Localizado, a princípio, na antecâmara do Tabernáculo e, posteriormente, na do Templo Sagrado de Jerusalém, o Shulchan era uma mesa de quatro pernas, de madeira de acácia, revestida EM ouro, sobre a qual repousavam, ininterruptamente, doze pães assados - os Lechem HaPanim, os Pães da Proposição.

Ensina o Zohar, obra fundamental da Cabalá, que o Shulchan constituía o veículo material que trazia a bênção divina do sustento para o mundo todo. A Torá se refere ao Pão da Proposição como uma “aliança eterna” (Levítico 24: 8). Assim, compara o Lechem HaPanim ao Shabat, que também é chamado de aliança eterna entre D’us e o Povo de Israel (Êxodo 31:16). O Pão da Proposição e o Shabat possuem uma mensagem semelhante. A aliança do Shabat proíbe o trabalho e ordena que a pessoa se alimente bem, sem se preocupar de onde virá seu futuro sustento, porque o Shabat traz seu próprio estoque de bênçãos para a semana seguinte. Da mesma forma, o Pão da Proposição simboliza que é D’us quem fornece o sustento e a prosperidade.

O Shulchan simbolizava o ensinamento da Torá de que D’us é o Provedor - a Fonte de todas as bênçãos materiais. A Mesa era um lembrete contínuo de que nosso sustento advém apenas d’Ele. Assim como a Arca Sagrada, o Shulchan possuía uma “coroa” - uma borda dourada. Mas enquanto a borda dourada da Arca Sagrada simbolizava a “coroa da Torá”, a do Shulchan representava a “coroa da realeza”. Da mesma forma como é responsabilidade do rei garantir a segurança e a prosperidade de sua nação, o Povo Judeu também desfrutaria da prosperidade graças ao mérito do Shulchan.

Em hebraico, o Pão da Proposição é chamado de Lechem Hapanim, que se traduz literalmente como “pão da face”. O Talmud ensina que levava esse nome porque tinha muitas “faces”, ou seja, muitos lados. Há outra explicação para esse nome, segundo um dos maiores Sábios do Talmud, o Rabi Yonatan ben Uziel: os Pães da Proposição são assim chamados porque se encontravam dentro (“p’nim”, em hebraico) do Sagrado - o Santuário - tanto o do Tabernáculo, construído no deserto sob a liderança de Moshé, quanto o do primeiro e do segundo Templos de Jerusalém.

O Mishkan e o Shulchan 

Depois de Se revelar no Monte Sinai a todo o Povo de Israel, D’us ordenou a Moshé que construísse o Mishkan - o Tabernáculo (literalmente, “lugar de habitação”): um santuário portátil que serviria como um centro espiritual no meio do deserto. O Mishkan - o mini Templo portátil que foi o predecessor do Templo Sagrado de Jerusalém - foi construído um ano após o êxodo do Egito, e, assim como o Templo de Jerusalém, era o lugar onde o Povo de Israel levava seus sacrifícios para expiar seus pecados ou para expressar gratidão ao Altíssimo. Era também o lugar onde D’us Infinito se comunicava com Moshé.

O interior do Tabernáculo e do Templo Sagrado de Jerusalém era dividido em duas câmaras. A sala mais interna, chamada de Kodesh HaKodashim (o Sagrado dos Sagrados), continha a Arca Sagrada, que abrigava as Tábuas e outros itens sagrados. A outra câmara, a antessala, era conhecida como o Kodesh - o Sagrado. Continha o Altar de Ouro, sobre o qual o incenso era oferecido duas vezes ao dia. Em seu lado sul estava a Menorá feita de ouro, o candelabro cujos sete braços eram acesos diariamente pelos Cohanim (sacerdotes). Perto da parede norte do Kodesh ficava o Shulchan, a mesa de acácia revestida em folha de ouro, sobre a qual os Cohanim colocavam os Pães da Proposição - doze pães assados - em duas pilhas de seis pães cada. Uma colher grande contendo um punhado de Levoná(olíbano - uma resina extraída da árvore Boswellia sacra) era colocada em cada uma das duas pilhas dos Pães da Proposição.

