O debate sobre a questão das indenizações dos judeus que fugiram dos países árabes e a postura do governo israelense sobre o tema provocam debate em Israel e na diáspora.

Final da década de 1940. O mundo assistia à reconstrução da Europa, após a Segunda Guerra Mundial; à Partilha da Palestina, aprovada pelas Nações Unidas, em 1947; e à criação do Estado de Israel, em 1948. Enquanto gritos de júbilo ecoavam pelas ruas do Estado Judeu, medo e incerteza começavam a tomar conta dos judeus que, até então, viviam em relativa tranqüilidade nos países árabes.

Como conseqüência da fundação do Estado Judeu e da guerra deflagrada pelos países árabes contra a nova nação, iniciou-se um período de perseguições que culminou com a saída de milhares de judeus do Egito, Síria, Iraque, Argélia, Marrocos, Iêmen, Líbano e Tunísia. Famílias se separaram. Alguns partiram para Israel, outros para a Europa, Estados Unidos, América do Sul e outros locais. Deixaram atrás de si amigos de longa data, séculos de história e milhões de dólares em patrimônios pessoais construídos ao longo de gerações, além de um valor incalculável em bens comunitários. Que fim levaram tais fortunas?

O tema da restituição de bens aos judeus sefaraditas que deixaram seus países de origem fugindo das perseguições dos governos árabes, após 1948, começa a surgir na cena política de Israel. Vem despertado por outra polêmica com a qual, aparentemente, não teria relação direta: a reivindicação feita pela Autoridade Palestina (AP) pelos bens deixados em Israel pelos palestinos, após 1948. Segundo a AP, o governo israelense deverá pagar indenizações aos que deixaram seus bens ao fugir das fronteiras que delimitaram o Estado de Israel. Esta questão deverá ser abordada durante as conversações finais de paz entre Israel e AP, em data ainda indefinida. Sabe-se, no entanto, com certeza, que os palestinos já estão fazendo o levantamento detalhado do montante em quanto deverão ser ressarcidos.

A relação entre os dois temas tornou-se evidente após a divulgação de informações segundo as quais o governo israelense estaria começando também a fazer um levantamento dos bens deixados pelos judeus nos países árabes. Por trás desta medida estaria uma meta: apresentar uma proposta à AP, cujo conteúdo, a grosso modo, seria trocar as reivindicações dos judeus aos países árabes pelas dos palestinos a Israel. Este assunto foi capa da revista The Jerusalem Report em sua edição de 27 de setembro de 1999. Poderia até ser uma solução aceitável, não fossem as reações de protesto de ambas as partes: judeus sefaraditas e palestinos.

Reivindicações antigas

Setores menos envolvidos na vida judaica da diáspora e também no desenrolar dos fatos no Oriente Médio podem ter-se surpreendido não apenas com a maneira como o tema vem sendo abordado em Israel, mas também com a constatação do fato em si. Ou seja, ainda há judeus reivindicando alguma coisa aos países árabes? Ou melhor, há judeus que ainda acreditam que poderão receber algo da herança de seus antepassados?
A resposta para as duas perguntas é positiva, acrescida do fato de que inúmeras organizações sefaraditas em todo o mundo estão empenhadas na luta pelas indenizações há vários anos, a ponto de ter sido criada, em novembro de 1975, a Organização Mundial de Judeus dos Países Árabes, com braços ativos na diáspora e em Israel. Seu objetivo era, e ainda é, encaminhar suas reivindicações aos governos árabes e lutar para que sejam atendidas.

Em termos concretos, no entanto, nada foi conseguido. Segundo o The Jerusalem Report, o governo israelense jamais incentivou as atividades da organização e, justamente agora, quando o tema das indenizações está sendo debatido, o Ministério das Relações Exteriores de Israel decidiu fechar a representação local, alegando falta de verbas. Fontes oficiais afirmam que o escritório será fechado por não ter tido atuação efetiva.

