Muitos entre os mestres Chassídicos tinham o poder de prever o futuro, mas nenhum teve igual visão ao Rabi Yaacov-Yitzhak Horowitz, o Chozé de Lublin.

Os primeiros Mestres Chassídicos eram todos homens de grandes poderes espirituais. Faziam milagres e curavam através de sua fé, além de possuir um “sexto sentido” – o Ruach HaKodesh – o Espírito Sagrado – uma pequena dádiva de profecia. Mas entre todos eles, há um que leva o aposto de Chozé, o Vidente. Muitos outros tinham o poderde prever o futuro, mas nenhum teve igual visão. Assim sendo, este aposto ficou sendo unicamente seu.

Conta-se que esse Mestre do Chassidismo podia prever não apenas o futuro, mas também ver o passado distante e o espaço sideral. Era comum vê-lo próximo à janela, absorto, observando o que se passava nos continentes distantes. Era voz corrente que quando olhava determinada pessoa, ele conseguia identificar quantas vezes a alma da pessoa tinha encarnado – como, quando e onde.

Em sua presença, a pessoa se sentia abalada e transformada. O que mais impressionava eram seus olhos –de tamanho diferente, e assumiam uma inquietante imobilidade quando ele se fixava em alguém. Os Chassidim estavam convencidos de que quando fitava alguém, estava buscando o mais profundo de sua alma.

Além de ser vidente, ele era um Rebe, um guia, um amigo, um confidente e fazia milagres. As pessoas vinham pedir-lhe bênçãos e milagres e não saíam de mãos vazias. Inúmeras lendas falam de seus poderes. Os pobres, os doentes e os desesperados o procuravam, implorando que ele intercedesse aos Céus em seu favor. Judeus e não judeus acorriam a ele em bando, como se ele fosse seu último recurso. Ele tinha a cura para todas as dores e solução para todos os males, do corpo e da vida.

Erudito e místico, ele continua sendo um dos pilares do Movimento Chassídico. Juntamente com outros dos primeiros Mestres, ele intensificou a centelha acesa pelo Baal Shem Tov deflagrando uma bela chama – que rasgou a escuridão, iluminando a vida de incontáveis judeus que, de outro modo, teriam sucumbido à melancolia e ao desespero. Vejamos agora a história de sua vida.

Seus primeiros anos

O RabiYaacov-Yitzhak Horowitz nasceu em 1745, em uma aldeia perto de Tarnigrod, na Polônia. Como o Baal Shem Tov, ele cresceu só. Talvez tenha sido sua infância solitária o que mais tarde o levaria a abraçar o recém-fundado e vibrante movimento chassídico, cuja mensagem central baseava-se no amor, júbilo e companheirismo. Ele chegou ao movimento na qualidade de aluno, mas logo se tornaria um de seus maiores mestres. Diferentemente da maioria dos demais Rebes, ele não fundou dinastia própria: seus discípulos se tornaram líderes por mérito próprio.

Sabemos que ele foi uma criança brilhante e extraordinária. Descobriu seu dom de visão quando ainda era muito jovem. Aquilo era, para ele, um estorvo, e pedia a D’us que o livrasse daquele dom. Mas suas preces não foram atendidas.

Desde a mais tenra idade, tinha uma ligação especial com o Divino. Com três anos, já sabia todas as orações do serviço matinal de cor. E como fizera o Baal Shem Tov, muitos anos antes, metia-se na floresta para buscar D’us e com Ele falar. Costumava fugir da escola, sendo sempre repreendido pelo professor. Um dia, o Melamed conseguiu segui-lo, sem que ele o visse, pela floresta, para descobrir o que aquela criança lá fazia, todos os dias. Para sua surpresa, ouviu o menino bradar: “Shemá Israel, Hashem é nosso D’us, Hashem é Um”. E, a partir daquele dia, nunca mais o repreendeu. Mas o pai do menino continuava intrigado com seu comportamento. “Por que você desperdiça seu tempo na floresta?”, perguntou ao filho. O garotinho de três anos lhe respondeu: “Estou procurando D’us”. “Mas D’us não está em todas as partes?”, disse-lhe o pai. “E não é Ele o mesmo em todas as partes?”. Ao que a criança retrucou: “Ele, sim, é. Mas eu não sou”.