O arranjo dos Pães da Proposição no Shulchan era um ritual realizado semanalmente. Assados ​​na sexta-feira, no dia seguinte, Shabat, os pães eram colocados no Shulchan, onde permaneciam por uma semana inteira - de um Shabat ao outro.

No Shabat da semana seguinte, à tarde, após o sacrifício de Minchá, os doze pães eram removidos da Mesa, sendo simultaneamente substituídos por um novo lote de Lechem HaPanim, já que o Shulchan não podia ficar em momento algum sem pão.

Os pães removidos eram então distribuídos entre os Cohanim que estavam servindo no Tabernáculo naquele Shabat, que os comiam. Os Pães da Proposição não eram oferecidos no Mizbeach (Altar). Em vez disso, queimava-se no Altar a Levoná(o olíbano) contida nas colheres assentadas sobre as duas pilhas do Lechem HaPanim. Os Cohanim comiam os Pães da Proposição no Pátio do Tabernáculo e, posteriormente, no Pátio do Templo Sagrado de Jerusalém.

Esses pães tinham formato e espessura únicos e deveriam permanecer inteiros e intactos durante e após o assamento. Os pães eram grandes, pesando cada um deles quase cinco quilos. O Lechem HaPanim é chamado de pão, mas era, na verdade, Matzá - pão sem fermento -, que tinha de ser assado rapidamente para não fermentar e se tornar Chametz.

O Talmud ensina que os Pães da Proposição, que permaneciam no Shulchan por uma semana inteira, eram retirados da Mesa no mesmo estado em que haviam sido colocados. Os Sábios do Talmud discordam entre si sobre o que isso significa: alguns afirmam que o Lechem HaPanim permanecia quente enquanto outros dizem que permanecia macio durante toda a semana. Mas todos os Sábios concordam que o pão milagrosamente se mantinha fresco: apesar de permanecer ao ar livre por uma semana inteira, o Lechem HaPanim não envelhecia.

O Talmud nos conta que havia uma família, de nome Garmu, que era especialista em preparar o Lechem HaPanim. Os Sábios pediram-lhes que ensinassem a outras pessoas os segredos da preparação dos Pães da Proposição, mas os Garmu se recusaram e, consequentemente, foram despedidos. Padeiros especializados foram trazidos de Alexandria, Egito, mas não sabiam tirar os pães do forno tão bem quanto os Garmu; e, apesar de muitas tentativas, seus pães ficavam mofados. Os Garmu foram então chamados de volta ao trabalho. Quando lhes perguntaram por que se recusaram a revelar os segredos de como fazer o Lechem HaPanim a outras pessoas, disseram: “Sabemos que o Templo Sagrado de Jerusalém será destruído e receamos que um homem indigno aprenda a assar os Pães da Proposição e os use para servir a um ídolo.” Além de serem especialistas, os membros da família Garmu eram indiscutivelmente honestos. O Lechem HaPanim era feito de farinha fina, peneirada várias vezes. A família Garmu nunca comia pão de farinha fina - apenas pão simples e áspero - para que ninguém suspeitasse que usassem a farinha dos Pães da Proposição para as suas próprias refeições.

O que nos ensinam o Shulchan e o Pão da Proposição

O Talmud ensina: “Se uma pessoa quer ficar rica, deve apontar os pés para o norte quando reza” (Talmud Bavli, Bava Batra 25a). A razão para isso é que o Shulchan se encontrava no lado norte do Santuário, e os Pães da Proposição eram uma lembrança perpétua da generosidade de D’us e constituíam um canal para a abundância e a prosperidade.

