Cabalista dos maiores de todos os tempos, foi o primeiro a sistematizar o estudo do misticismo judaico.

Pouco se sabe sobre a vida de Rabi Moshe Cordovero, conhecido pelo acrônimo de "O Ramak", mas conhecemos sua obra, com a qual tocou e iluminou a vida de milhares de judeus. Tão respeitado foi por seu trabalho, que foi o primeiro cabalista a ter o destaque de ser distinguido entre os demais, com o uso do artigo "o" antes de suas iniciais. É conhecido, até hoje, como "O Ramak".

Acredita-se que Rabi Cordovero tenha nascido no ano de 1522 EC (5282 do calendário judaico), provavelmente em Safed, Israel, onde passou a maior parte de sua curta vida. Seu sobrenome indica as origens ibéricas de sua família, possivelmente oriunda de Córdoba, expulsa da Espanha em 1492.

Abençoado com uma inteligência impar, Rabi Moshe Cordovero era respeitado desde jovem por seus dons intelectuais e seu profundo conhecimento do Talmud e de várias correntes filosóficas. Estudou os ensinamentos revelados da Torá com Rabi Yosef Caro, autor do Shulchan Aruch, Código de Lei Judaica. O mestre elogiava muito o brilhantismo e o vasto conhecimento do jovem aluno.

O Ramak iniciou sua missão espiritual dando aulas sobre o Talmud e a Lei Judaica. Apesar da pouca idade, foi um dos quatro rabinos a receber a semichá, ordenação rabínica, quando, em 1538, o Rabi Yaacov Beirav a reinstituiu após ter sido suspensa por mais de onze séculos. Rabi Cordovero foi ordenado juntamente com os Rabanim Yossef Caro, seu mestre, Moshe de Trani e Yossef Sagis, todos muito mais velhos e mais renomados que o jovem prodígio de 18 anos.

Até completar 20 anos, Rabi Cordovero não adentrara os mistérios da Cabalá. Na introdução de sua obra, Pardêss Rimonim, (Pomar de Romãs), revela que foi nessa idade que ouviu uma voz celestial lhe ordenar que estudasse a Cabalá com o Rabi Shlomo Alkabetz, seu cunhado. Famoso cabalista, Rabi Alkabetz escreveu Lechá Dodi, o cântico entoado, às sextas-feiras, ao se receber o Shabat e que o compara à alegria da chegada de uma noiva. Após receber a ordem de estudar o misticismo judaico, o Ramak imergiu, nas profundezas do Zohar, obra fundamental da Cabalá, escrita por Rabi Shimon bar Yochai, pai do misticismo judaico. (Morashá 44)

Rabi Cordovero domina prontamente o Livro do Esplendor, o Zohar. Percebeu, porém, que o sagrado texto era propositalmente inacessível - fora escrito de forma ambígua, sem uma estrutura clara. Empreende, então, a audaz tarefa de sistematizar esses ensinamentos. Com apenas 27 anos de idade, completou a obra Pardêss Rimonim, onde sistematiza todas as correntes do pensamento místico. Sua obra mais extensa sobre o Zohar, porém, foi Or Yakar (A Luz Preciosa), um trabalho de 16 volumes. Apesar de ter passado muitos anos escrevendo A Luz Preciosa, a obra só foi levada a público 400 anos depois, em 1962, com o início de sua publicação.

O Ramak se tornou conhecido por outros dois livros: Tomer Devorá (A Palmeira de Débora) e Or Ne'erav (Doce Luz). No primeiro, utiliza os conceitos das Sefirot para ensinar um sistema de moral e ética. Escrita em linguagem relativamente simples, a obra é uma introdução à Cabalá, que ensina de que maneira o homem pode emular os atributos de D'us. O segundo livro, Or Ne'erav, reitera a importância do estudo da Cabalá e apresenta uma introdução a seus métodos. Contudo, faz uma clara advertência: não se deve estudá-la antes de dominar o Tanach, a Bíblia judaica, a Mishná e a Guemará, partes componentes do Talmud.

No ano de 1550, Rabi Cordovero fundou, em Safed, uma Academia de Cabalá, que dirigiu durante 20 anos, até seu falecimento. Entre seus discípulos contavam-se grandes sábios: o Rabi Eliyahu di Vidas, autor de Reshit Chochmá (Princípio da Sabedoria); Rabi Chaim Vital, responsável por registrar e disseminar os ensinamentos de Rabi Isaac Luria, o Arizal, um dos maiores cabalistas da História Judaica; Rabi Eliezer Azikri, autor de Sefer Haredim; e Rabi Yeshayahu Horowitz, o Shelach, que escreveu a famosa obra Shnei Luchot HaBrit, As Duas Tábuas da Lei.

