Volodimir Borysovich Groysman já garantiu um lugar na história da Ucrânia: é o primeiro judeu a ocupar o cargo de primeiro-ministro em um país que obteve sua independência em 1991, com a desintegração da URSS.

Aos 38 anos de idade, Groysman tornou-se também o mais jovem premiê, chegando ao poder em um momento turbulento, marcado por conflito separatista, relações deterioradas com a Rússia e crise econômica.

Localizada entre a Rússia e a Polônia, a Ucrânia registra uma antiga presença judaica, com os primeiros registros datando de 1030, nas porções ocidentais do país. Nessas regiões, ao longo dos séculos, houve forte influência polonesa ou austro-húngara, enquanto, nas áreas orientais, predominou o poder russo.

Com o fim dos impérios na Europa oriental, na primeira metade do século 20, e após a Revolução Bolchevique de 1917, a Ucrânia teve um período curto de independência, sendo em seguida incorporada à União Soviética, criada em 1922. O império comunista, criado por Vladimir Lênin, desintegrou-se em 1991, o que resultou na independência ucraniana.

De acordo com o Congresso Judaico Mundial, há cerca de 360 mil judeus na Ucrânia, o que corresponde a uma das maiores comunidades da Europa e a quinta do mundo, atrás de EUA, Rússia, França e Reino Unido. A história judaica no país, porém, enfrentou momentos trágicos de perseguição, e a sombra do antissemitismo ainda ronda o país.

A chegada de Groysman ao governo federal, portanto, carrega um importante simbolismo. Segundo o rabino Shaul Horowitz, que trabalha junto à comunidade ucraniana, o novo primeiro-ministro é o primeiro político de relevância nacional no país a dar visibilidade a seu judaísmo e a suas práticas religiosas. A transparência sobre o tema não é habitual em um país onde antissemitismo e décadas de repressão comunista tornaram indesejável a políticos assumir totalmente sua condição judaica, afirmou Horowitz, em reportagem publicada no “The Times of Israel”.

O texto destacou ainda a diferença nas visitas de políticos à sinagoga de Vinnytsia, cidade de 370 mil habitantes, nas cerimônias de  Rosh Hashaná. Enquanto a maioria deles aparecia para  saudar a comunidade, o prefeito Groysman se juntava às preces. Nascido em 1978, ele é neto de sobreviventes do Holocausto. Seu avô, Isaac, sobreviveu ao fingir-se de morto durante um massacre perpetrado pelos nazistas.

Em entrevistas à mídia local, Groysman costuma relembrar o sofrimento de seus antepassados. Também enfatiza laços com Israel, onde, acompanhado de seu pai Boris, costuma visitar familiares na cidade portuária de Ashdod. Alguns anos atrás, o jovem prefeito de Vinnytsia recepcionou o então ministro das Relações Exteriores de Israel, Avigdor Lieberman, para a inauguração, em sua cidade, de um centro avançado de medicina diagnóstica, construído por Israel.

Groysman governou sua cidade natal entre 2006 e 2014. Conquistou a fama de um administrador competente e honesto, em um sistema político contaminado pelos vícios e corrupção vindos também do período soviético. Dois anos atrás, assumiu o Ministério de Desenvolvimento Regional e foi eleito presidente do Parlamento. Seu antecessor, Arseniy Yatseniuk, perdeu apoio do presidente Petro Poroshenko e acabou afastado, numa votação entre os deputados, que elegeram Groysman para encabeçar o novo gabinete.

Encarregado de comandar o  dia-a-dia do governo, Groysman atua em um cenário de dificuldade econômica e combate à corrupção. Há um pano de fundo complexo para sua administração: a guerra com separatistas na Ucrânia oriental, que, apoiados por Moscou, rejeitam os rumos implementados pelo presidente Poroshenko.

A crise começou em 2013, quando irromperam na capital Kiev protestos contra o então presidente Viktor Yanukovich, considerado aliado de Moscou. A queda de Yanukovich, no ano seguinte, levou ao poder as forças políticas ucranianas defensoras de um afastamento do país em relação ao Kremlin e aproximação à União Europeia. Na porção oriental da Ucrânia, onde vivem comunidades russófonas e que desejam manter laços privilegiados com Moscou, começou um movimento armado, mergulhando a região em violência e instabilidade.

A Rússia reagiu também à mudança estratégica da Ucrânia, de priorizar laços com a União Europeia e Estados Unidos, e anexou a península da Crimeia, que Moscou havia cedido a Kiev em 1954.

A crise entre Rússia e Ucrânia também envolveu as comunidades judaicas locais em um debate sobre antissemitismo. O Kremlin costuma associar os atuais nacionalistas ucranianos a colaboracionistas que atuaram com os nazistas ou que perpetraram pogroms no começo do século 20.

Josef Zissels, líder da comunidade judaica ucraniana, declarou que a chegada de um judeu ao posto de premiê seria a prova contra a acusação do governo russo. Em janeiro, ainda na presidência do Parlamento, Groysman, no Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto, realizou uma cerimônia especial, com um minuto de silêncio em homenagem às vítimas do nazismo. Foi um evento inédito no Parlamento ucraniano.

Mas o rabino-chefe de Moscou, Pinchas Goldschmidt, em entrevista à agência de notícias JTA, alertou para o crescimento de homenagens, na Ucrânia, a líderes nacionalistas envolvidos em ações antissemitas.  O rabino mencionou uma cerimônia realizada no dia 25 de maio, para evocar a memória de Symon Petliura, chefe de milícias responsáveis por ataques sangrentos a comunidades judaicas entre 1917 e 1921.

Em maio, um funcionário da prefeitura de Kiev afirmou que ruas da capital receberiam os nomes de Stepan Bandera e Roman Shukhevych, nacionalistas ucranianos que colaboraram com nazistas e foram responsáveis por massacres de comunidades judaicas. “Judeus russos e judeus ucranianos compartilham a preocupação com essa celebração de conhecidos antissemitas e colaboracionistas”, declarou o rabino Goldschmidt.

E, num recado indireto ao novo primeiro-ministro, o rabino acrescentou: “Contamos com os judeus ucranianos para cessar as homenagens revisionistas do Holocausto”.

Jaime Spitzcovsky foi editor internacional e correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim.