyahu.

A partir de 1870, passou a abordar em suas palestras de shabat temas sobre a Halachá e estas serviram de base para uma de suas mais famosas obras - o Ben Ish Hai, conhecida e estudada em todo o mundo judaico - e também para seu complemento, Od Yossef Hai. O Rabino Yossef Hayim deixou uma determinação por escrito para que as interpretacões cabalísticas mais profundas desta obra não fossem traduzidas.

Sua obra escrita

O Hacham Yossef Hayim passava a maior parte de seu tempo envolvido nos estudos. Além de ter sido um exímio orador, foi um escritor prolífero. Possuía uma fenomenal habilidade para codificar e sintetizar até os mais difíceis assuntos da Torá. Grande parte de seu tempo foi dedicada ao desenvolvimento de uma síntese sobre os aspectos cabalísticos e haláchicos da Torá.

O Ben Ish Hai tinha o dom de cativar a atenção e transmitir seus ensinamentos. Uma de suas mais famosas obras, As Leis das Mulheres, foi escrita em árabe bagdadii, incluindo anedotas para despertar a atenção dos leitores, apesar de abordar temas delicados ligados à Halachá. Escreveu mais duas obras neste estilo: Mashal Venimshal e o Imrei Biná, ambas contendo histórias, anedotas e ensinamentos variados.

O Ben Ish Hai publicou no total 24 obras, algumas de quatro ou cinco volumes cada. Os trabalhos publicados, porém, representam uma pequena parte dos seus escritos. Os rabinos de Bagdá sabiam da existência de oitenta manuscritos. No entanto, seu neto, o Hacham David Hayim, não conseguiu levar grande parte dos mesmos quando deixou o Iraque.

Ben Ish Hai e a Terra de Israel

Como seu pai, o Hacham Yossef Hayim amava a Terra de Israel. Possuía uma casa em Jerusalém e lá imprimia a maior parte de suas obras, para gerar empregos na cidade. Seu apoio, juntamente com o Rabino Nissim Nahum, foi de extrema importância para convencer o filantropo Yossef Avraham Shalom a financiar a construção dos prédios das ieshivot Porat Yossef e Oz veHadar, em Jerusalém.

O Ben Ish Hai viajava freqüentemente à Terra de Israel. Em uma destas viagens, no ano de 1896, acompanhado de vários outros rabinos, havia combinado com o guia árabe que a caravana não viajaria durante o shabat. Durante o percurso, o Hacham continuava sua rotina de estudos: levantava-se à meia-noite para recitar o Tikun Hazot, e estudava e rezava até o amanhecer.

No shabat, porém, o guia árabe não quis interromper a viagem e ameaçou deixar o grupo no meio do deserto. O Ben Ish Hai não capitulou e junto com os outros começou os preparativos para o shabat. No meio da noite, bandidos circundaram o acampamento. O chefe do bando foi diretamente até a tenda do Hacham. Mas, ao vê-lo imerso em seus estudos, algo aconteceu e ele virou as costas, indo embora. O guia que havia parado a uma pequena distância, ao ver o que acontecera, correu para desculpar-se, prometendo seguir tudo que o Ben Ish Hai desejasse.

Em 1909, seis meses antes de seu falecimento, foi-lhe oferecido o posto de Rishon LeZion e Hacham Bashi sobre todas as comunidades sefaraditas na Terra de Israel, mas o sábio recusou a oferta.

Faleceu no dia 13 de Elul de 1907. Foi o maior funeral pós-talmúdico já realizado em Bagdá e o Beit Din (Tribunal Rabínico) determinou que nenhum judeu trabalharia durante os sete dias de luto. O Rabino Yaakov Katzin conta, em seu livro Peri Etz Hagan, a seguinte história sobre o falecimento do grande sábio:

"Na noite de Elul 5669/1909, em Jerusalém, o Rabino Avraham Ades adormeceu enquanto estudava a Torá e teve uma visão: viu o falecido rabi Avraham Laniado vestido de branco. O Rabino Ades perguntou-lhe para onde se dirigia e Rabino Laniado respondeu que o Rabino Yossef Hayim, de Bagdá, o Ben Ish Hai, havia morrido e que estava indo buscá-lo para enterrá-lo em Jerusalém. O Rabino Ades viu, então, uma multidão acompanhando o enterro, ao qual compareceram todas as autoridades de Jerusalém. Os rabinos fizeram, então, discursos carregados de emoção... Quando acordou, o Rabino Ades se informou do estado de saúde de Ben Ish Hai, mas ninguém soube lhe responder com precisão. Algumas horas mais tarde, chegava um telegrama de Bagdá com a triste notícia do falecimento de Hacham Yossef Hayim. O Rabino Ades contou, então, o seu sonho e, conforme suas palavras, as maiores autoridades de Jerusalém se juntaram para chorar a morte de Ben Ish Hai".

Bibliografia:
Artigo de autoria do grão-rabino Ovadia Yossef Shlita.
IF I Forget Thee - The Ben Ish Hai Anthology - Yeshivat Ahavat Shalom Publications, Jerusalém 5758/1998