Safed se tornou centro do estudo da Cabalá e, até hoje, a cidade é considerada um dos locais mais espiritualizados da sagrada Terra de Israel. O Ramak e os outros cabalistas viviam conforme os ensinamentos do Zohar e para apressar a Redenção Messiânica impunham-se um banimento, como forma de se engajar. Deixavam seu lar e passavam longas horas nos campos, entre meditação e oração, visitando também os túmulos de Sábios do Talmud. Acreditavam que, como a Shechiná, a Presença Divina, fora exilada com a destruição do Templo de Jerusalém, somente se poderia adquirir uma profunda compreensão da Torá mediante o "exílio", o auto-isolamento. As sessões de estudos realizadas por Rabi Cordovero e seus discípulos foram coletadas num volume chamado "Sefer Guerushin", Livro dos Banimentos.

Os Ensinamentos de Rabi Cordovero

Conta-se que o Profeta Eliyahu, que, na tradição judaica visita grandes sábios para lhes transmitir mensagens Divinas, revelou-se diante de Rabi Moshé Cordovero.

Foi na obra Pomar de Romãs que o Ramak sintetizou ensinamentos cabalísticos transmitidos, durante gerações, pelos mestres a seus discípulos. O livro é um resumo e um desenvolvimento das diferentes tendências nos ensinamentos da Cabalá, até a sua época. Com extraordinária habilidade, consegue explicar, delinear e conciliar ensinamentos aparentemente contraditórios. Esclarece também perguntas nunca dantes respondidas sobre os mistérios do Universo criado por D'us. Ao resolver aparentes contradições entre as diferentes correntes místicas, compatibilizando os ensinamentos do Zohar com os das antigas escolas cabalistas, Rabi Cordovero demonstra a unicidade e a consistência da base filosófica da Cabalá.

O Ramak abordou praticamente toda a literatura cabalística, cobrindo desde o Sefer Yetzirá - considerada a obra inicial, cujos ensinamentos foram transmitidos por D'us para o patriarca Abraão - até o Zohar, de Rabi Shimon bar Yochai. Baseando-se num dos mais importantes textos cabalísticos, o Tikunei Zohar, Rabi Cordovero elabora sobre ensinamentos da Torá e ensina vários conceitos cabalísticos.

Afirma o Ramak que D'us não pode ser definido, e os conceitos de tempo, espaço e dimensão não se aplicam ao Infinito Criador. Adverte, também, que se deve tomar cuidado com o uso de antropomorfismos, "atributos humanos", que nós, seres humanos, costumamos atribuir a D'us, como tentativa de mais facilmente entendê-Lo. Escreve Rabi Cordovero: "Se fores iluminado, saberás que o Divino é desprovido de categorias corpóreas, pois que estas jamais poderão ser aplicadas a D'us " (em Or Ne'erav).

Sobre a iminência de D'us ensina que o Eterno permeia toda a Sua criação, pois é Ele quem tudo cria e tudo mantém. O Eterno é a 'Causa das causas', pois é Ele que define os parâmetros da criação e existência. Mesmo que todo o Universo deixasse de existir, ensina o Ramak, D'us continuaria a existir, pois Sua existência é absoluta e necessária. D'us é transcendente, pois Ele é Infinito enquanto o universo é finito. A Presença Divina se encontra em tudo e todos, mas D´us é, ao mesmo tempo, diferente e independente de tudo que Ele criou.

Rabi Cordovero usa o termo Ein Sof (Sem Fim, Infinito) para se referir a D'us e nos ensina que a essência da Divindade é encontrada em "todas as coisas que existem, grandes e pequenas : só existem por meio da Divina Energia que flui para elas.... se o olhar de D'us se retirasse por um instante sequer, toda a existência se anularia..." (Or Yakar,15: 203a).

D'us, ensina Rabi Cordovero, somente se revela à Sua Criação através de Seus atos, utilizando as Dez Sefirot. Mas, alerta, Ele nunca revela sua Essência, que continua sendo mistério para o homem. As Sefirot, "canais" através dos quais a energia Divina flui e se torna parte de cada coisa que existe, são os instrumentos através dos quais o Eterno se manifesta no mundo. As Sefirot correspondem às Dez Afirmações por meio das quais o Criador realizou Sua obra.