Lideranças sefaraditas de Israel e da diáspora ficaram indignados com o fato, pois o governo sempre garantiu que no momento exato sua causa seria de-fendida, o que não estaria ocorrendo levando-se em consideração os boatos sobre uma suposta proposta israelense aos palestinos acerca dos bens dos judeus sefaraditas. O fato de o governo israelense ter solicitado às instituições sefaraditas que se empenhem em fazer um levantamento exato, tanto quanto possível, sobre as fortunas perdidas pode ser, dizem os críticos, um sinal de que algo não muito agradável está para acontecer.

Não se pode negar, no entanto, que enquanto Israel e o mundo judaico vêm lutando há anos - e geralmente ganhando - por indenizações para as vítimas do Holocausto, poucos esforços foram empreendidos quanto às perdas das propriedades de judeus em países árabes.
Para alguns sefaraditas que não vivem em Is-rael, a possibilidade de haver uma troca entre as reparações de seus antepassados e a dos palestinos é absurda e alarmante. Lançam a seguinte pergunta: "Por que devemos, nós, arcar com o custo das perdas palestinas?" Segundo o professor Heskel Haddad, presidente do ramo americano da Organização Mundial de Judeus dos Países Árabes, Israel não tem o direito de se autodenominar o representante daqueles que foram vítimas das perseguições nos países árabes.

"Países como a Síria, Egito, Marrocos, Iraque, Iêmen, Argélia, Líbano e Tunísia têm uma dívida conosco e devem pagá-la. Não podem ser isentos de seu compromisso só porque Israel está com pressa em fazer a paz com os palestinos", diz Haddad. A mesma indignação pode ser vista na declaração de Debora Srour, 37, que vive em Nova York e cujo avô possuía um cassino no Cairo.

"Meu avô foi preso e forçado a partir do Egito, deixando tudo para trás. Depois que Israel e Egito assinaram o acordo de paz, voltamos ao Cairo e descobrimos que o cassino tinha-se transformado em sede da Irmandade Muçulmana. Nós somos sionistas e faremos tudo por Israel, mas essa possível atitude do governo não é sensata. Como pode o governo israelense barganhar de tal maneira sobre uma questão que não é de sua alçada?" Yehouda Shenhav, professor da Universidade de Tel Aviv, descendente de judeus do Iraque, afirma que os bens dos judeus do Oriente Médio não são um problema que concerne ao Estado de Israel. Com esta atitude, eles (os governantes) estão amarrando nossas mãos e as dos palestinos com as mesmas algemas".

Entretanto, o protesto não é um consenso. O presidente da Federação Sefaradita Americana, Leon Levy, vem ajudando o governo a fazer os levantamentos requisitados e concorda com um possível acordo com os palestinos. Cerca de cem mil formulários já foram distribuídos nos Estados Unidos, Canadá e Europa, em colaboração com o Congresso Judaico Mundial (CJM). Este projeto teve início durante o governo de Binyamin Netanyahu, tendo continuidade durante a presente gestão de Ehud Barak. Levy acredita que Israel está preocupado com a profundidade da pesquisa que está sendo feita pela AP e quer estar preparado para responder ao que for necessário. Descendente de turcos, não será pessoalmente beneficiado por qualquer desfecho desta polêmica, mas acredita que os judeus sefaraditas jamais terão suas reivindicações atendidas pelos países árabes.

O levantamento dos bens dos judeus dos países árabes também foi abordado pelo The Jerusalem Post, em uma reportagem em 5 de maio de 1999. Segundo Jayme Rosengarten, diretor executivo da Associação Sefaradita Americana, "esse é um capítulo da história judaica moderna que ainda não foi contado. O mundo não sabe o que aconteceu de fato e as pessoas que representamos sentem que é chegado o momento no qual todos precisam conhecer tudo sobre suas perdas, o que sofreram e as experiências que vivenciaram, além do drama moral daqueles que foram forçados a fugir ou foram expulsos dos países árabes. Esta não é apenas uma questão sefaradita, mas uma questão do mundo judaico".

