Lendas locais identificam a cidade de Bukhara, na República do Uzbequistão, como a bíblica Hator, e contam, inclusive, que inúmeros líderes tribais afegãos são descendentes das Dez Tribos Perdidas de Israel e de uma das esposas do rei Saul.

Segundo a Bíblia, a cidade de Medes – provavelmente localizada no noroeste da Pérsia, na região chamada Curdistão, foi um dos locais do exílio das Dez Tribos de Israel durante o período assírio. Teria sido nesta região das montanhas caucasianas, entre os mares Cáspio e Negro – que inclui a área da Armênia, Geórgia, Azerbaijão e Daguistão – que estiveram vagando os exilados das tribos, migrando posteriormente para o Uzbequistão, Bukhara, Turcomenistão e, a partir daí, para o sul do Afeganistão, Índia, Paquistão e, eventualmente, China.

Estudiosos do tema afirmam que o uso de nomes como Yusuf, Yusufzai, Yusufuzi e outros, era comum em tribos que acreditavam que seus ancestrais tivessem sido membros de uma das tribos perdidas. Yusuf significa José e Yusufzai, filhos de José. As tribos de José, Efraim e Menassés são três das que foram consideradas perdidas. Essas pessoas costumam denominar-se também Bani-Israel – Filhos de Israel – e, segundo sua tradição, seus antepassados teriam sido levados de sua terra natal. Estes teriam sido pastores em busca de melhores pastagens para seus rebanhos, trocando posteriormente a vida nômade por assentamentos em pequenas comunidades.

Ainda segundo os estudiosos, a família real afegã também remonta às tribos de Israel, sendo descendente da de Benjamin. Esta versão foi publicada pela primeira vez em 1635, em um livro intitulado Mahsan-I-Afghani. Segundo a obra, o rei Saul teve um filho chamado Jeremias, pai de um menino chamado Afghana. Com a morte de Saul e Jeremias na mesma época, Afghana foi criado pelo rei David, vivendo na corte, entre os hebreus, durante o reinado de Salomão. Ainda segundo esse relato, anos mais tarde, em função de conflitos na região de Israel, a família de Afghana fugiu para uma área chamada Gur, na região central do Afeganistão. Em 662, os descendentes de Afghana se teriam convertido ao islamismo. O líder da comunidade chamava-se Kish, como o pai do rei Saul. Ainda segundo essa crença, o profeta Maomé então recompensou Kish pela adesão ao novo credo e mudou o seu nome hebraico de Kish para o árabe A-Rashid, dando-lhe a missão de propagar o islamismo entre o seu povo.

Não há muitos relatos exatos sobre a chegada dos judeus à Ásia Central, nem sobre os seus países de origem. Há evidências históricas, no entanto, datadas do século X, de sua presença no leste da Pérsia e no norte do Afeganistão. Segundo a tradição oral dos judeus da Ásia Central, seus ancestrais partiram da Babilônia, rumo à Pérsia. Estudos referentes à chegada dos judeus na região, no entanto, não confirmam esta versão, ressaltando que esta migração deve ter ocorrido entre os séculos XIII e XIV e também nos séculos XVIII e XIX. De acordo com relatos de Benjamim de Tudela (ver artigo na pg. 45), no entanto, em meados do século XII havia cerca de 80 mil judeus na região de Ghazni, às margens do rio Gozan. Essa comunidade vivia isolada sem manter contato com o mundo exterior.

Idade Média

Em artigo sobre os judeus no Afeganistão, publicado pelo estudioso Guy Matalon na revista científica afegã Mardom Nama-Ebakther, o autor afirma que há poucos trabalhos sobre a origem das comunidades da região principalmente por falta de informações comprovadas. “A maioria das comunidades judaicas na área que hoje integra o Irã, o Afeganistão e arredores acreditam que suas origens remontam aos exílios assírio (720 a.E.C.) e babilônio (560 a.E.C.). É difícil comprovar ou refutar tais afirmações, pois não há evidências arqueológicas para tal. Há, no entanto, uma referência bíblica sobre o exílio de uma grande comunidade que se estabeleceu ao longo do rio Gozan. Portanto, é possível que a crença sobre o estabelecimento de judeus na região do Crescente Fértil tenha bases históricas na medida que o exílio realmente aconteceu”, explica Matalon.

Sua pesquisa, no entanto, centralizou-se na presença judaica no Afeganistão durante a Idade Média e baseou-se em comentários bíblicos, em responsas escritas durante o período gaônico e nas ruínas de um cemitério judaico descoberto na cidade de Gur, em 1946. Lá foram encontradas sepulturas datadas a partir de 1198. Durante sua pesquisas, o historiador encontrou várias citações referentes aos “judeus de Khorasan” nos comentários bíblicos de Saadia Gaon e Moses Ibn Ezra e dos caraítas Al Qumsi e Japheth Ibn Ali. “Khorosan seria a região mencionada na Bíblia como ‘Terra do Norte’ e os comentários dos autores mencionados identificam a área para a qual os judeus exilados foram como sendo Khorosan, que corresponderia ao que é hoje parte do Irã e do Afeganistão”, explica o historiador.