Como mencionado anteriormente, o Lechem HaPanim era Matzá. Como nos ensina a festa de Pessach, a Matzá representa a humildade, enquanto o Chametz simboliza o ego e a arrogância. Os Pães da Proposição eram ázimos, simbolizando a humildade, para nos transmitir que devemos sempre nos lembrar de que nossa riqueza advém de D’us e, assim, prevenir que caiamos na armadilha de acreditar que somos os únicos responsáveis ​​por nossas realizações pessoais. Até mesmo o formato do Pão da Proposição - suas pontas voltadas uma para a outra - transmite uma lição: simboliza o amor por outros seres humanos. A Torá nos ensina que a generosidade e a preocupação com as outras pessoas - especialmente com os mais vulneráveis ​​da sociedade - são a maneira mais segura de invocar a misericórdia de D’us e Suas bênçãos, tanto materiais quanto espirituais.

Três vezes por ano, quando os Bnei Israel, os Filhos de Israel, faziam a peregrinação ao Templo Sagrado de Jerusalém - em Pessach, Shavuot e Sucot -, os Cohanim removiam o Shulchan do Kodesh, mostravam aos Filhos de Israel os Pães da Proposição - que se tinham mantido frescos por uma semana inteira - e lhes diziam: “Vejam como vocês são amados por D’us!” O Lechem HaPanim simbolizava o ensinamento de que é a bênção de D’us que traz e preserva a riqueza (Provérbios 10:21). O milagre desses Pães, que não envelheciam, era uma demonstração da generosidade de D’us, e tinha como objetivo inspirar os seres humanos a fazer o mesmo: compartilhar o seu pão com os famintos (Isaías, capítulo 58).

Nachmânides (o Ramban), Cabalista e um dos maiores comentaristas da Torá de todos os tempos, explica que o Shulchan representa o milagre da prosperidade. Ele escreve que desde o momento em que D’us trouxe o universo à existência a partir de um vácuo absoluto, Ele não criou mais nada ex-nihilo - a partir do nada. Em vez disso, quando D’us deseja produzir um aumento milagroso, Ele faz com que flua de algo que já existe, como encontramos no caso do profeta Elisha, que fez com que um único jarro de azeite gerasse um fluxo incessante de azeite - contanto que houvesse jarros vazios para serem enchidos (II Reis 17:16). Assim era com o Shulchan, explica o Ramban. O Pão da Proposição, que era colocado sobre a Mesa semanalmente, tinha a virtude de fazer fluir a prosperidade para o Povo Judeu e para todo o mundo. Em outra manifestação ainda mais visível desse milagre, o Talmud ensina que um Cohen que comesse um pedacinho sequer do Lechem HaPanim, ficaria totalmente satisfeito. Na linguagem dos Sábios: “o Pão da Proposição se tornava abençoado nas próprias entranhas do Cohen” (Talmud Bavli, Yoma 39a).

Há uma lição que aprendemos com a localização do Shulchan no Santuário. Essa Mesa era colocada perto da parede norte do Kodesh, em frente à Menorá, que simbolizava a iluminação do intelecto. A Arca Sagrada, localizada no Sagrado dos Sagrados - a câmara mais interior do Tabernáculo e do Templo Sagrado - era equidistante de ambos. Assim, a Arca Sagrada, contendo a palavra de D’us - pois abrigava as Tábuas que D’us deu a Moshé no Sinai - lançava suas emanações espirituais, por assim dizer, sobre a Menorá e o Shulchan, que representavam, respectivamente, a realização intelectual e a prosperidade material. Isso nos ensina que tanto nossa vida espiritual como a material devem ser guiadas pela Palavra de D’us.

*   As imagens desta página foram extraídas do livro: The Mishkan / Tabernacle por Rabbi Avrohom Biderman, com permissão dos detentores dos direitos autorais, ArtScroll / Mesorah Publications, Ltd. A obra está disponível em inglês e hebraico.

BIBLIOGRAFIA

Zichron Meir Edition of Targum Onkelos - ArtScroll Mesorah Publications

The Showbread: The How and

Why of the Temple Bread Offering - Mendy Kaminker - https://www.chabad.org/library/article_cdo/aid/2974301/jewish/The-Showbread-The-How-and-Why-of-the-Temple-Bread-Offering.htm