Na mesma edição, o The Jerusalem Post afirmou que o tema das propriedades abandonadas e o pagamento de indenizações surgirá, com certeza, na fase final das negociações com a Autoridade Palestina. Amram Attias, presidente do Comitê dos Judeus dos Países Árabes das Federações Sefaraditas, disse que, em sua opinião, o governo israelense deveria rebater uma a uma as exigências dos palestinos, no seguinte sentido: "Se eles reivindicarem uma mesquita, nós reivindicaremos uma sinagoga. Se for uma escola, nós faremos o mesmo. Não se trata de um processo para ganhar mais dinheiro, pois não temos esperança ou sequer expectativa de obter mais. É uma questão moral que ainda não foi reconhecida como tal".

Patrimônio perdido

Não foram apenas milhões de dólares o que foi abandonado pelos judeus em seus países de origem. Deixaram para trás uma história de mais de dois mil anos e tiveram que recomeçar sua vida, geralmente com muita dificuldade, em outros lugares. Em 1945, havia cerca de 870 mil judeus vivendo no Oriente Médio e no Norte da África. Em 1952, centenas de milhares emigraram para Israel enquanto outros milhares espalhavam-se pelos continentes.

No dia 10 de março de 1951, o governo iraquiano baixou uma nova lei confiscando as propriedades de todos os judeus que haviam renunciado à cidadania e pretendiam ir para Israel. Para impedir que pudessem beneficiar-se do prazo que a lei necessitava para ser implementada, o governo determinou o fechamento dos bancos por três dias. Suas lojas foram fechadas, seus bens confiscados e suas casas revistadas. Segundo Amram Attias, cerca de 130 mil judeus iraquianos perderam mais de U$100 bilhões e os do Egito cerca de U$ 60 bilhões.

O tema dessas indenizações e a atitude a ser tomada pelo governo de Israel poderão aumentar não apenas as tensões entre o país e a diáspora, mas também entre os israelenses de origem sefaradita e ashquenazita. Uma fonte mencionada pelo The Jeru-salem Report, que não quis ser identificada, afirmou: "Os sefaraditas dirão que Israel não quis trazê-los primeiro quando o Estado foi criado; depois foram colocados em campos temporários e daí nas cidades em desenvolvimento. Agora estão sendo usados como elemento de barganha. Estes fatos juntos provoca- rão uma explosão social imensurável".

Já em 1951, depois que o Iraque confiscou os bens dos judeus, o então ministro das Relações Exteriores, Moshe Sharett, declarou: "Já existe uma conta entre nós e o mundo árabe: a dívida para recompensar financeiramente os árabes que deixaram o território de Israel e abandonaram suas propriedades... O ato decretado pelo governo do Iraque força-nos a relacionar as duas dívidas... Levaremos em consideração o valor das propriedades de judeus que foram confiscadas quando for feito o cálculo para pagar os árabes que abandonaram seus bens em Israel".

Em 1993, Zalman Shuval, então embaixador de Israel nos Estados Unidos, afirmou: "Israel deveria concordar em cancelar o pedido de indenizações para os judeus se os palestinos fizessem o mesmo com suas reivindicações".

Fato é que não há soluções simples para este dilema. Segundo Bobby Brown, encarregado para Assuntos de Diápora do Gabinete do Primeiro-ministro, se for realmente feito um acordo entre Israel e os palestinos, o governo terá que encontrar uma maneira para compensar os sefaraditas. Segundo David Tal, deputado eleito para a Knesset pelo Partido Shas, esta declaração, ainda que vaga, é a melhor alternativa para impedir a revolta total dos sefaraditas: "Sem querer fazer nenhum tipo de comparação, os judeus que fugiram da Europa e da Alemanha obtiveram algum tipo de compensação. Este dinheiro ajudou-os a se estabelecer aqui. Os judeus que fugiram dos países árabes jamais receberam algo".

Brown afirma estar consciente de que um possível acordo com os palestinos terá um impacto interno muito grande: "Haverá muitos debates. O primeiro será com a AP. O segundo, com nosso próprio povo".