Segundo ele, as responsas gaônicas, que abordam situações e fatos relativos às comunidades judaicas afegãs, indicam, que estas se relacionam com as escolas talmúdicas da Babilônia, então consideradas o centro espiritual da diáspora. As principais comunidades do início da Idade Média estavam nas cidades de Merv, Balkh, Ghazni, Herat, Cabul e Nishapur, além de algumas menores nos vilarejos de Khush-Khak e Ferozkoh-Jam.

A primeira comunidade de Merv teria sido criada pelo profeta Ezra, que teria construído uma sinagoga que sobreviveu até 1092. Segundo uma fonte muçulmana, a comunidade era relativamente grande e seu líder era um rabino chamado Akiva. O rabino era o responsável pelo recolhimento de impostos, entregando-os ao representante das autoridades. Ele se teria ordenado em uma instituição talmúdica na Babilônia.

No Livro de Isaías, o rabino Saadia Gaon faz um comentário sobre a comunidade de Balkh, que estaria dividida em dois grupos distintos – os judeus e aqueles a que se referia como “pessoas que eram chamadas de judeus”. Segundo documentos encontrados em uma guenizá, os judeus de Balkh tinham relações econômicas com o reino judaico de Khasar. Saadia Gaon escreveu um texto contra um judeu herege de Balkh chamado Hiwi.

A cidade de Cabul também tinha uma grande comunidade judaica. Segundo Al Idris, os judeus de Cabul viviam separados dos muçulmanos, em uma espécie de gueto. O autor, entretanto, não esclarece se o isolamento era uma opção judaica ou uma imposição muçulmana. A cidade de Ghazni também aparece em vários comentários bíblicos e nos textos de Benjamim de Tudela, que teria afirmado que havia mais de oito mil judeus na área, muitos dos quais seriam assessores econômicos dos seus governantes. As origens da comunidade de Nishapur são atribuídas aos exilados durante o período assírio e, segundo uma das fontes, esta era liderada pelo rabino Joseph Amarkala. “As fontes pesquisadas indicam que parte da comunidade se teria convertido ao islamismo e parte partido para Jerusalém, no início do século X”, afirma Matalon.

Pedras que falam

A descoberta do cemitério judaico na cidade de Gur, em 1946, trouxe informações mais detalhadas sobre os judeus do Afeganistão. “Na verdade, as inscrições encontradas nas lápides permitiram aos estudiosos supor que as demais comunidades possuíam estruturas e estilos de vida similares”, ressalta o historiador. A primeira lápide encontrada tinha uma inscrição em judeu-persa e era datada de 1198. Em 1956, foram encontradas mais três pedras, dos anos 752 e 753. Em 1962, mais de 20 lápides foram descobertas e traziam inscrições em hebraico, aramaico e judeu-persa. Todas datavam do período entre 1012 e 1249. Muitos estudiosos acreditam que, após a invasão dos mongóis, parte dos judeus fugiram para a China, pois é nítida a influência na comunidade judaica chinesa dos judeus oriundos de Khorosan que falavam o idioma persa.

Matalon informa que as lápides traziam não apenas nomes e datas, mas também títulos comunitários e funções. Algumas traziam o título de Alut que, segundo a hierarquia das escolas talmúdicas da Babilônia, foi concedido a cinco membros da comunidade que atuavam como juízes. Outras lápides tinham o título de Chacham ao lado do nome da pessoa e parece que era reservado àqueles que tinham a função de rabinos e professores; o título de Melamed também está presente em algumas lápides, além de outros como Yashish e Zaken, além de identificar se o indivíduo era Cohen ou Levi.

Os títulos de líder da comunidade – Rosh Kahal – e o de líder da congregação – Rosh Kanesa – foram encontrados em duas pedras próximas no cemitério de Gur. O termo Kanesa em judeu-persa significa sinagoga. Palavras como Tagar, mercador, e Pakid, funcionário do governo, também foram encontradas. As informações obtidas a partir das lápides, segundo Matalon, revelam que a comunidade de Gur possuía uma estrutura completa, com cortes rabínicas, escolas para crianças e jovens, além de uma sinagoga.

Matalon finaliza seu artigo afirmando que as pesquisas feitas por inúmeros estudiosos revelam que, provavelmente, as origens das comunidades judaicas afegãs são persas e que, de modo geral, estas mantinham vínculos religiosos e comerciais com os nú-cleos judaicos da Babilônia. Seus membros falavam judeu-persa, hebraico e um pouco de aramaico.

Séculos XVIII e XIX

A trajetória dos judeus rumo ao extremo norte da Pérsia, – a cidade de Mashad – intensificou-se em 1740, quando estabeleceram uma comunidade vibrante e muito bem estruturada. A expansão do islamismo na região, no entanto, limitou a vida judaica, levando muitas vezes a explosões de violência, como o pogrom de 1839. A sinagoga foi incendiada e inúmeras proprie-dades pertencentes a judeus, destruídas. A comunidade escapou de ser totalmente massacrada pois a população prometeu converter-se, o que fez apenas nas aparências. Diante desta situação, os judeus começaram a partir rumo a terras mais tolerantes, em espe-cial, ao Afeganistão, onde já havia outros núcleos. Em 1951, após a criação de Israel, a quase totalidade dos cinco mil judeus que ainda estavam no país emigrou para para o novo estado. Acredita-se que quando a ex-União Soviética invadiu o Afeganistão, em 1979, restavam ali apenas 200 pessoas. Em 2001, há apenas um ou dois judeus.