Quando ele tinha 14 anos, Yaacov-Yitzhak foi para a Yeshivá. Estudava com um renomado Talmudista, o Rabi Moshe-Hersh Meisels, e, mais tarde com o celebrado Mestre do Chassidismo, o Rabi Shmuel (Shmelke) HaLevi de Nikolsburgo. Na Yeshivá de Rabi Shmelke, o regime era extremamente rigoroso – estudo e oração, com pouquíssimo tempo para o restante. Mas, o jovem Yaacov-Yitzhak tinha permissão de seguir seu próprio rumo. Livre das restrições impostas aos demais alunos, ele levava uma existência marginal: passava grande parte de seu tempo sozinho, orando e jejuando. Esforçava-se para purificar sua mente através da Devekut – a vinculação ao Divino. Apesar do esforço de Yaacov-Yitzhak de ocultar seus dotes e erudição, o Rabi Shmelke, ele próprio possuidor de poderes sobrenaturais, percebeu seu verdadeiro valor. Certa vez disse algo acerca desse discípulo que pouquíssimos podem dizer de seus Mestres: “Quando ele ora, até mesmo os anjos no Firmamento dizem Amén”.

Quando chegou a hora de Yaacov-Yitzhak se casar, seu avô e o Rebe Shmelke lhe encontraram uma esposa. A moça vinha de boa família. Mas, no dia do casamento, antes de se iniciar a cerimônia, Yaacov-Yitzhak, que nunca tinha visto a moça, pede ao avô que lhe mostre a futura esposa. Mandaram vir a noiva de seus aposentos. Quando Yaacov-Yitzhak levanta seu véu, ele começa a tremer. Ele vê algo de muito errado nela – algo que mais ninguém conseguia ver. E ele diz a seus pais: “Ela não é para mim. Vi seu rosto, o rosto de uma estranha”.

Mas, como não queria ofendê-la nem envergonhá-la, ele foi em frente com o casamento. Assim que a cerimônia terminou, ele fugiu, sem sequer se preocupar em esperar pelo dia seguinte. Mandaria o certificado de divórcio mais tarde. Simplesmente fugiu. Cansado e com fome, foi recolhido por alguns cocheiros que estavam a caminho de Mezeritch. Durante uma parada em uma estalagem, uma bela mulher tenta seduzi-lo. Dominado por violenta tentação, ele, no entanto, consegue resistir. Levanta-se e foge. E foge justamente para Mezeritch – e foi nesse vilarejo que sua vida toma um rumo extraordinário.

Como se faz um Mestre

Rabi Dov Ber de Mezeritch, conhecido como o Grande Maguid, sucedeu o Baal Shem Tov como o líder do Movimento Chassídico. O Maguid, um dos maiores eruditos e místicos da história judaica, foi o melhor aluno do Baal Shem Tov. Mas, diferentemente de seu Rebe, que foi um sonhador e revolucionário – o fundador de um movimento que mudou, para sempre, a face do judaísmo – o Maguid era um organizador e um estrategista – em outras palavras, um homem prático. Foi ele quem sistematizou e ensinou os ensinamentos do Mestre e quem, através de seus próprios discípulos, espalhou-os pela Europa Central e Oriental. O Grande Maguid foi “o Rebe dos Rebes”: os primeiros Mestres – fundadores das grandes Escolas do Chassidismo e suas dinastias – foram todos seus alunos. Os Tzadikim aproximavam-se do Maguid na qualidade de discípulos e o deixavam como Rebes.

Antes de Yaacov-Yitzhak chegar a Mezeritch, o Maguid disse a seus discípulos: “Virá visitar-nos um ser humano ímpar, sem semelhante na Terra desde os dias dos Profetas”. Quando o jovem chega à aldeia, o Maguid o recebe com grande carinho. “O outro lado – o impulso do mal – tentou apossar-se de você. Estou feliz de ver que você venceu!”

Yaacov-Yitzhak permaneceu em Mezeritch durante um tempo. Tão pobre era que nem podia comprar uma Chalá para o Shabat. Mas aquilo não o abatia. Estar próximo ao líder indiscutível do Movimento Chassídico, cujos poderes sobrenaturais apenas eram sobrepujados por seus dotes intelectuais, já lhe bastava. O Vidente diria, mais tarde, com natural orgulho, que fora o próprio Maguid quem o ordenara como Rebe.  Em Mezeritch, Rabi Yaacov-Yitzhak aprendeu os princípios do novo modus vivendi do Baal Shem Tov, baseado no amor ao homem e a D’us. E o aprendeu em primeira mão do Maguid, um mestre dos mestres – místico e fazedor de milagres – com poderes para canalizar seus dons espirituais latentes e o expor ainda mais aos reinos celestiais. O Vidente testemunharia posteriormente: “Certa vez ouvi o Maguid dizer ‘Ein k’Elo´henu – ‘Não há Outro como nosso D’us’”, a última prece do serviço religioso da manhã. Naquele mesmo instante, os céus se abriram e vi as palavras voando, vivas, diante de meus olhos: não meramente as ouvia – eu as via! Via que não há Outro como nosso D’us!”

Mas o Maguid não estava interessado em acumular seguidores; queria formar líderes que disseminassem o Chassidismo em toda a Europa. Assim sendo, seus alunos não permaneciam muito tempo em seu convívio. No momento certo, o Rabi Yaacov-Yitzhak deixa Mezeritch, tornando-se o “protegido” de um dos mais notáveis discípulos do Maguid – o Rabi Elimelech de Lizhensk. Nessa aldeia, cabia-lhe zelar pelos jovens estudiosos. Com o passar do tempo, graças a seu talento e poderes, ele se torna um Rebe por seus próprios méritos, começando a atrair adeptos e seguidores. Para não fazer sombra a seu Mestre, deixa Lizhensk. Primeiro vai para Lanzhut, depois para Rozvadov e, em 1784, finalmente se estabelece em Lublin. Daí, seu título: o Chozé de Lublin, em tradução, o Vidente de Lublin.

Lublin era uma cidade conhecida por seus eruditos, mas também por sua oposição ao Chassidismo. Apesar do antagonismo, o Vidente logo arrebatou toda a cidade para seu Movimento. Conta-se que ele reunia quatrocentos alunos e que a visão deles, nos Shabatot, vestidos de branco – cor que, segundo a Cabalá, simboliza a pureza – era como uma visão de um bando de anjos. Mas não foi apenas em Lublin que o movimento se difundiu. Através de seus discípulos, que serviam como seus emissários, o Rabi Yaacov-Yitzhak intensificou as chamas do Chassidismo até abarcar toda a comunidade judaica da Polônia. Até 1806, sua principal tarefa foi vencer a oposição e levar os rabinos do movimento às principais congregações do país. E ele conseguiu fazê-lo. Mas depois que Napoleão conquistou o país, intensificou-se a secularização dos judeus, que já vinha ocorrendo, há algum tempo. E o Vidente de Lublin não mediu esforços para conter esse avanço.

O Milagreiro de Lublin

O que se sabe sobre o Chozé de Lublin? Sabe-se que ele era uma figura imponente e que inspirava respeito. Alto, robusto, belo e carismático, ele irradiava beleza interior, sabedoria e autoridade. Havia uma aura de realeza em torno de sua figura. Reinava entre seus alunos não apenas como Rebe, mas como verdadeiro príncipe. Raramente comia em público, no entanto, servia pessoalmente suas melhores iguarias aos mendigos e miseráveis.

Era um homem melancólico, muito triste, às vezes. E por lutar, como muitos outros Mestres do Chassidismo, contra a melancolia, ele tentava “bani-la”, rotulando-a de “o maior dos pecados”. Um de seus primeiros Mestres, o Rebe Shmelke, testemunhando sua luta contra a tristeza, mandou-o estudar com o Rabi Zusia de Anipoli, irmão do Rabi Elimelech de Lizhensk. Junto envia uma recomendação: “Tente transmitir-lhe um pouco de alegria”.

Qual a razão para a melancolia? Talvez uma decorrência de seus poderes visionários. Ele via muita dor e muito sofrimento – individual e coletivo – no passado, no presente e no futuro. Muitas pessoas iam vê-lo para relatar suas misérias e ansiedades e implorar por bênçãos e milagres. Dia após dia, ele ouvia suas dores e infortúnios. E como os amava com sinceridade, partilhava de seu sofrimento e os assumia como seus próprios. Certa vez observou: “Estranho, as pessoas chegam tristes e saem felizes... e eu fico com minha tristeza, que arde como uma bola de fogo”.

Para combater a melancolia, ele, assim como o Baal Shem Tov antes dele, dava tremenda ênfase ao conceito da exuberância e da celebração. Ele ensinava aos seus seguidores: “Prefiro um judeu simples que ore com alegria a um sábio que estude com tristeza”. Certa vez, ele perguntou: “Você sabe qual o verdadeiro pecado de nossos antepassados, no deserto? Não foi seu comportamento rebelde, mas sua constante melancolia”.

Em sua batalha para vencer essa tristeza, ele chegou ao ponto de fazer companhia a um conhecido pecador que vivia em Lublin. Aos Chassidim, seus companheiros, que demonstravam surpresa com o livre acesso que esse mau-caráter tinha a ele, o Vidente explicava: “Gosto dele porque ele é alegre. Quando vocês cometem um pecado, imediatamente se arrependem e se entristecem pelo prazer sentido na hora de pecar. Ele, não. Sua alegria perdura – mesmo após ter pecado”.

À exemplo dos demais Mestres Chassídicos, ele defendia a paixão, a compaixão e o entusiasmo. Para ele, o fervor era supremo. “Prefiro um Mitnagued (oponente ao Movimento Chassídico) fervoroso a um Chassid indiferente”, costumava dizer. Pois os seus Mestres ensinavam que a ausência de fervor levava à indiferença e, daí, à resignação e à desesperança. E essas eram emoções que os judeus da Europa Oriental não podiam se permitir sentir. Tendo sofrido massacres e pogroms e vivendo empobreza e em medo constante, as centenas de comunidades judaicas se sentiam abandonadas pelos homens e por D’us. Parecia-lhes que apenas seus inimigos se lembravam de sua existência. Particularmente para os oprimidos, os ensinamentos do Chassidismo eram um chamado poderoso e irresistível.

O Vidente fazia eco dos ensinamentos do Baal Shem Tov: que D’us está presente em toda parte e que todos os homens podem falar com D’us sobre seus problemas cotidianos. O Chassidismo derrubou as muralhas que muitos acreditavam existir entre os homens e o Criador, ensinando aos judeus a se orgulharem de seu judaísmo e a voltarem a celebrar a vida. Em Lublin, os judeus de fato reaprenderam a sonhar.

Como o Baal Shem Tov, ele dava aos pobres e miseráveis aquilo que mais necessitavam: um senso de dignidade. Pessoas do povo vinham de longe para visitá-lo – para descarregar seus problemas, pedir uma bênção, pedir um milagre e vê-lo se realizar. Quando o Vidente entrava em sua vida, eles nunca mais eram os mesmos. Conhecê-lo, era uma experiência de vida. Era voz corrente que mesmo seus oponentes não resistiam a seu carisma, pois eles também ficavam enfeitiçados por seu encanto: aqueles que frequentavam a sua Seudat Shelishit, a terceira refeição do Shabat, sentavam à sua mesa como opositores e se levantavam como seus admiradores. Ao contrário de outros Mestres do Chassidismo, o Rebe Yaacov-Yitzhak não ocultava seus poderes sobrenaturais. Ele explicava por que os Tzadikim realizavam milagres: para inspirar respeito, para estimular a imaginação, para ajudar as criaturas a abrirem a sua alma a D’us. Com suas orações, explicava, o Tzadik revela a grandeza Divina. Os milagres foram feitos para estimular a fé do ser humano em D’us; para fazê-lo perceber que D’us ouve os homens. Ele usava seus poderes em prol dos demais – para curar, reconfortar, consolar e levantar o espírito daqueles que não se sentiam dignos da atenção Divina. Inúmeras pessoas, incluindo não judeus, iam a Lublin atrás de suas bênçãos e milagres. Um deles, o famoso Príncipe Adam Czartoryski, era calorosamente recebido pelo Vidente.