O Ramak afirma, também, que o ser humano é um microcosmo de toda a Criação. Sua alma emana das Sefirot e contém estas Energias Divinas. Portanto, para canalizar as bênçãos de D'us para este nosso mundo físico, o homem precisa aproximar-se do Eterno - e o faz emulando Seus atributos. Por exemplo, quando alguém age com generosidade, faz com que a Sefirá de Chessed, da bondade, ilumine o mundo. E, ao estudar a Torá, faz com que Tiferet, a Sefirá da beleza, seja canalizada com mais força para o mundo terreno. O Ramak revela que os verdadeiros mekubalim (mestres da Cabalá) têm a possibilidade de conscientemente canalizar as bênçãos Divinas para o nosso mundo.

Seu legado e seu sucessor

A missão de Rabi Cordovero neste mundo chegou ao fim quando ele tinha apenas 48 anos. Pouco antes de seu falecimento, no ano de 1570, declarara: "Em breve deixarei este mundo. Porém, depois de minha partida, alguém me sucederá. A alma do meu sucessor é uma centelha da alma de Rabi Shimon Bar Yochai. Quem a ele se opuser, estará opondo-se à própria Shechiná, à Presença Divina".

Os alunos de Rabi Cordovero pediram para que revelasse o nome do sucessor, mas ele se recusou, afirmando: "Ele ainda não deseja que sua identidade seja revelada. Mas posso dizer-lhes que: será meu sucessor aquele que conseguir ver, no meu funeral, o pilar de fogo que conduzirá meu esquife". Na tradição judaica, o pilar de fogo sinaliza a passagem de alguém de extrema espiritualidade e mérito ao mundo das Almas.

Poucas semanas depois, no dia 23 de Tamuz, o Ramak partiu deste mundo, como anunciara. Todos os judeus de Safed presenciaram seu funeral. Muitos fizerem elogios fúnebres ao grande mestre, entre eles um jovem, Rabi Isaac Luria, que meses antes se estabelecera em Safed para estudar com Rabi Cordovero. Conhecido como o Arizal, Rabi Isaac Luria descreveu seu mestre como sendo um ser humano que nunca conheceu o pecado. Já o Rabi Yosef Caro, referiu-se ao discípulo dileto com as palavras: "Aqui se encontra a própria Arca da Torá".

Em meio a grandes lamentações, uma multidão acompanhava o corpo do grande Rabi Cordovero até o local de sua sepultura. Ao chegar a um determinado ponto, os que carregavam o corpo declararam: "Aqui será enterrado, ao lado de um dos maiores sábios do povo de Israel". Mas, Rabi Isaac Luria interveio: "Ele não pode ser enterrado aqui, pois o pilar de fogo que precede seu corpo continua seu caminho, adiante deste séqüito fúnebre. O fogo nos indicará o local exato onde o Ramak deseja ser enterrado". E assim descobriram, seus discípulos e toda a multidão presente, a identidade de seu novo líder espiritual.

O Talmud ensina que quando uma luz é retirada deste mundo, outra a substitui. No dia em que a alma do Ramak ascendeu aos Céus, seu aluno Rabi Isaac Luria o sucedeu. O Arizal viveu apenas dois anos mais que seu mestre, faleceu em 1572, aos 38 anos. Contudo, em tão curto período, conseguiu revolucionar o estudo da Cabalá, desenvolvendo os ensinamentos do mestre.

Após o falecimento de Rabi Cordovero, um de seus alunos, Rabi Chaim Vital, revelou que o mestre lhe aparecera num sonho. Rabi Vital perguntou-lhe se na Academia Celestial a Cabalá era estudada conforme os seus ensinamentos ou os do Arizal. O Ramak respondeu: "Ambos estão corretos. Mas os meus são mais simples e, portanto, mais apropriados para aqueles que se estão iniciando nos estudos cabalísticos. Os ensinamentos do Arizal, seu atual mestre, são mais profundos. Eu mesmo agora estudo conforme o sistema do grande Arizal!".

Mestre e discípulo abriram as portas da Cabalá para o povo judeu. Os sábios sefaraditas e os líderes chassídicos, estudiosos e divulgadores do misticismo judaico, basearam-se nos ricos ensinamentos do Ramak e do Arizal. Suas obras tornaram o estudo da Cabalá bem mais acessível a todos aqueles que desejam mergulhar nas profundezas do misticismo judaico.

Bibliografia

The Rishonim: Biographical Sketches of the Prominent Early Sages and Leaders, Artscroll.

Sepharadic Sages, An Educational Repository of Sepahradic Hakhamin

http://isfsp.org/sages/index.html

http://www.chabad.org/