“Sinceramente, eu trabalhei e me esforcei muito. Não me ocupei com mais nada e fiquei sem dormir, num estado de torpor por muitos anos, até cumprir o meu objetivo”.

A declaração acima poderia, perfeitamente, ser atribuída ao autor. O professor Arnaldo Niskier não descansou, viajou, pesquisou, colou pedacinhos de um mosaico intrincado e de muitas cores que, aos poucos, foi revelando uma história cheia de sabedoria e dedicação. A afirmativa em destaque pertence a Shabettai ben Meir HaCohen, o Shabse ou Shach, um grande reformador do Talmud, que viveu apenas 42 anos (1621-1663), mas é considerado um dos maiores sábios judeus de todos os tempos. Niskier dedicou-se a pesquisar a vida e a obra desse seu antepassado ilustre que, na época em que viveu, foi chamado de Anjo de Deus e Luz do Povo. É ele o autor dos célebres Lamentos, construídos de forma poética e nos quais protesta contra o modo desumano com que os judeus eram tratados, na ocasião, pelos bárbaros cossacos. É a primeira vez que se tem conhecimento, em língua portuguesa, do teor desse dramático texto. Niskier relata sua emoção, ao encontrar, em Amsterdã, o texto do Shach:

Num pequeno livro de capa dura marrom, a Meguilat Eifo, na íntegra, preciosa, em 64 páginas, com todo o texto do Shach em hebraico antigo. Era o tesouro que buscava há mais de um ano. A impressão foi feita em Lodz, no ano de 1715.

(...) pude finalmente alcançar, nas palavras do meu antepassado, toda a dor provocada pelas ações criminosas dos cossacos.

Vejamos um trecho da narrativa poética e dramática dos Lamentos:

Vocês sabem, se já não ouviram que o povo de Hashem (D’us) de justo é chamado e suas palavras são temidas, dispersos, Nos quatro cantos da Terra separados e espalhados em todos os lugares em que as palavras do Rei
Hashem, o Todo-Poderoso, e Sua lei alcançam um grande luto se apossou dos judeus.

Jejuns, lamúrias e lamentos tornaram-se públicos grandes e honrados vestiram-se com sacos e jogaram terra sobre suas cabeças oficiais, condes e líderes
Sobre a Casa de Israel e sobre o povo de Hashem.

Mortos pela espada, atingidos por decretos e perseguições através das mãos de gentios impuros, vilões, amaldiçoados e malvados mataram milhares e centenas de milhares de pios, puros e justos.

Tiraram todos os rolos da Torá antigos e também os novos rasgaram-nos em pedaços e os espezinharam com os pés de humanos, animais, cavalos e cavaleiros”.

Persistindo na busca pelos detalhes da trajetória de sua família, Arnaldo Niskier viajou para Holanda, Romênia, Estados Unidos, Itália, Israel, Portugal, Alemanha, França e Canadá, sempre colhendo pelo caminho mais uma pedrinha que se encaixava no mosaico iniciado.

“O meu último gesto em Dachau foi apanhar no chão uma pedrinha redonda, que guardo comigo, certamente pisada por milhares de vítimas inocentes da Guerra, como a significar que ela ajudará a construir, com outras pedras, o edifício de uma consciência humana que impeça a repetição de tragédias como o Holocausto”.

Na mistura das famílias Ha Cohen ou Hakohen, Rapaport ou Rappoport, Topel ou Topol, onde se inclui o ator do célebre filme O violinista no telhado, foi possível traçar a linha de ascendentes da família de Arnaldo Niskier: seu pai, Mordko Majer Niskier, era filho de Rifka Rapaport Topel e seus bisavós eram os primos Chaim Nuchym Topol e Chana Rachel Rapaport, descendentes do Shach.

Conta Niskier que Shach foi um pensador independente para a época, que não se importava de desagradar predecessores ou contemporâneos, desde que ele tivesse o pleno convencimento de que respeitava a lógica do Talmud. Tinha uma extraordinária memória, segundo dados da época, e habilidades intelectuais incomuns, além de a ele serem atribuídos poderes sobrenaturais, que utilizava para o bem da sua comunidade, que deveria viver de acordo com a Torá, onde se encontra toda a doutrina judaica. Infelizmente, todos os seus originais foram queimados com a invasão nazista da II Guerra Mundial, restando apenas alguns raríssimos livros de sua autoria.

Como Povo do Livro, é natural que a educação ocupe um papel fundamental na vida judaica, desde os seus primórdios, juntamente com o amor à tradição. O rabino Sérgio Margulies, em recente comemoração do Shabat, destacou dois pontos:

• Devemos transformar nossos lares em santuários de amor e devoção;

• Que as luzes das nossas velas sagradas iluminem, no mundo, os caminhos da Liberdade, da Justiça e da Paz.

A educação, especialidade do autor, sobressai em seus estudos, tendo por base os fundamentos judaicos:

Estudar, para os judeus, é mais importante do que rezar. Aprender a Torá é o que há de mais valioso. Nesse momento, o judeu encontra-se mais perto de D’us. O Talmud estabelece que uma sinagoga pode ser vendida se o dinheiro for necessário para construir uma escola. Se você reza em demasia é sinal de que está cuidando de si próprio. O que nós devemos fazer é crescer além de nós mesmos por intermédio do estudo.

Influenciado pela importância dada pelo Shach à educação, o autor nos ensina:
Como educar? Com muito amor. Sem amor, a educação é, no melhor dos casos, incompleta e, no pior, destrutiva. E desde cedo as crianças devem ser familiarizadas com D’us, para que tomem gosto intelectual pelas questões espirituais.

Para os sábios, palavras que vêm do coração penetram no coração. As palavras de Niskier, a sua dedicação na busca – a mais fiel possível – de fatos e informações que comprovassem a sua ascendência do Shach, trazem até nós a importância e a atualidade de seus ensinamentos.

É importante ressaltar a perspicácia da relação estabelecida entre o estudo dos antepassados, a modernidade e a tecnologia, onde a internet se destaca.

As 87 ilustrações – desenhos e fotos – enriquecem, documentam e emolduram os textos, onde a história renasce através dos exemplos, da convicção, da correção dos atos, no caminho da justiça e na busca incessante pela honradez e pela paz.

Anita Novinsky, especialista em História do Brasil-Inquisição e Cristãos-Novos, ressalta que:

“Querendo salientar o significado das leis do Judaísmo, Arnaldo Niskier volta-se para a sabedoria de seus antepassados, para os quais o estudo e o aprendizado eram uma tradição e a verdadeira obediência a Deus. Mostra-nos também que a força que fez sobreviver os judeus aos horrores dos pogroms, dos quais o próprio Shach foi vítima, lhes adveio do estudo e da fé.”

Arnaldo Niskier é doutor em Educação e membro da Academia Brasileira de Letras. Ocupou, duas vezes, a Secretaria de Estado; a primeira, na Secretaria de Ciência e Tecnologia (do então Estado da Guanabara), e a segunda, na Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Rio de Janeiro. É autor de inúmeras obras que têm a Educação como tema, dedicando-se, também, à Literatura Infantil e Juvenil.

O livro Shach – As lições de um sábio – Um ensaio sobre os valores judaicos é dedicado ao seu tio Moisés Niskier, médico e estudioso da história judaica, que com seu exemplo de líder comunitário serviu de motivação para a realização da obra.


por Arnaldo Niskier