A despeito ou talvez justamente em virtude de sua grandeza, ele era um homem verdadeiramente humilde. Detestava a vaidade, arrogância e insensatez. Dizia: “Prefiro um homem mau que saiba que é mau do que um justo que saiba que é justo”.

Uma de suas histórias: Um dos maiores opositores dos Chassidim, em Lublin, o Rabi Azriel Hurwitz, apelidado de “mente de ferro”, disse certa vez ao Vidente: “Não entendo. Sou mais erudito do que você, mais culto, um estudioso da Torá mais conceituado do que você; mas, mesmo assim, as pessoas visitam-no, e não a mim. Por que razão?” Ao que o Vidente respondeu: “Você não entende por que as pessoas não veem se aconselhar com você; é justamente por isso que elas não veem. Eu não entendo por que elas veem me ver. É por isso que elas veem”. De outra feita, o mesmo Rabi Azriel o desafiou: “As pessoas o chamam de Tzadik, ao passo que nós dois sabemos que você não o é. Por que você não o admite publicamente? Se o fizer, as pessoas irão embora”. “Boa ideia”, disse o Vidente.

No Shabat seguinte, antes da leitura da Torá, o Chozépôs-se diante dacongregação e declarou: “Quero que saibam que eu não sou um Tzadik. Pelo contrário, sou um pecador. Não estudo suficientemente a Torá, não rezo o suficiente, não sirvo a D’us da forma como deveria. Portanto, deixem-me. Procurem outro Rebe – um mais digno de sua confiança”. A congregação ficou chocada. “Nosso Mestre é ainda mais digno do que pensávamos”, disseram. “Ele é o maior e mais digno de todos. Vejam quanta humildade...”.

Vendo o tiro sair pela culatra em seu plano mesquinho, o Rabi Azriel sugeriu, então, que o Vidente fizesse justamente o contrário: declarasse publicamente que ele era um verdadeiro Tzadik, para que as pessoas se ressentissem de sua vaidade e o abandonassem. Mas, dessa vez, o Chozéde Lublin se recusou. “Eu concordo com você que não sou um Tzadik – mas tampouco sou um mentiroso”.

Mas, admitindo ou não, ele era um verdadeiro Tzadik. Nem os Céus resistiam a ele – por essa razão conseguia realizar tantos milagres, revertendo decretos Divinos. E, na Terra, era amado e admirado por todos que o conheciam. Para os desesperados, ele representava sua última esperança. Para os discípulos, era o maior de todos os grandes Mestres. As centenas de alunos que orientou no caminho das Alturas espirituais eram ligados a ele por uma admiração apaixonada e intensa. Perguntaram a um deles, certa vez: “Já que vocês eram tantos e tão fortes, e tinham um Mestre com talento tão notável, por que não conseguiram fazer vir o Mashiach?” E o aluno respondeu, com toda a seriedade: “Sua pergunta é válida, mas, vivíamos em tal estado de êxtase, em Lublin, que praticamente não sentíamos as privações do exílio”.

Os discípulos não sentiam as privações do exílio, mas seu Mestre as sentia. Ele lutava as suas batalhas sozinho, guardando sua melancolia para si. Mas suas vitórias e poderes eram compartilhados com os demais. Até mesmo os outros Mestres Chassídicos, que poderiam ter-se sentido ofuscados por ele, demonstravam-lhe grande afeto. O Rabi Baruch de Metzibush, neto do Baal Shem Tov, recebeu-o certa vez num Shabat, em sua casa. O anfitrião lhe perguntou: “Dizem que você é Vidente. Diga-me, pois, onde estamos? O Chozélhe respondeu: “Vejo-nos na Terra Santa; estamos entrando em Jerusalém, estamos para atravessar o umbral do santuário”. Naquele instante, aquela mesma paisagem apareceu diante dos olhos deles dois.

Discípulo e colega de grandes Mestres, o Vidente também foi um formador deles. Seu aluno mais famoso, que tinha igual nome, Yaacov-Yitzhak, é conhecido na literatura chassídica como “o judeu sagrado de Peshischa”. Da mesma forma como o Vidente abandonou seu mestre, o Rabi Elimelech, para montar seu próprio tribunal rabínico, “o judeu sagrado de Peshischa” também cortou o coração de seu professor deixando-o e formando sua própria dinastia. Mas mestre e discípulo nunca deixaram de se amar. Antes de falecer, “o judeu sagrado de Peshischa” declarou: “Eu fiz a opção: era ele ou eu. Como minhas orações poderiam salvar apenas uma vida, preferi que fosse a dele, e não a minha”.

Quando o Vidente soube da morte de seu maior aluno, chorou e disse: “Ele será nosso emissário nos Céus para apressar a vinda do Mashiach”. Seus discípulos também choraram, e tanto que, de fato, o Mestre teve que consolá-los. “É verdade”, disse, “morreu um grande mestre. Mas, lembrem-se: D’us está vivo, portanto, não chorem”.

Conspiração para trazer o Mashiach

A alma do Chozéde Lublin estava interligada com a de dois outros Mestres chassídicos: Rabi Israel, Maguid de Koznitz, e Rabi Menachem Mendel de Riminov. Os três tinham sido alunos da Yeshivá de Rebe Shmelke. E os três se reuniram para tentar forçar D’us a trazer a redenção a nosso mundo. A história de sua conspiração mística para trazer o Mashiach está entre uma das mais belas do Chassidismo.

Na época, início do século 19, o mundo passava por grande tumulto: Napoleão chegara à Terra Santa, tinha invadido a Rússia e planejava dominar o mundo inteiro. Os três Rebes perceberam que se tratava do momento adequado para a chegada do Messias. Portanto, encontraram-se em segredo para coordenar atividades espirituais. O Vidente de Lublin viajava com frequência, sem que ninguém soubesse para onde se dirigia. Ele visitava Koznitz e Riminov. Os três acreditavam que juntando seus poderes espirituais, eles poderiam influenciar eventos e trazer a redenção ao mundo.

Certa vez, na noite de Yom Kipur, no momento do Kol Nidrei, o Maguid de Koznitz abriu a Arca Sagrada e exclamou: “Mestre do Universo, diga, por favor: ’Perdoei segundo tuas palavras‘. E envia-nos o Redentor. Se necessitas um Tzadik, o Rebe de Riminov o é. Se necessitas um Profeta, o Vidente de Lublin o é. Se necessitas um penitente, eu, Israel, filho de Sarah, proclamo aqui e agora, que estou disposto ao sacrifício em nome da comunidade de Israel”.

Mas, com exceção do Rebe de Riminov – que acreditava que se Napoleão vencesse, o Mashiach viria – nenhum dos outros dois deu ao Imperador francês apoio incondicional. Conta a lenda que Napoleão soube do ocorrido e foi clandestinamente negociar com o Maguid de Koznitz para conseguir seu apoio. Não obtendo sua bênção, ele perdeu a guerra. Outra lenda conta que um dos filhos do Vidente serviu no exército austríaco. Ele foi apresentado a Napoleão em uma parada militar e o Imperador lhe teria dito: “Diga a seu pai que eu não tenho medo dele”. Seu castigo por demonstrar tal insolência com o Chozé? A derrota de Waterloo.

Napoleão perdeu e o Mashiach não veio. Os três conspiradores, seguindo as súplicas do Vidente, decidiram que em Simchat Torá, naquele ano,eles fariam uma última tentativa de trazer o Redentor. Mas todos os três faleceram naquele ano. O Maguid de Koznitz morreu uma semana antes de Simchat Torá, na véspera de Sucot.

Quanto ao Vidente de Lublin, ele foi vítima da tragédia justo em Simchat Torá. Em meio às festividades, ele caiu da janela do segundo andar. Na literatura chassídica, este é um dos episódios mais misteriosos e é conhecido como a Grande Queda, especialmente porque a janela, segundo testemunhas, era muito estreita para que um homem da estatura e porte do Rebe pudesse cair por ela. Além disso, ficaram intactas umas garrafas vazias no parapeito da janela. Há quem explique que o Vidente jogava com forças ainda mais poderosas do que ele: ele teria tentado precipitar a salvação cósmica, desencadeando sua catástrofe pessoal. Ele não conseguiu se recuperar da queda, ficando de cama durante 44 semanas.

Os opositores acirrados do Movimento Chassídico ficaram felizes com seu acidente – o que foi uma vergonha, em todos os sentidos. O Vidente retrucou: “Eles são tontos de exagerarem. Posso lhes assegurar que quando eu morrer, não poderão beber para celebrar a ocasião – nem um copo d’água”. Com razão! Ele morreu em Tishá b’Av, nono dia do mês de Av, dia mais triste no calendário judaico e dia de jejum completo, quando os judeus não comem nem bebem – nem mesmo um copo d’água...

No dia de sua morte, 15 de julho de 1815, ele profetizou que dali a cem anos, pelo calendário hebraico, os russos perderiam seu domínio sobre a Polônia. No dia 20 de julho de 1915 – Tishá b’Av, 5675 – os austríacos conquistaram Lublin. A profecia do Vidente foi publicada nos jornais poloneses.

“Ele será nosso emissário nos Céus”

Quando o Vidente de Lublin deixou este mundo – na mesma data em que os dois Templos Sagrados de Jerusalém foram destruídos – todo o mundo Chassídico ficou de luto. O Rebe Naftali de Ropshitz declarou: “O santo Vidente está morto – e o mundo continua de pé? Como pode ser?”. O Rebe Moshe de Ujhely, o Yismach Moshe, disse: “Nosso Mestre possuía todas as qualidades e virtudes do Profeta Isaías – exceto que ele não habitava a Terra Santa”. Rabi Uri, conhecido como o Serafim de Strelisk, afirmou: “Lublin era a Terra Santa: o tribunal de nosso Mestre era Jerusalém; sua Casa de Estudo, o Templo; seu Gabinete particular, o santuário; e sua voz, a voz celestial que chegava até nós”. E Rebe Tzvi-Hersh de Zhidachov lamentou: “Enquanto viveu nosso Mestre santo, nos reuníamos em seu redor e colocávamos nossos braços uns nos outros, e assim chegávamos aos Céus. Agora, sem ele, perdemos as forças de olhar para cima. Até nossos sonhos estão diferentes”.

O fato de que o Vidente faleceu em Tisha b’Av não deve acrescentar tristeza a esse dia já tão triste – e não apenas porque o Chozédesdenhasse amelancolia. A Cabalá nos ensina a não chorar demais a morte de um Tzadik, pois diz que quando um desses grandes homens deixa este mundo, eles se tornam ainda mais poderosos do que durante sua vida terrena, pois não estão mais restritos por suas vestes terrenas. Ademais, o misticismo judaico ensina que no aniversário do passamento de uma pessoa, sua alma vivencia uma aliá – uma ascensão espiritual. Isto significa que a cada ano, na data em que os judeus jejuam e choram e oram por Redenção, a alma do Vidente de Lublin se torna ainda mais poderosa.

Tisha b’Av é a data em que tombaram os dois Templos, mas é também, de acordo com o Talmud, a data do nascimento do Mashiach e o dia da Redenção Messiânica. Portanto, não é uma coincidência – como nada o é, na vida – que o Vidente, que tanto sonhava e tanto se empenhou para trazer o Mashiach, tenha falecido no dia 9 de Av. Nessa data, cujo tema é não apenas a destruição do passado, mas a redenção do futuro, o Vidente torna-se um poderoso defensor diante do Trono Celestial. Assim sendo, ele tem condições de realizar das Alturas Celestiais, especialmente em Tishá b’Av, aquilo que ele não pode concluir aqui da Terra. A pergunta de Rebe Naftali de Ropshitz continua a reverberar através dos tempos: Como o mundo pode continuar sem o Vidente? Não o sabemos. Mas o que o Chozéde Lublin afirmou acerca de seu mais querido aluno, “o judeu de Peshischa”, nós podemos dizer acerca dele: Ele será nosso emissário nos Céus para apressar a vinda do Mashiach.

E se despertássemos de nosso sono espiritual e ouvíssemos com atenção, ouviríamos seus passos à medida que ele se aproxima.

Bibliografia:

Wiesel, Elie, Somewhere a Master - Hasidic Portaits and Legends, Shocken Books
Wiesel, Elie, Souls on Fire - Portraits and Legends of Hasidic Masters, Jason Aronson Inc.
Rabi Aryeh Kaplan,Chasidic Masters - History, Biography and Thought, Moznaim Publishing Corporation